A (in) constitucionalidade do art. 611-A da “Reforma Trabalhista” dentro da perspectiva do Princípio da Legalidade

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Objetivo de pesquisa o art. 611-A da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, conhecidamente como Reforma Trabalhista, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), analisando-se assim, se o artigo 611-A afrontava o Princípio da Legalidade e a CF.

INTRODUÇÃO

A Supremacia da Constituição frente ao ordenamento jurídico

A constituição, também conhecida como Lei Maior, Carta Magna, entre outras denominações, pode ser compreendida como um conjunto de normas e princípios jurídicos a que todos devem se submeter, inclusive o próprio Estado, ou seja, a Constituição de um Estado apresenta as regras que devem ser seguidas por todos. O Estado de Direito, termo tão utilizado no meio jurídico, traz em seu significado de forma sintetizada, essa submissão obrigatória de todos aos ditames do ordenamento jurídico vigente.

Para José Afonso da Silva, Constituição é ”um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma de Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. ”

As constituições quanto a sua alteração podem se apresentar como imutáveis, rígidas, semirrígidas ou flexíveis. Na nossa constituição temos um modelo que se aproxima das características das constituições rígidas, onde as normas constitucionais só podem ser alvo de alterações se passarem por procedimentos mais rigorosos do que aqueles adotados para alterações das demais normas infraconstitucionais. No modelo em análise, baseado no escalonamento normativo proposto por Hans Kelsen, a Constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, sendo ela o fundamento de validade para a produção normativa infraconstitucional, ou seja, nenhuma outra norma tem validade se ferir a Constituição. Como consequência desse modelo hierarquizado, podemos falar da supremacia das normas constitucionais em face das demais leis do ordenamento jurídico.

Um sistema jurídico dotado de supremacia constitucional apresenta equivalência em suas normas, independente do seu conteúdo, bem como uma supremacia formal em relação às demais normas infraconstitucionais.

Em contraposição, um Estado que adota uma constituição do tipo flexível, onde não se pode mais falar em supremacia formal desta Constituição, porque nesse modelo temos os processos legislativos de elaboração das normas constitucionais e das leis infraconstitucionais seguindo o mesmo trâmite, apresentando uma facilidade maior na alteração das normas Constitucionais, nesse caso podemos falar em supremacia material das normas constitucionais, devido à importância da matéria.

A tese da supremacia constitucional está intimamente ligada às ideias defendidas por Konrad Hesse, na sua obra “A Força Normativa da Constituição”, que contradizem as ideias defendidas por Ferdinand Lassalle.

Lassalle negava a força normativa da Constituição jurídica (escrita e formal), negando assim, sua supremacia formal, pois no seu entender a Constituição é formada pelos seus fatores reais de poder, podendo ser conceituada como as relações de poder militar, social, econômico e intelectual. Ou seja, a Constituição real seria formada pelos fatores reais, enquanto a jurídica seria apenas um pedaço de papel limitada por esses fatores reais do poder.

Em contraposição, para Hesse, os fatores reais do poder não limitariam a Constituição jurídica, pois essa Constituição tem força para condicionar a realidade política e social de um Estado, sendo por ele denominado de “Força Normativa da Constituição”.

Para a Doutrina o principio da força normativa da constituição é um dos princípios basilares na interpretação do texto constitucional, sendo considerado um preceito vinculado a própria soberania da Carta Magna, como Lei Fundamental do Estado que deve ser seguida e respeitada por todo o resto do ordenamento jurídico.

Conforme Konrad Hesse “Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa. ”

Outro importante princípio que tem várias semelhanças com o principio anteriormente estudado, é o da supremacia da Constituição. A hierarquia formal existente entre as normas constitucionais e infraconstitucionais só é observada nas Constituições escritas rígidas, ou seja, a validade de uma norma fica condicionada a concordância com os ditames ou prescrições da Constituição. Essa relação de superioridade entre as normas não existe nas Constituições flexíveis, pois as normas estão no mesmo nível hierárquico, não existindo a supremacia do texto constitucional em face das demais normas.

Vale ressaltar que, no aspecto prático, o controle de constitucionalidade só se apresenta nas Constituições escritas rígidas, não sendo possível sua ocorrência nas Constituições flexíveis, devido a ausência de hierarquia entre as normas constitucionais e infraconstitucionais.

Por supremacia da constituição, segundo José Afonso da Silva, entende-se que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país [...] e que todos os poderes estatais só são legítimos na medida em que ela, a Constituição, os reconheça e seja por ela distribuídos.

No nosso país a compatibilização constitucional ocorre, através da verificação do principio da supremacia da Lei Fundamental, e quando necessário aplica-se o controle de constitucionalidade, pois há supremacia no texto constitucional.

