Revisitando a sala de chá: reflexões sobre as escritas de Laud Humpheys

RESENHA: HUMPHREYS, L. A transação da sala de chá: sexo impessoal em lugares públicos. In: RILEY, M. W; NELSON, E. E. A observação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.

20/10/2017 às 16:58
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A presente resenha é um breve estudo sobre o excêntrico trabalho científico de Robert Allen ‘Laud’ Humphres que, por preconceito, causou certo alarde na sociedade acadêmica de seu tempo.

RESENHA:

HUMPHREYS, L. A transação da sala de chá: sexo impessoal em lugares públicos. In: RILEY, M. W; NELSON, E. E. A observação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.

Revisitando a sala de chá: reflexões sobre as escritas de Laud Humpheys

                                                                                                 Emerson Benedito Ferreira[1]

Em 16 de outubro de 1930, na cidade de Oklahoma, nasce Robert Allen ‘Laud’ Humphres. Gradua-se em 1952 pela faculdade de Colorado, e é ordenado padre episcopal em 1955, adotando naquela ocasião o nome ‘Laud’. Em 1965, inicia a sua pós-graduação em sociologia pela Universidade de Washington onde deu início a suas pesquisas sobre Sexo Impessoal em Lugares Públicos publicando sequencialmente o livro “The Trade Tearoom”, obra originária de suas pesquisas como acadêmico.

Na verdade, ao que parece, Laud teria tido a ideia da referida pesquisa ao tomar conhecimento que seu pai, falecido em 1953, tinha costume de viajar para Nova Orleans para ter relações sexuais com homens[2]. Então, desta descoberta, surgiu o pesquisador, curioso que estava em tentar entender o que levaria homens, com esposas e filhos, a terem relações homossexuais extraconjugais em locais públicos.

A pesquisa de Humphreys (como veremos) causou certo alarde na sociedade acadêmica, afinal, o pesquisador comprovaria que grande parte dos homens que procuravam sexo casual em locais públicos eram casados, bem sucedidos, bem educados, economicamente estáveis, com certa reputação social e que apenas uma pequena porcentagem deles poderiam ser considerados homossexuais. Não obstante, alguns professores do programa de sociologia considerarem o trabalho realizado por Humphrers inferior, suas pesquisas ao longo do tempo mostraram-se inspiradoras para todos aqueles interessados em pesquisas na seara homossexual.[3]

Humphreys explicita na obra “A transação da sala de chá: sexo impessoal em lugares públicos” (objeto deste estudo) quais os métodos e atitudes que teve que desenvolver para realizar o trabalho de campo que ensejaria sua Dissertação de pós-graduação. Conta o pesquisador que sua experiência pastoral teria lhe dado bagagem para referida pesquisa, pois sempre trabalhou com a temática da homossexualidade. No entanto, teria que trabalhar a sua pesquisa aproximando o campo social com as questões de desvio sexual, temática pouco explorada na sociologia. E ainda, teria que conhecer e infiltrar-se no ambiente a ser pesquisado, não mais como pastor, mas agora como um cientista[4].

Assim, para adentrar no campo, Humphreys se passou por ‘desviante’. Tomando conhecimento dos locais a serem pesquisados, quais sejam, banheiros públicos (Salas de Chá), assumiu o papel de olheiro (watchqueenvoyeur, papel providencial, pois lhe permitiria observar sem ter, no entanto que praticar qualquer ato sexual[5].

