O DIREITO E AS RELAÇÕES DE PODER NA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

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Esse trabalho tem como objetivo entender como e dividida a sociedade carcerária, no intuito de entender o poder existente na mesma. Pautando, a relação do Direito e População Carcerária da Cadeia Pública na cidade de Sobral- CE.

1.      INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é discutir o tema O Direito e as Relações de Poder na População Carcerária baseada em uma pesquisa realizada na Cadeia Pública da cidade de Sobral - CE, tendo como abordagem principal o convívio dos detentos em meio a uma possível hierarquia. Sendo assim, foi feito uma pesquisa entre os direitos que os detentos possuem e quais destes direitos não estão sendo respeitados.

No intuito de facilitar a compreensão, antes de adentrar no objetivo estabelecido, fez-se uma breve explanação a respeito de aspectos conceituais a cerca do direito e da população carcerária, de forma a construir uma linha de raciocínio da origem até a possibilidade de se atuar, no âmbito do sistema carcerário. Apresentaremos nesta atividade o convívio e as relações de poder a partir de diversas técnicas, por meios de pesquisas e entrevista que nos permitem avaliar a conduta dos detentos na Cadeia Pública da cidade de Sobral-CE. Expondo o Direito, mostrando suas relações e funções, esclarecendo como é na lei, e fora da mesma.

2. O QUE É DIREITO

Segundo o ilustre jurista Miguel Reale:

“As concepções do termo Direito definem-se em um conjunto de regras e preceitos impostos com o objetivo de organizar a vida humana em sociedade, sendo que tais regras são impostas pelo Estado. O Direito também pode ser entendido como uma faculdade ou prerrogativa pertinente a cada indivíduo como sendo algo que se pode exercitar em face de outra pessoa.” (REALE. 2005. P. )

Assim, o Direito surgiu a partir da necessidade da sociedade, pois a mesma precisava de regras e normas para viver em uma sociedade harmônica. Por isso, surgiram as leis, por ter uma relação ou laço de unir e ordenar a população.

Além disso, o Direito apresenta múltiplas formas, abrange um conjunto de disciplinas jurídicas (apenas para o estudo acadêmico). Divide-se primeiramente em Direito Privado e Publico. A relação deste último é ao Estado, e traduz um interesse coletivo. Neste campo o Direito Público, subdivide-se em externo e interno (Direito constitucional, Administrativo, Penal, Processual e Tributário).

Portanto, há três características do Direito na sociedade: retórica, violência e burocracia. Está diretamente ligada com o direito territorial ou Direito Estatal, ou seja, o Estado possui relação com todos os outros, são estes:

*Direito da Produção; (Direito da Fábrica ou da Empresa no interior das mesmas; com ordenamento jurídico próprio)

a) Troca; (Direito do Espaço Comercial do “mercado” com padrões normativos/grupo social; Troca Comercial)

     b) Comunidade; (Bairro/Cidade)

c) Sistemática; (Direito que regula as relações no sistema inter-estatal, ou seja, inter- relações entre estados diferentes, com ordenamentos jurídicos).

(SANTOS. 2000. P. )

As funções do Direito consistem em manter a ordem, promover a paz, criar Leis, para assim poder organizar a população e não haver caos entre os indivíduos, tendo consequência um bem comum e universal, por meio da coercibilidade. Porém, o Direito usa a força em potência, coerção.

Sendo assim, possuindo quatro funções essenciais tais como:

      a) Função de Garantia da Liberdade;

      b) Função de Legitimação do Poder;

      c) Função de Integração;

      d) Função Pacificadora.

Além da relação direta entre direito e sociedade.

a)      Função legislativa

b)     Função Jurídica

c)      Função Executiva

3. POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Nas duas ultimas décadas a População carcerária Brasileira, tornou o Brasil um dos três países do mundo com maior aumento da população carcerária.