 

A distinção entre os conceitos de princípio e regra na visão de Dworking e Alexy

 

Iremos analisar essa distinção na visão de Dworkin, para isso se faz necessário contextualizar sua posição em relação ao positivismo, pois esse é o ponto de partida por meio do qual Dworkin estabelece os principais pontos distintivos entre princípio e regra.

Antes de iniciarmos, é necessário fazermos uma reflexão sobre a visão de Dworkin sobre o ordenamento jurídico, onde para ele a integridade exerce papel central, por meio de respostas corretas o autor “parte do pressuposto que todo caso possui uma resposta correta (right answer), o que garante Integridade ao sistema jurídico. ” (GALUPPO, 1999, p. 198). Essa noção de resposta correta “como um modelo ou como um norte para a atividade do juiz, pois seria necessário um trabalho sobre-humano para se chegar a ela. ” (GALUPPO, 1999, p. 198) 

A introdução da figura do Juiz Hércules, que na nossa interpretação está mais ligado a uma função interpretativa do que mesmo um modelo de magistrado, onde o próprio Dworkin se refere ao Juiz como uma metáfora, sendo de fácil compreensão na análise feita por Galuppo nos termos abaixo:

Por isso ele imagina que essa resposta correta poderia ser alcançada por um juiz Hércules (DWORKIN, 1978, p. 105) mesmo nos casos difíceis (hard cases), ou seja aqueles em que nenhuma regra estabelecida dita uma decisão, seja num sentido, seja em outro (DWORKIN, 1978, p. 83). (GALUPPO, 1999, p. 198)

Dworkin defende que a resposta também deve existir mesmo nos hard cases, ou seja, deverá existir resposta correta nos casos nos quais as regras não determinem uma única resposta (DWORKIN, 2001). Logo a resposta única deve ser determinada pela junção coerente do ordenamento jurídico, como bem demonstra Cezne: 


Pode se dizer que, para Dworkin, o sistema de princípios deve permitir que exista uma resposta correta também nos casos em que as regras não determinam uma única resposta. Desta forma, a única resposta correta seria aquela que melhor se justificar em termos de uma teoria substantiva, que tenha como elementos os princípios e as ponderações de princípios que melhor correspondam à Constituição, às regras do Direito e aos precedentes. (CEZNE, 2000, p. 53)

 

Dworkin defende que “o positivismo é um modelo para um sistema de regras” (CEZNE, 2000, p. 52) onde através dessa concepção dos positivistas ele elabora o seu conceito de princípios jurídicos, vale ressaltar que devido a posição dos positivistas e “sua noção central de uma única fonte de direito legislativa que obriga os juristas a perderem o importante papel desses padrões que não são regras. ” (CEZNE, 200, p. 52)

Nesse sentido afirma o próprio Dworkin:

O positivismo, quero sustentar, é um modelo de e para um sistema de regras, e sua noção central de um teste fundamental único para o direito conduz-nos a perder a importante função destes padrões (princípios e diretrizes políticas) que não são regras. (DWORKIN, 2001, p. 127)

Assim para Dworkin os princípios são padrões diferentes das regras visto que “com frequência usarei o termo princípio genericamente para referir à totalidade destes padrões diferentes das regras. ” (DWORKIN, 2001, p. 127)

A denominação princípio está relacionado a um padrão que deve ser observado não porque ele atingirá ou mesmo avançará um estado econômico, politico ou social altamente desejável, mas porque ele é uma exigência de justiça ou equidade ou de alguma outra dimensão de moralidade. (DWORKIN, 2001, p. 127/128)

Utilizando os denominados hard cases para explanar o papel dos princípios, onde as diferenças dos padrões normativos são mais evidentes, Dworkin traz a seguinte afirmação:

Nos citados casos, princípios desempenham uma parte essencial nos argumentos acerca de direitos e obrigações jurídicas particulares. Depois de decidido, podemos dizer que o caso é uma regra particular (e.g., a regra de que aquele que assassina não está capacitado a ser herdeiro da vítima). A regra, todavia, não existe antes que o caso tenha sido decidido. As cortes citam os princípios como justificação para adotar e aplicar uma nova regra. (DWORKIN, 2001, p. 136)

Dworkin tenta trazer a compreensão das diferenças existentes entre as regras e os princípios. Em uma primeira diferença temos a aplicação das normas vez que “a diferença entre princípios legais e regras jurídicas é uma distinção lógica” (DWORKIN, 2001, p.130). Quanto ao âmbito da aplicação podemos enunciar uma diferença:

“Regras são aplicáveis em um modo de tudo-ou-nada. Se os fatos que uma regra enuncia ocorrem, então a regra é válida, em cujo caso a resposta que proporciona deve ser aceita, ou ela não é válida, em cujo caso ela não contribui em nada para a decisão. ” (DWORKIN, 2001, p. 130).

