A Carta de 1988 brasileira, cuja carinhosamente chamada por Constituição Cidadã, veio, em meio à crise política pós-era ditatorial, para solucionar os problemas sociais brasileiros e dirigir uma sociedade complexa. Nesta Lei Maior contém diversas pautas prioritárias a serem concretizadas pelo Poder Público, por isso muitas vezes doutrinadores a define como normativa, dirigente, programática. Tal postura do Constituinte dá-se com o intuito de resguardar essas garantias dentro do cerne da legalidade, da oportunidade de que sejam reclamados se não se concretizar de ofício pela via pública, além de proteger diante de eventuais circunstâncias que possa vir a afligi-los, nas palavras do professor Sarlet (2015, 66):
Nesse contexto, cumpre salientar que o procedimento analítico do Constituinte revela certa desconfiança em relação ao legislador infraconstitucional, além de demonstrar a intenção de salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas contra uma eventual erosão ou supressão pelos Poderes constituídos.
Os direitos fundamentais são elencados ao grau hierárquico primordial dentro da organização legislativa do país. Qualquer lei que não trouxer fiel observância a dados princípios, restringindo-os desarrazoável, desproporcionalmente, ou em quaisquer casos esvaziando seu conteúdo, promovendo o regresso social, contrariando o Interesse Coletivo, ferindo as conquistas; tão logo o controle de constitucionalidade poderá ser acionado para que se retire tal norma do ordenamento jurídico. Daí infere-se o próprio texto da Carta Magna não estabelecer um rol taxativo de direitos previstos, ou seja, denota-se tratar de direitos fundamentais formais, meramente, pois encaixam-se na categoria de princípios dentro da teoria neoconstitucionalista.
Muito em voga atualmente, o artigo 5º da CRFB/88 em seu inciso IX roga o seguinte: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
“...é a liberdade de dizer o que os outros não querem ouvir” – George Orwell na obra 1984!
Âmbito de Proteção
O âmbito de proteção compreende as condutas humanas, não existindo a possibilidade de proteger o bem em si mesmo, dado a limitação natural, portanto texto para ser normativo deve se ater à realidade. No tocante à liberdade de expressão, por seu conceito ser bem aberto, não resta claro qual conduta é amparada, abarcando qualquer conduta que demonstre o pensamento (escritas, não-escritas, verbais, não-verbais).
Na Alemanha artistas entravam em trens para fazer críticas ao governo com mímicas. Na tentativa de proibir, a Corte Constitucional interviu à investida governamental porquanto tratava-se de uma conduta protelada pelo princípio fundamental, por ser uma forma de se expressar politicamente, exímio para a atividade democrática e própria de uma sociedade complexa e diversificada.
Além dessa acolhida às manifestações de fato, entende-se que há, igualmente, de se resguardar a manifestação de valor, própria do exercício do jornalista, onde o que este disser não poderá vir a ser considerado certo ou errado pela via legal.
Quanto mais a sociedade se esclarece, mais percebe o jornalismo tendencioso, interessado, mas as vezes passa batido pela falta de formação/informação técnica. Ademais nunca se verá um jornalista dizer: “estou fazendo um juízo de valor”, ou “estou fazendo um juízo de fato”, mas frisa-se que estão protegidos, mesmo que sendo moralmente repreensível. Diz-se isto, pelo fato de ser costumeiro o noticiário anunciar um caso processual penal, a título de exemplo, e descamar o acusado/réu, como se estivesse fazendo juízo de fato quando na verdade trata-se de juízo de valor.
Pode até soar questionável agora o por que de tal princípio proteger atitudes que por vezes chegam a ser atrozes, mas acontece que se o mesmo apenas viesse a proteger divulgação de juízos de fato, tal princípio seria inútil, pois expressão verdadeira é a que vem de dentro. E no mais excessos são analisados caso a caso, incitação à condutas tortas poderão responsabilizar tranquilamente quem as proferiu, a linha entre o exercício do direito e da prática de crime é bastante tênue. No HC assim proferiu Celso de Mello: “Aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um”.
Âmbito de Regulação
A liberdade de expressão surgiu para auxiliar na divulgação de ideias, a fim de estimular a integração cultural no meio social. É então de interesse público, jamais podendo ser invocado em circunstâncias do direito privado, a título de exemplo, um jornalista não pode usar de tal artifício para não noticiar uma matéria e se proteger, com isso, de uma consequente demissão com justa-causa.
Âmbito subjetivo
A titularidade diz-se universal, pertencente a toda população, inclusive estrangeiros. Também se destina ao Estado, mas naturalmente, nos casos concretos, acaba se destinando ao particular que deverá respeitar ao direito de outrem.
Restrições
Art. 5º IV: “é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”.
À cada um que invocar tal princípio para proferir o que pensa, o dever de respeitar a cultura brasileira, o axioma do povo, além das conquistas históricas. O agente se responsabilizará pelos dizeres e na situação concreta, onde se analisará as circunstâncias em que se deu, a exemplo num calor de debate político, e se diretamente veio a causar algum dano, extrapolando do campo de proteção.
Art. 5º V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem.”.
Não apenas uma restrição à liberdade de expressão, este dispositivo igualmente a suporta. Acontece que restringido a liberdade de um indivíduo, o outro a exerce, apenas com intuitos diferentes.
Art. 5º X – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Entra em campo o exercício da ponderação, ao se chocar com outros princípios, um deverá ser restringido em detrimento do outro a depender de cada situação, a não ser que já haja reserva disposta em lei, o que é o caso
Art. 5º XIII – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”.
Aí entra também a questão da previsão em lei da exigência de requisitos para se proferir determinados pensamentos em determinados lugares, haja dito que se revestirão de autoridade perante a outras pessoas que assistirá dada apresentação. É uma proteção aos ouvintes.
Art. 5° XIV –“ é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”.
É natural que em situações caóticas, a depender do conteúdo da informação, possa haver naturalmente desejo de retalia por parte de quem fora atingido. É uma antecipação bem óbvia à historicidade brasileira.
Trata-se de estímulo ao exercício da tolerância, onde numa realidade cada vez mais diversificada, mais crescimento cultural pode se ter, se a cada indivíduo couber a devida assistência jurídica, tão respeitada em nosso século. Respeitada a ponto de o indivíduo torpe pretender burlá-la, vez que sabe não haver como tão simplesmente ignorá-la. Para sedimentar a vontade constitucionalista:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1o Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5o, IV, V, X, XIII e XIV.
Logo a Constituição Cidadã não é um complexo de regramentos autônomos, ao inverso disto, consiste sim em um ordenamento sistemático próprio de uma sociedade complexa.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (88). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 27 out 2017.
GUEDES, Néviton de Oliveira Batista. Aulas Curso Especialização em Direito Constitucional. IDP. Brasília: 2017.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12 ed. ver. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015
STRIEDER, Daniela. Quadro sistemático da Liberdade de Expressão feito pela colega de classe nas aulas do prof. Nevton. IDP. Brasília: 2017.