A citação por edital é a “solução” processual judicial adotada pelo Estado, previa o disposto no art. 231 do Código de Processo Civil de 1973 e encontra-se contemplado nos arts. 238 e 239 do CPC de 2015, quando esgotadas as tentativas de citar alguém através de Oficial de Justiça e pela via postal, tendo, ambas, restado infrutíferas.
Trata-se de situação em que a pessoa não foi encontrada no endereço indicado pelo autor da ação, seja por não mais residir no local, por encontrar-se fora no momento da chegada do Oficial de Justiça ou do agente postal, ou até mesmo por esquivar-se de receber a contrafé.
Nessa circunstância, o Juiz dá por regularmente citado o “réu” ou o acusado, e considera legítimos os efeitos de citação ficta, ou seja, citação suposta (presumida).
E desta forma prossegue o processo: em sede cível, possivelmente resultará na decretação da revelia; em sede criminal, poderá resultar na decretação da prisão preventiva em desfavor do acusado.
Desta forma, os atos processuais seguem gerando efeitos, imputando e colocando em risco pessoa que sequer sabe o que pesa contra ela.
Ressalte-se que a possibilidade do agir ilicitamente visando esquivar-se de receber a contra fé, na citação, é uma eventualidade, não regra.
De tal forma, a maioria “esmagadora” é de pessoa íntegra, que merece a presunção de inocência e que pode está sofrendo imputação por presunção de culpa.
Cabe recordar que ausência não reputa culpa, assim como o silencio não é.
Porém, sendo verdadeiras ou não sendo verdadeiras as imputações feitas por alguém legítimo ativo ou não (o autor), as peças de oficio e as ordinatórias comporão os autos e influenciarão na decisão.
Tudo fulcrado em suposta ciência do acusado e presunção de seu desinteresse em comparecer em juízo para defender-se.
Minha inquietação acerca deste “mecanismo” é nutrida pela máxima que se encontra no conteúdo dos arts. 238 e 239 do CPC-15.
Art. 238: Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual;
Art. 239: Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado...
Não mais vigente no CPC, porém vale relembrar que havia o comando do art. 231, III, §§ 1º e 2º, em que a norma resolvia o ato citatório por edital, considerando hipóteses em que o réu ou o interessado efetivamente não tomariam conhecimento da determinação legal, vez que em local inacessível ou localizado em país que se nega a cumprir carta rogatória.
Extraindo as figuras do representante legal ou procurador (vez que não é comum a um cidadão do povo dispor deles) tem-se a maioria da população, a qual também se destinam as garantias Constitucionais, ignoradas na formalização da citação ficta.
Para sustentar a ideia de ineficácia da citação presumida, trago uma das decisões interlocutórias do eminente Magistrado, o Juiz Federal MARCOS AURELIO SILVA PEDRAZAS, quando requerida a citação do réu, por edital:
“Primeiramente é importante ressaltar que a citação por edital na hipótese de não localização do devedor é medida inócua, por não surtir nenhum resultado prático ou jurídico que a justifique.
É que o expediente, se adotado nos milhares de processos que se encontram arquivados, sem baixa na distribuição, pela não localização dos devedores, implicaria esforço humano e material desta serventia, sem que, de fato, a finalidade deste processo de execução fosse alcançada, ou seja, a persecução do crédito fiscal.
Não cabe, tampouco, o argumento de que uma suposta cautela do Fisco a legitimaria.
Na eventualidade do(a) Exequente vir a alegar que pretende com o expediente a interrupção do prazo prescricional, tal argumento não procede face a existência de previsão legal expressa, no sentido de que o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição.
Portanto, em homenagem ao princípio da economia processual, e preservando-se a utilidade da prestação jurisdicional, afasto tal diligência.
Diante disso, determino a suspensão do processo por um ano na forma do artigo 40 da Lei 6.830/80.
Decorrido tal prazo sem a manifestação do(a) Exequente, arquivem-se os autos, sem baixa na distribuição (artigo 40, parágrafo 2º da Lei 6.830/80).
Intime-se o(a) Exequente.
Rio de Janeiro, 26 de julho de 2011.”
O ato do Estado-Juiz de citar alguém (pessoa física ou jurídica) é ato processual imprescindível por meio do qual o acusado toma conhecimento dos fatos a ele imputados.
A partir da efetiva citação, então ciente do que lhe é imputado por alguém, o acusado exercerá os direitos constitucionais pertinentes, do contraditório e da ampla defesa, diante das acusações, das pretensões indenizatórias, do cumprimento de obrigação ou de reconhecimento.
Sabe-se que a citação é ato imprescindível para o estabelecimento da relação jurídica processual, já que dá efeito ao direito à informação, constitui a relação processual exigível, restando, então, presentes os atores necessários, quais sejam, a acusação, o Juiz e o “réu”.
A ausência do “réu”, neste caso aludido por falta da citação, constitui causa de nulidade absoluta do processo.
O “processo” inexiste. Conforme inteligência do art. 312-CPC.
Nos dizeres do Eminente Pacelli, o ato citatório “[...] é indispensável para a regularidade do feito, uma vez que é ele que possibilita ao réu não só o conhecimento da demanda, mas a oportunidade do exercício da ampla defesa, do contraditório, do direito ao silêncio e das demais garantias processuais individuais, [...]” (OLIVEIRA, 2009, p. 498).