Com ênfase nas diferenças, afirma que “princípios tem uma dimensão que as regras não possuem – a dimensão de peso ou importância. “ (DWORKIN, 2001, p.130). Quando ocorre um conflito entre princípios, diferentemente do conflito de regras, temos:

“Quando princípios concorrem entre si (a política de proteção dos consumidores de automóvel concorrendo com princípio de liberdade de contratar, por exemplo), aquele a quem incumbe resolver o conflito deve tomar em consideração o peso relativo de ambos. Não se pode ter aqui uma mensuração exata, e o juízo de que um princípio ou política particular é mais importante que outra será frequentemente uma decisão controversa. Não obstante, é um constituinte da noção de princípio que ele tenha essa dimensão, que seja relevante perguntar o quão importante ou qual peso ele possui. ” .(DWORKIN, 2001, p.133).

Quando estudamos o conflito de regras, Dworkin deixa claro que a resolução para esse caso se dá no plano da validade, “se duas regras conflitam, uma delas não pode ser uma regra válida. ” (DWORKIN, 2001, p.134).

O autor defende a possibilidade do surgimento de uma exceção, que traria a possibilidade de existirem as duas regras conflitantes no ordenamento jurídico, pois toda regra pode ter exceções, fica nítido na seguinte afirmação:

“Entretanto, um enunciado preciso da regra levaria esta exceção em consideração, e aquele que não o fizesse estaria incompleto. Se a lista de exceções é muito extensa, seria muito prolixo repeti-las toda vez que a regra é citada. Não há razão, entretanto, ao menos em teoria, que impeça de serem acrescentadas, e quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra”. (DWORKIN, 2001, p. 131).

Com o intuito de trazer uma maior clareza a diferenciação em estudo, iremos estudar a posição de Alexy para a distinção entre princípios e regras.

As proposições de Dworkin tem uma forte influência na teoria de Alexy, já referenciado por outros estudiosos como: “a teoria dos princípios de Dworkin é o ponto principal que aproxima o pensamento de Alexy ao dele. ” (CEZNE, 2000, p. 54).

Alexy aceita a distinção entre princípio e regra de Dworkin, partindo do enunciado dessa teoria ele tenta sofisticá-la, para Alexy é muito importante a distinção entre normas do tipo regra, e normas do tipo princípio, considerando-a como um marco de uma teoria normativa dos direitos fundamentais, e um ponto de partida para responder à pergunta acerca das possibilidades e limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. (CEZNE, 2000, p. 54).

Alexy defende que “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. ” (ALEXY, 2008, p. 90) e que os princípios se caracterizam como mandados de otimização, “Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicos é determinado pelos princípios e regras colidentes. (ALEXY, 2008, p. 90)

Em relação às regras o autor defende que como normas elas são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas, afirmando que:

“Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau”. (ALEXY, 2008, p. 91)

Nos casos onde ocorram conflitos entre regras deve ser inserida “em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida. ” (ALEXY, 2008, p. 92). Há ocorrência do conflito fica caracterizada quando existem duas regras aplicáveis ao mesmo caso apresentam soluções contrárias e não seja possível a existência de clausula de exceção, veja o que Alexy defende:

Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida. (ALEXY, 2008, p. 92) 

Alexy esclarece que “ao contrário do que ocorre com o conceito de validade social ou importância da norma, o conceito de validade jurídica não é graduável. Ou uma norma é válida, ou não é.” (ALEXY, 2008, p. 92). Assim se “uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa que também sua consequência jurídica é válida. ” (ALEXY, 2008, p. 92) 

Nesse ponto encontramos uma divergência entre os posicionamentos de Dworkin e Alexy, pois Dworkin entende que as cláusulas são teoricamente enumeráveis, enquanto que para Alexy “nunca é possível ter certeza de que, em um novo caso, não será necessária a introdução de uma nova cláusula de exceção. ” p. (ALEXY, 2008, p. 104). Deve-se ressaltar que o caráter prima facie das regras é excepcional, somente ocorrendo quando justificável a abertura de uma exceção, pois normalmente traduzem-se por razões definitivas”. (CEZNE, 2000, p. 56) 

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Quando a colisão é entre princípios Alexy defende que existem diversos modos de solução, nesse ponto ele utiliza do conceito da precedência condicionada, que nada mais é do que um dos princípios ceder em face do outro que colidiu:

“Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá de ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face de outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta”. (ALEXY, 2008, p. 93/94) 

A noção de precedência condicionada de Alexy está atrelada ao fato de se considerar no caso concreto pesos diferentes para os princípios, onde o que apresentar um peso maior deve ser considerado. (ALEXY, 2008) Daí nasce uma diferença decisiva vez que ”conflito entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios - visto que só princípios válidos podem colidir - ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso. ” (ALEXY, 2008, p. 93/94)