Como olheiro, o pesquisador teve a oportunidade de circular pelos ambientes e descobrir algumas características dos atos e atitudes estabelecidas nas ‘Salas de Chá’. A primeira a saltar aos olhos, foi que todas as interações realizadas eram feitas no mais absoluto silêncio, ou seja, “nada é dito” pois o silêncio “serve para garantir a anonimidade, para assegurar a impessoalidade da ligação sexual’[6]. Assim, homens de diferentes características  físicas, raciais, econômicas, se encontravam para um sexo rápido, sem compromisso, sem comprometimento, impessoal, um sexo sem namoro, sem amor e sem sentimento[7]. E como tudo era feito em silêncio, a aproximação entre os agentes era realizada por meio de alguns gestos, ou com as mãos, ou com manipulação do órgão sexual ou sinal com a cabeça, afinal, “quem não está procurando uma relação homossexual não espera: pára, entra, urina e sai[8]”. Humphreys deu ênfase também em como se colocava o pretendente ao sexo. Se ele não deixava ninguém visualizar o seu órgão sexual, era sinal de que não procurava sexo[9].

Assim, os sinais mostravam-se de suma importância. Neste contexto, para sinalizarem interesse, os agentes ativos usavam a estratégia “de manipulação do próprio órgão, no que se poderia chamar de ‘masturbação desinteressada”. Em resposta, o outro que estava presente no mictório, se interessado, também iniciaria “uma automasturbação erótica[10]”.

Nesta caminhada, ao finalizar de sua pesquisa, Humphreys tinha acumulado um registro de 50 encontros com riqueza de detalhes. Agora, após desvendar os locais, os modos em que os encontros se davam, as características de cada relação, restava ao pesquisador descobrir “alguma coisa sobre os homens que enfrentavam tantos riscos por alguns momentos de sexo impessoal”[11].

Das pesquisas, Humphreys fichou cem homens “todos vistos realmente participando de fellatio[12]” e cruzando as informações das placas dos carros, o pesquisador acabou chegando à identidade de cada um. Para entrevistá-los, Humphreys usou uma pesquisa paralela sobre saúde pública e acabou conseguindo entrevistar cerca de 50 homens que participaram das Salas de Chá.

Assim, constatou finalmente a pluralidade de pessoas que buscavam este tipo de sexo, destruindo o estigma de que este tipo de encontro era somente realizado por um reduto estereotipado de determinados homossexuais como fazia crer a sociedade de seu tempo.

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Referências:

HUMPHREYS, L. A transação da sala de chá: sexo impessoal em lugares públicos. In: RILEY, M. W; NELSON, E. E. A observação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.

PERCY, W. A. Laud Humphreys. Disponível em: http://www.williamapercy.com/wiki/index.php?title=Laud_Humphreys. Acesso em: 17 set. 2015.

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[1] Especialista em Direito Educacional e Filosofia da Educação pela FESL, Mestre e Doutorando em Educação (Bolsista CNPq) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

[2] PERCY, 2015.

[3] PERCY, 2015.

[4] HUMPHREYS, 1974, p.156-7.

[5] HUMPHREYS, 1974, p.158.

[6] HUMPHREYS, 1974, p.151.

[7] HUMPHREYS, 1974, p.152.

[8] HUMPHREYS, 1974, p.153.

[9] HUMPHREYS, 1974, p.154.

[10] HUMPHREYS, 1974, p.155.

[11] HUMPHREYS, 1974, p.158.

[12] HUMPHREYS, 1974, p.159.

Sobre o autor
Emerson Benedito Ferreira

Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) pela Universidade de Ribeirão Preto - (UNAERP - 1999). Especialista em Direito Educacional (2009), Filosofia da Educação (2011) e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Faculdade de Educação São Luis de Jaboticabal (FESL; Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) na linha de pesquisa 'Educação, Cultura e Subjetividade'; Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa 'Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária' e participa do grupo de estudos sobre 'a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença' vinculado à UFSCar. Atua principalmente nas seguintes áreas: Estatuto da Criança e Adolescente, História da Infância, Sociologia da Infância, do Desastre e da Diferença. Tem interesse nos estudos sobre a história da infância e da criança, da família, criminalidade infantil, relações étnico-raciais, abolicionismo penal (tendência estrutural historicista de Michel Foucault), patologias forense, história da sexualidade infantil.

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