O que determinava a norma processual civil ? Vejamos: (exemplificativamente - comparativamente)
art. 232-CPC/73: São requisitos da citação por edital:
I - a afirmação do autor, ou a certidão do oficial, quanto às circunstâncias previstas nos números I e II do artigo antecedente;
II - a afixação do edital, na sede do juízo, certificada pelo escrivão;
III - a publicação do edital no prazo máximo de quinze (15) dias, uma vez no órgão oficial e pelo menos duas vezes em jornal local, onde houver;
IV - a determinação, pelo juiz, do prazo, que variará entre vinte (20) e sessenta (60) dias, correndo da data da primeira publicação.
Parágrafo único. Juntar-se-á aos autos um exemplar de cada publicação, bem como do anúncio, de que trata o número II deste artigo.
Assim, cumprida a medida descrita no inciso III, do Artigo 232 do código de processo civil, o réu era considerado citado e o processo prosseguia nos seus efeitos, sendo o primeiro deles a decretação da revelia e as suas consequências.
Não é exagerado considerar-se que, desta forma, poderia ser dado por citado alguém que esteja viajando ou até mesmo morto, obrigado a ler o edital na parede do cartório judicial.
O que determina a norma processual penal?
Prescreve o Artigo 361 do código de processo penal:
Art. 361. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias.
Todavia, contém considerável risco à justiça o disposto art. 366-CPP: Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
Já que não raro aplica-se ao CPP, vale relembrar o comando no art. 252-CPC/15: Quando por duas vezes o Oficial de Justiça houver procurado o citando em seu domicilio ou residência sem o encontrar deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou vizinho... relativo a citação por hora certa.
Destacando algumas expressões contidas nos artigos acima vamos ponderar os seus significados práticos: O que se depreende do artigo 252: - “Verificando” que o “réu” se oculta para não ser citado? Como se dá a aludida “verificação” para certeza da omissão? Será decidida pela capacidade dedutiva do Oficial de Justiça, que inclusive certificará a ocorrência ?
Devemos recordar o que dispõe o art. 239-CPC/15: “para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado (...)” e art. 312-CPC (só produz efeitos depois de citado o réu).
É imperioso no direito penal que toda decisão terminativa seja fundada em certeza, razão pela qual tem vida saudável a máxima do in dúbio pro reo, em que prudentemente previu o Legislador, antevendo e neutralizando qualquer possibilidade de práticas processuais exageradas ou ao arrepio da lei.
Por esta abordagem e embasamento, não parece presente o principio da razoabilidade em condenar por revelia, na esfera cível, ou decretar prisão, na esfera criminal, de pessoa presumidamente inocente (não provado o contrario), meramente porque o Estado não possui mecanismos eficazes para criar um cadastro que lhe permita localizar o destinatário das suas citações e dê por resolvido o impasse citatório, valendo-se de atalho, cuja adoção só supre as suas (Estado) próprias deficiências.
Não existe no ordenamento jurídico brasileiro, lei que mande a pessoa consultar, todos os dias, todos os diários oficiais de todas as unidades da federação, a fim de se certificar se é destinatário de alguma citação por edital.
Imperiosa, ademais, a regra Constitucional disposta no art. 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, “ninguém é obrigado a fazer o que a lei não manda”.
Destarte, soa bastante razoável que ninguém pode sofrer imputações por meio de procedimento contrário a Lei.
Portanto, citação por edital, a citação ficta, que é presumida, não constitui certeza e se revela na prática e perante a Lei, ineficaz.
Elementos passíveis de se revelar constitutivos da incerteza
Não parece lúcido deixar de considerar que o destinatário da citação, pessoa de boa fé, desconhecedora da pretensão litigiosa de outrem contra si, tenha efetivamente mudado de domicilio e, por esta justa razão, deixou de ser encontrada pelo Agente postal ou pelo Doutor Oficial de Justiça para o cumprimento da determinação judicial.
Na mesma direção analítica pode-se deparar com a hipótese de o destinatário da citação não ter sido encontrado pelo Agente postal ou pelo Doutor Oficial de Justiça, no endereço indicado pela parte autora, por se encontrar viajando.
Pode-se ainda inferir, sem que se esteja sofismando ou construindo factóides, que a ausência do destinatário da citação, naquele endereço indicado, procurado pelo Agente postal ou pelo Doutor Oficial de Justiça, se justifique por sua nova condição de “de cujus”.
Não é exagerado avançar, ainda que neste caso especulativamente, para o campo da subjetividade, para considerar a possibilidade de má fé da parte autora de fornecer endereço em que sabidamente o réu ou o acusado jamais seria encontrado, dando-se ensejo, assim, a citação que “de algum modo” favoreceria a outra parte demandante.
Revela-se um empoderamento autoral, vez que a declaração prestada pelo autor é acolhida pelo judiciário e legitima um poder declaratório injustificável em mãos particulares.
Afinal, não há regra jurídica que possa instar, nestas hipóteses, um nacional a consignar perante aos novos ocupantes da sua antiga residência o seu novo domicílio.
Não há vedação de que o nacional que usufrui do direito de ir e vir, possa viajar quando assim desejar.
Além do fato de que a morte cessa a personalidade jurídica e inviabiliza de receber correspondência.
Porquanto, a citação por edital é eficiente para o que se destina do ponto de vista procedimental, porém, ineficaz sob o ponto de vista do resultado útil ao processo, especialmente quando se considera que a assistência jurisdicional apesar da sua importância e de se constituir um direito, ela não se assemelha a uma mercadoria que deva ser entregue a qualquer custo.