Vamos utilizar a lição de Galuppo para reforça a distinção entre a solução de conflitos entre princípios e a solução de conflitos entre regras, pois elas se dão em diferentes dimensões:

“Exatamente por isso a solução do conflito entre princípios difere da solução do conflito entre regras: é que este último tem existência em abstrato, enquanto o conflito entre princípios só tem existência, e, portanto, solução, no caso concreto”. (GALUPPO, 1999, p. 193) 

Alexy defende que a diferenciação entre regras e princípios deve ser entendida como que as “(...) normas podem ser distinguidas em regras e princípios e que entre ambos não existe apenas uma diferença de grau, mas uma diferença qualitativa” (ALEXY, 2008, p.90) com isso, trazendo uma valorização do princípio jurídico como realizador dos direitos fundamentais.

Função dos princípios e das regras no ordenamento jurídico

Princípios são, segundo Miguel Reale, “verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.

 Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “

Princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmonioso”.

Arnaldo Sussekind, apoiado nas lições de Alfredo Ruprecht, lembra que os princípios: 

1) tem o caráter de preceitos jurídicos que podem ser aplicados por autoridade judicial; 2) têm caráter normativo, pois se aplicam a situações de fato e de direito; 3) são eles os preceitos que sustentam e tipificam o Direito do Trabalho; 4) orientam a interpretação da lei e solucionam situações de dúvida ou não previstas; 5) dão unidade e confiança à disciplina.

Os princípios no ordenamento jurídico apresentam diversas funções, iremos destacar as principais baseadas na sua relevância.

Começaremos pela função informadora que tem a missão de inspirar e orientar o legislador, dando embasamento a criação dos preceitos legais, e em um segundo momento ele atua como um auxilio ao interprete da norma jurídica positivada. Podemos falar também dentro do contexto anterior da função integrativa, que seria um instrumento de integração das normas jurídicas, como por exemplo, nas lacunas da lei.

Ele atua na função normativa de forma supletiva onde a lei deixa suas omissões e lacunas, nos casos onde inexistem outras normas jurídicas para servir de base ao interprete os princípios podem ser utilizados.

Temos a função interpretativa que é a utilização dos princípios como fonte subsidiaria de interpretação de certa norma jurídica pelos aplicadores da lei em determinado caso concreto.

Existem também os princípios com a função construtora que pode ser entendida como a construção do ordenamento jurídico, bem como a orientação que deve ser seguido pelas normas.

Sobre a função e graduação dos princípios gerais do direito Miguel Reale dispõe brilhantemente o seguinte:

“Ao estudarmos os processos de aplicação e integração do Direito, já vimos que a analogia, em essência, consiste no preenchimento da lacuna verificada na lei, graças a um raciocínio fundado em razões de similitude, ou seja, na correspondência entre certas notas características do caso regulado e as daquele que não o é”.

Ora, o apelo à analogia não impede que recorramos, concomitantemente, aos costumes e aos princípios gerais mesmo porque todo o raciocínio analógico pressupõe a apontada correspondência entre duas modalidades do real postas em confronto (analogia entis) e conduz naturalmente ao plano dos princípios. Quando mais não seja, estes reforçam as aduzidas razões de similitude e dão objetividade à sempre delicada aplicação do processo analógico.

Nosso sistema jurídico brasileiro os princípios não apresentam a função retificadora ou corretiva da lei, devido a possibilidade de aplica-los somente nos casos de lacuna da lei. A principal finalidade dos princípios é a de integração da lei, se há no ordenamento jurídico norma legal para determinado caso, seja ela convencional ou contratual, não se deve aplicar os princípios.

O último recurso a ser utilizado pelo interprete da lei para solução de determinado caso concreto será o dos princípios. Podemos dizer que os princípios são fontes secundárias para aplicação da norma jurídica, essenciais na elaboração das leis e na aplicação do direito, complementando as lacunas da lei.

Silvio de Salvo Venosa, que anteriormente creditou ao princípio sua função meramente normativa, posteriormente releva a sua importância ao afirmar que: “Por meio dos princípios, o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico. ”

Além disso, no tocante à sua importância e função, acrescenta que: “(...) de início é fundamental ressaltar sua importância, reconhecida pelo próprio legislador não só como fonte material, mas também como inspiração para as fontes materiais, para sua atividade legislativa. ”

Maria Helena Diniz não descarta a função dos princípios como fonte jurídica ao afirmar que: 

“(...) eles suprem a deficiência da ordem jurídica, possibilitando a adoção de princípios gerais de direito, que, às vezes, são cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico”.

Agora vamos analisar o contexto das regras no nosso ordenamento jurídico, podemos dizer que as regras são criadas para aplicação posterior, mas que devem ser aplicados após um trabalho de interpretação, baseado na aplicação dos princípios.

Veja o que dispões Ávila sobre as regras:

Regras são “normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual de fatos”. (AVILA, 2005, p. 70).