O Direito está presente na população carcerária, mas questionam-se a diferença entre o Direito (Estado) e os modos de organizações da população carcerária em relação aos da sociedade. Tendo em vista que o Direito paralelo surge naturalmente na ineficácia do Estado que não garante os meios necessários para a reintegração deste indivíduo e a manutenção de uma vida digna, negando assim, os Direitos Constitucionais e a declaração Universal dos Direitos Humanos.

Para ilustrar o que foi dito acima temos como exemplo o artigo 10 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984). Conforme o artigo traz: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Essa assistência que deve ser feita ao preso é dividida em diferentes formas, como é vista no artigo 11. Artigo 11. A assistência será: I – material II – saúde, III – jurídica IV – educacional, V- social, VI – religiosa. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm)

Contudo, no direito existe a defensoria pública, que tem como atividade principal prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que não podem pagar pelos serviços de um advogado, sendo a defesa dos financeiramente hipossuficientes. Com a função de ajudar a população. Mas que na prática, em determinados casos não funciona com eficácia plena.

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça o número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho de 2012. (http://noticias.uol.com.br/)

Na Cadeia Pública de Sobral um dos maiores motivos da superlotação, é a falta de espaço da PIRES (Penitenciária Industrial Regional de Sobral), e a demora em seus julgamentos, tornando assim o acúmulo de detentos.

Foi presenciado, que há uma diferença em relação à recepção do bloco masculino, versos o bloco feminino. Foi mais fácil o diálogo com os homens do que com as mulheres.

De acordo com os presidiários todo bloco há uma regra. No bloco A (masculino) a regra é clara, existe a Lei do respeito. Esta funciona tanto com os presos como com as visitas, e quem desobedecer terá alguma punição; por exemplo, “quem tem esposa e a mesma for visitar seu companheiro os outros detentos não podem olhar para ela”. Diz um detento.

Por conta dessa regra, eles se mostraram educados e acolhedores. Comentam que a rotina é: 07h00min- café da manhã, 07h30min- as celas são abertas, 10h30min as 11h00min – almoço, 16h00min- voltam para as celas, 16h30- jantam; 20min em 20min – água.

Os mesmos nos informaram que há mais jovens presos, e muitos que saem, com um determinado tempo acabam voltando. Os delitos mais cometidos são; furto (Art. 155, CC); roubo (Art. 157, CC); tráfico (Art. 33, CAPUT, da Lei 11.343/06) e Maria da Penha (Lei 11.340/06).

Quanto á divisão dos detentos é notório a “soberania” do Direito paralelo em relação ao Estado, os blocos são divididos por bairros (Devido o índice de rivalidade das “gangues”). No bloco A, por exemplo, eram os bairros COHAB I, SUMARÉ e SINHA SABÓIA.

Há três blocos; A e B (Masculinos); C (Feminino). Entretanto cada cela foi estruturada para alojar seis detentos, mas, aproximadamente oito a dez detentos residem em cada cela, o mesmo acontece no bloco C com capacidade de três detentas, mas abriga mais que o dobro em cada cela. É necessário levar em conta que diante dessa realidade a única sala de estudo existente foi transformada em dormitório.

Logo, também existe a PIRES (Penitenciária Industrial Regional de Sobral). Mas o seu sistema de visita é muito burocrático. Entretanto, havia um detento na Cadeia Pública de Sobral, que já esteve na PIRES e relataram os benefícios e os malefícios de ambas as prisões. Enquanto na Cadeia eles podem ver o céu e uma imensa mata. Na PIRES era totalmente cercada de muros. Em relação à alimentação, não há muita diferença; mas na saúde (médicos, dentistas ou até mesmo medicamentos) a Cadeia Pública é mais eficaz. Quanto ao regimento, a PIRES é mais ativa. Na mesma há um “bônus”, pois existe a Pernoite, ou seja, em datas comemorativas como, dia das mães, dia do presidiário (18 de Setembro no CE), ou final de ano, o detento tem o benefício de passar a noite com sua companheira.

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Além disso, entrevistamos um ex- presidiário chamado Pedro Pereira, que foi preso em 1989. Relata-nos o período em que esteve preso, ressaltando o seu ponto de vista da época e da atualidade, e reintegração na sociedade, pois o mesmo se encontra com 44 anos de idade, trabalha com carteira assinada, ele relata os passos dados a sua nova vida.