Entenda que o grau de determinabilidade é que vai demonstrar a força da norma, deve-se buscar a subsunção do fato a regra.

Mas qual seria o real sentido da regra imposta no ordenamento jurídico? Podemos perceber que as regras têm como fundamento principal a intenção de dirimir conflitos de interesses, sejam eles existentes ou futuros.

Apesar de o nosso ordenamento jurídico apresentar opiniões que sustentam que a regra deve ter sua aplicação do modo “tudo ou nada”, defendido por Dworkin, e da impossibilidade de ponderação das regras, conforme a teoria de Alexy, não existe nenhum impedimento que as regras possam e devam ser ponderadas, isto é, desvencilhadas do rigor legalista.

O Princípio da legalidade e suas nuances

O dispositivo constitucional que apregoa o princípio da legalidade é encontrado no art. 5º, II da CF/88, que diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, com origem, no ordenamento jurídico brasileiro, na primeira Constituição, de 1824, e nas demais Constituições brasileiras, com exceção apenas da Constituição de 1937.

Observa-se que a maioria das Constituições do nosso ordenamento seguiram a mesma premissa, sendo, a inserção do princípio da legalidade como proteção da sociedade e ao mesmo tempo uma limitação do poder do soberano.

Mas vale lembrar, inicialmente, que o princípio da legalidade é intrínseco ao Estado de Direito, que significa que o Estado é regido pelo império das leis como vontade da soberania popular. Assim, em um Estado de Direito não apenas a sociedade se submete as leis, como também o próprio Estado, evitando que este cometa abusos quanto aos direitos de seus cidadãos.

Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece bem essa ligação do Estado de Direito e o princípio da legalidade, em suas palavras:

“Enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria”.

Essa ideia de "Império da Lei” tem sua origem nas aspirações burguesas, especificamente na Revolução Francesa, tendo como fonte intelectual as ideias iluministas de Rousseau, cujo pensamento transformador para época, pregava que a lei era norma geral e expressão da vontade geral. Assim, essa generalidade de Rousseau, tanto do objeto quanto da origem, e a sua valoração de que a lei era o instrumento basilar de proteção dos direitos da sociedade, permitiu, nessa fase inicial, assentar um avançado pensamento, quanto ao conceito de lei para aquele momento do Estado Liberal, sendo depositado no art. 5º da Declaração de Direitos de 1789: “A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser forçado a fazer o que ela não ordena”.

Voltando-se ao contexto jurídico brasileiro, encontramos como fonte inaugural do princípio da legalidade a Constituição de 1824, que, influenciada pelo pensamento liberal de Benjamin Constant, que dizia que o “direito de cada um a não se submeter senão à lei", foi a primeira ferramenta jurídica que assegurou o compromisso com a legalidade.

Ao longo da história das Constituições brasileiras, o princípio da legalidade foi incorporado nesses textos, traduzindo, dentro de uma visão moderna, que a lei era o único instrumento que efetivamente poderia proteger as liberdades individuais e permitir a manutenção de um verdadeiro Estado de Direito, distinguindo-se assim, do Estado Absolutista, pois, o princípio da legalidade contraria qualquer modelo de governo autoritário, com pretensões egoístas e que deseja apenas transferir para sociedade a identidade do soberano.

Para além do contexto histórico, observar-se que a atual Constituição espalhou com mais amplitude o princípio da legalidade dentro do seu texto, é transparente que, o legislador originário tinha o objetivo de alcançar o real sentido do princípio, sendo, o da proteção do cidadão frente a arbitrariedade do Estado. Assim, conforme CF/88, alguns exemplos:

Art. 5º (...) XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Claramente visível que a Constituição de 1988 delimitou que não há poder acima nem a margem da lei, pois o princípio da legalidade é o sustentáculo do Estado de Direito contemporâneo. 

Para Celso Bastos e Ives Gandra Martins,

“O princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei, pois como já afirmava Aristóteles, “a paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a lei”

Outro ponto importante e que está posto notoriamente na Constituição de 1988 é a relação intrínseca do princípio da reserva legal com o princípio da legalidade, lógico que, são princípios diferentes, mas dentro de uma análise mais atenta, o princípio da legalidade, que é mais amplo, abraça o princípio da reserva legal, dando assim, mais valoração à legalidade.

O princípio da legalidade significa a submissão e o respeito à lei e o da reserva legal delibera que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal. Não que um seja gênero e o outro espécie, mas é inegável a familiaridade desses dois princípios, que, na realidade, o objetivo final é a proteção da sociedade. Assim, o que a CF/88 garante é que ninguém pode deixar desfazer ou ser obrigado a fazer alguma coisa, senão porque a lei o obriga.

Mas é preciso ter uma compreensão um pouco além dessas determinações principiológicas, pois, quando a Constituição Federal estabelece esses princípios protetivos, a Carta Magna, na realidade, quer mostrar ao legislador derivado que todo o ordenamento jurídico deve se curvar aos ditames constitucionais estabelecidos, pois o Estado Legislativo foi superado pelo Estado Constitucional, principalmente após as atrocidades dos pós-guerra.

Assim, o Poder Legislativo, bem como o Poder Executivo, este de forma atípica, aquele de forma típica, podem regulamentar leis, mas não possuem o direito de, através da lei, mutilar ou diminuir direitos protegidos na Constituição, como também, compreende-se claramente que, não outro instrumento, e sim, somente a lei pode interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma inovadora.

Como bem explica Gilmar Ferreira Mendes

“A situação normativo-hierárquica privilegiada da lei como fonte única do direito e da justiça, fruto do pensamento racional-iluminista, não pôde resistir ao advento das leis constitucionais contemporâneas como normas superiores repletas de princípios e valores condicionantes de toda a produção e interpretação / aplicação da lei. Rebaixada de sua proeminência normativa inicial, a lei passou a ter com a Constituição uma relação de subordinação (formal e material), submetida à possibilidade constante de ter sua validade contestada, e de ser, portanto, anulada, perante um Tribunal ou órgão judicial especificamente encarregado da fiscalização de sua adequação aos princípios constitucionais que lhe são superiores”.

Ainda, na essência do princípio da legalidade, as leis devem ser claras, abstratas e gerais, ou seja, toda a sociedade, de forma indistinta, deve ser abrangida, dentro de cada caso concreto, por óbvio, regulando direitos e obrigações dos indivíduos. Outro ponto que não pode ser esquecido é que, uma disposição normativa, quando nos referimos propriamente a lei, compreendida em seu aspecto formal, como norma elaborada por um órgão competente e cumprindo o processo legislativo deve ser justificada dentro da dimensão constitucional.

Assim, quando a nossa Carta Maior determina que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", deve-se compreender claramente que a Constituição faz referência a todo o ordenamento jurídico, e que, o legislador deve respeitar a validade formal e material que a própria Carta Magna determina. Para uma compreensão mais eficaz dessa dimensão estrutural normativa, nas palavras de Canotilho, o princípio da legalidade converte-se em princípio da constitucionalidade, subordinando toda a atividade estatal e privada à força normativa da Constituição.

Afinal, o Princípio da Legalidade é essencialmente um princípio?

A conceituação do que realmente é um princípio jurídico e a sua diferenciação no que tange as regras, depende de como o critério para essa distinção foi utilizado e dentro de que perspectiva está situada. Diferentemente das coisas materiais, que a noção do significado do objeto gira em torno da percepção sensorial, da prática comum e reiterada.

Ora, é inegável, que a análise de um princípio, dentro da dimensão jurídica, é altamente abstrata, a depender de uma contextualização macro, envolvendo não apenas os aspectos normativos, mas, principalmente o momento, seja histórico ou social, como também a situação fática e a considerar os aspectos intrínsecos do aplicador da lei.

Nas palavras de Humberto Ávila:

É mais difícil haver uma só definição de princípio, já que a sua identificação relativamente às regras depende muito intensamente do critério distintivo empregado (se quanto à formulação, ao conteúdo, à estrutura lógica, à posição no ordenamento jurídico, à função na interpretação e aplicação do Direito etc.), do fundamento teórico utilizado (se positivista, jusnaturalista, normativista, realista etc.) e da finalidade para a qual é feita (se descritiva, aplicativa etc.).

Mas a dificuldade não está voltada em conceituar ou classificar uma norma como norma ou em estabelecer certo fenômeno como princípio, o problema se concentra em não perceber a diferença das estruturas desses institutos.

Seja a doutrina, bem como a jurisprudência, são concordantes em reconhecer que as normas jurídicas mais relevantes de um ordenamento jurídico são os princípios. E, dentro desse ordenamento podemos encontrar princípios que se classificam como fundamentais e outros gerais, mas não é essa classificação que deve definir de forma permanente a função primordial dos princípios, mas sim, como o aplicador do Direito utiliza, no caso concreto, esse tipo de norma jurídica.

É nítido na doutrina o entendimento de que os princípios não se expõem como fontes mandamentais de ordens, mas na realidade são normas essencialmente fundantes e que justificam a criação e manutenção de um ordenamento jurídico, que, sem eles toda a estrutura estaria comprometida. Assim, é fácil concluir que os princípios são a base de um Estado de Direito, mais do que isso, são verdadeiros escudos que protegem a sociedade das possíveis atrocidades de um “soberano ditador”.