Ao dialogar com Pedro Pereira ex- detento, atualmente funcionário público, afirmou que aos 18 anos de idade, se envolveu em uma discussão. Um homem o ameaçou de agredi-lo na face o que para ele seria uma desonra, por isso, ele deu uma facada nas nádegas, como foi pego em flagrante passou três meses na Cadeia Pública de Sobral. E afirma “Foram os piores e os mais longos meses da minha vida”.

 Afirma também: “Dentro da prisão existe a Lei do mais forte, por exemplo, o matador tem um domínio sobre os outros detentos, assim aquele que não tiver uma relação com o mais forte sofre na penitenciária, pois os mesmos lavam cuecas dos outros, colocam água nos baldes e ainda dormem perto do banheiro. Graças a Deus eu nunca precisei passar por isso, nunca comi a alimentação que ofereciam, porque hoje, comparado na minha época, à comida melhorou muito. Numa cela que cabia cinco pessoas, Havia dezoito, nossos colchões eram jornais no chão. Lá quem mata mulher, estupra mulher e crianças, não tinha vez. Entrei em depressão quando presenciei a morte de um companheiro de cela. Ele tinha apenas 19 anos, mas morreu como homem. Após isso, não conseguia mais dormir, imaginei que eu seria o próximo, pois eu era o mais novo, o guarda presenciou tudo e só reagiu quando ele já estava sem vida. Quando saí daquele lugar, eu disse pra mim mesmo que não iria mais voltar, porque eu vi que aquilo não era lugar pra homem. Pra mim, ainda existe a criminalidade por causa das drogas, isso não existe dúvidas. Só tinha jeito se acabasse a droga e é difícil acabar, pois quem manda, é o dinheiro e a corrupção. Hoje em dia eles voltam porque eles gostam, só pode, porque hoje, tem mulher para visitar, tem segurança, só briga se quiser, porque os blocos são separados um do outro, porque na minha época era todo mundo junto, por isso que tinha briga todo dia. Fora, que eles têm comida, água, ainda tem droga. É isso eu acho, da minha época pra cá, nesses vinte cinto anos mudou muito, hoje as coisas são menos rígidas que antes. Esses jovens precisam de ajuda, falta respeito... Mesmo preso, nunca deixei de ser HOMEM”.

(Entrevista realizada no dia 27/06/2013 com Pedro Pereira)

4. CONCLUSÃO

 Mediante a análise teórica e os aspectos levantados sobre Direito e População Carcerária, juntamente com a sociedade, que foi apresentado ao longo desta pesquisa. Conseguiu-se demonstrar atividades relacionadas com o sistema carcerário e a visão do poder presente na sociedade carcerária.

Tendo em vista que a população carcerária é privada dos meios necessários para a reintegração, por isso grande é numero de reincidência, foi encontrado um Direito, que na pratica não garanti a ressocialização e nem a dignidade, aos detentos. Assim, nasce dentro da sociedade carcerária Um “DIREITO PARALELO” que tem os crimes cometidos como termômetro do grau de autoridade a ser dada a cada indivíduo em relação aos outros detentos, que diante do abandono e insegurança gerada pelo Estado encontram na submissão ao mais “forte” a única alternativa de viver em sociedade.

 Assim, as relações de poder na população carcerária encontram-se presente.

REFERÊNCIAS:

·                    Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, 11 de julho de 1984) Contéudo disponibilizado as 15h19min no dia 20 de novembro de 2013 pelo endereço eletrônico da Presidência da República: (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm).

·                    REALE, Miguel. Livro Lições Preliminares do Direito. São Paulo, 2005. Edição: 27. Editora: Saraiva.

·                    SANTOS Boaventura. A Crítica e da Razão Indolente: Contra o desperdício da Experiência. Volume 02. São Paulo, 2000.

Sobre os autores
Fernando Antônio Ribeiro Júnior

Estudante de direito na Faculdade Luciano Feijão- Sobral Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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