Assim, na realidade, os estudiosos do Direito desejam definir de forma determinística o que é um princípio e o que é uma regra, diferenciando que, os princípios são dirigidos indistintamente a certas circunstâncias e a um número incerto de pessoas e as regras seriam menos gerais, dedutíveis de textos normativos, se dirigindo de forma concreta a uma determinada conduta, trazendo assim o sentido de uma hipótese específica e a sua consequência

Ora, por exemplo, para Dworkin as regras são aplicadas no contexto do “tudo ou nada”, sendo, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, esta regra pode seguir dois caminhos, a regra tem validade e a consequência estabelecida na norma deve ser aceita ou esta regra não foi considerada válida. E, quanto aos princípios, estes não têm a força de determinar de forma vinculante a decisão, mas, são apenas fundamentos que devem ser interligados a outros fundamentos que vem de outros princípios, ou seja, os princípios são relacionados juridicamente. Daí vem a ideia de que os princípios possuem uma dimensão quase que matemática, de medida, de peso, de extensão, um não exclui o outro, e sim, em hipótese de colisão entre princípios, deverá se ter, dentro da análise do caso concreto, uma avaliação do peso de cada princípio, e, o que prevalecer não tem a força de excluir o outro do ordenamento, apenas um breve afastamento.

Já para outro grande jurista, Alexy, que, partindo de dois pressupostos estabelecidos por este, de que: a diferença entre regra e princípio é uma distinção entre duas espécies que tem como gênero norma; o outro pressuposto é que, a distinção entre os princípios tem um caráter qualitativo, e não de grau. Mas, a grande contribuição de Alexy para o tema foi à elaboração da tese de que os princípios são mandamentos de otimização. Assim, Alexy considera os princípios como espécies de normas jurídicas, que, por meio destes são estabelecidos deveres de otimização e que podem ser aplicados em diversos graus, a depende das possibilidades fáticas e normativas.

Para Alexy, quando ocorre uma possível tensão entre os princípios, nesta situação, não se resolve com a determinação imediata da prevalência de um princípio sobre outro, mas sim, haverá uma ponderação entre os princípios colidentes, que, em determinadas circunstancias, e dentro da análise do caso concreto, um princípio tem prevalência sobre o outro.

Então, apenas, e só a luz do caso concreto é que os princípios se materializam, através da sua real aplicação, por isso a utilização de um princípio deve ser analisada sempre com certa reserva, e, pois, se diante do problema jurídico, o conflito é resolvido mediante a elaboração de regras de prevalência, estamos diante do modelo “tudo ou nada” aplicado para os princípios.

Assim, os princípios em sua aplicação dependem da realidade fática, ou seja, só podem ser determinados diante dos fatos. As possibilidades fáticas de concretização dos princípios implicam necessariamente no dever de encontrar a adequação e a verdadeira necessidade

Importante também dizer que, apesar das regras terem uma característica específica, que é a efetivação de uma consequência já estabelecida, essa compreensão só se dará após a interpretação da regra e do caso concreto, pois a partir de então é que, no caso de sua aplicação ao problema, o interprete saberá quais os resultados virão.

Assim, é coerente dizer que a diferenciação dos princípios e das regras não pode ser realizada através de uma metodologia fechada, rígida, pois compreendemos, diante do que aqui já foi apresentado, que, antes de qualquer distinção entre princípios e regras, se faz necessário a interpretação e a análise das consequências da aplicação da norma, seja princípio ou regra. Depreende-se também, que a interpretação dá amplitude quanto à comunicação entre regras e princípios, e que, a diferença entre essas normas fica restrita ao momento anterior da análise do caso concreto.

Logo, quanto ao princípio da legalidade, que está voltado à proteção de direitos fundamentais, relacionado a diversos tipos de valores, como, liberdade, propriedade e segurança jurídica e que, para o seu pleno cumprimento exige-se a elaboração de Lei em sentido estrito, veículo supremo da vontade do Estado, é preciso que, no caso concreto, a análise do princípio da legalidade seja realizada em conjunto com todo o ordenamento jurídico, não apenas como uma norma isolada.

É necessário também compreender que quando a Constituição preceitua que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5. º, II), esta deve ser interpretada em sentido amplo. Assim, devem ser observadas as limitações formais e materiais, e que a imposição de deveres ao particular pode ser anunciada por todos os atos normativos primários compreendidos na Constituição, especificamente em seu artigo 59: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, Leis delegadas, medidas provisórias, decretos Legislativos e resoluções.

Por fim, diante do que aqui já foi exposto, identificamos que o princípio da legalidade é um princípio quando está voltado a proteção dos direitos fundamentais, mas que, também pode ser uma regra, quando em sentido amplo delimita regras formais e materiais para a elaboração dos atos normativos.

A (in) constitucionalidade do art.611-A da Reforma Trabalhista

 “Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre (...)

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, com início de vigência depois de 120 dias de sua publicação, ocorrida em 14.07.2017, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Em uma breve análise da reforma trabalhista, observamos claramente que os únicos beneficiados foram à classe dos empregadores e o Governo Federal, principalmente, com esse novo modelo que se estabeleceu, onde o negociado prevalece sobre o legislado. Ora, o objetivo principal da Reforma é afastar o núcleo central de proteção do Direito do Trabalho e autorizar que negociações particulares “flexibilize” direitos já conquistados pela classe trabalhadora, e, tendo como principal ponto de intimidação aos mais fracos a manutenção de seus empregos.

Nitidamente, no que se refere ao objetivo do presente artigo, a Lei nº 13.467/2017 prevê que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho prevaleçam sobre a lei, e, isso resulta em uma profunda contrariedade a vários princípios constitucional, como exemplo, o art. 611-A afronta o princípio do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da legalidade, dentre outros.

O assunto em questão é tão sério que o próprio Ministério Público do Trabalho (MPT), atuando na defesa da ordem jurídica, na proteção dos interesses sociais e individuais, bem como no respeito à dignidade da pessoa humana, expôs a Nota Técnica nº 5, relatando que a reforma traria:

“Impactos nas mais variadas áreas das relações de trabalho, desde o acesso à justiça, formas de contratação e rescisão, organização sindical, negociação coletiva, jornada de trabalho, inserção de pessoas com deficiência e aprendizes no mercado de trabalho e tantos outros temas, que, segundo anunciado, modificam mais de 100 pontos da CLT. ”

 

O Ministério Público do Trabalho (MPT), também relata que a “aprovação do artigo 611-A da nova lei, foi retirada da Justiça do Trabalho a competência de analisar o conteúdo material das normas coletivas (Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho), restando a ela somente a função de examinar o aspecto formal dos instrumentos. ” Ou seja, com a reforma, a Justiça do Trabalho só poderá analisar se a Convenção ou o Acordo foi devidamente registrado em cartório, não podendo questionar partes do texto que violem direitos trabalhistas, indo de encontro a Constituição Federal, mas precisamente em seus artigos 5º e 114º.

O art. 611-A da Reforma dispõe que a negociações podem atingir vários pontos protegidos constitucionalmente, sendo:

I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual;  III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superior a seis horas;  IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE) V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial;  VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;  IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;  X - modalidade de registro de jornada de trabalho;  XI - troca do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;  XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;  XV - participação nos lucros ou resultados da empresa. 

É visível que direitos trabalhistas podem ser profundamente afetados nas futuras negociações ou acordos, pois os incisos do artigo 611-A trata de pontos sensíveis para os trabalhadores, tais como: jornada de trabalho, intervalo de descanso, regime de trabalho, insalubridade, descanso semanal, remuneração entre outros. Assim, ao analisar de forma global o presente artigo, concluímos que este vem a ferir, na sua essência, o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, o caput, inicialmente, nos remete a entender que apenas o princípio da legalidade ou da reserva legal está sendo afrontado, mas, ao nos deslocarmos para os incisos do artigo encontramos as mais variadas possibilidades de transgressões ao trabalhador.

Mas no que tange ao princípio da legalidade, que é o objetivo do presente trabalho, e, ao examinar o art. 611-A caput, observamos a efetiva presença do "princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva" proporcionando ao poder econômico total liberdade nas negociações coletivas de trabalho, que a depender da arbitrariedade do empregador, direitos trabalhistas poderão ser reduzidos ou excluídos e com a garantia de que o Poder Judiciário não apreciará o mérito, pois, a Justiça do Trabalho analisará tão somente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitando o art. 104 do Código Civil, afrontando claramente o princípio da legalidade e do acesso à Justiça.

Assim, diante de uma análise bem simplista do dispositivo em questão, art. 611-A da Reforma Trabalhista, observamos que os direitos trabalhistas, protegidos constitucionalmente, foram reduzidos a direitos contratuais, “pacta sunt servanda” ou o contrato faz lei entre as partes, como se, empregado e empregador tivessem em uma relação de igualdade.

CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi exposto, podemos afirmar que o artigo 611-A da nova Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, intitulada como Reforma Trabalhista, viola frontalmente não apenas o princípio da legalidade, mas a própria Magna Carta, e, ainda podemos ir mais longe, afronta o próprio homem enquanto homem, direitos intrínsecos que vão além do próprio direito, como a vida, a dignidade, a honra, a saúde entre outros.

A Reforma Trabalhista, como a nós está posta, e, sob o pretexto da modernização das relações de trabalho, esvaziou totalmente os direitos sociais prometidos e protegidos pelo legislador originário, enterrando assim, direitos conquistados a sangue, tudo isso para atender ambições econômicas de um sistema capitalista desenfreado, entregando a classe trabalhadora a sua própria sorte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2004, p.162.

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HESSE, Konrad. Die Normative Kraft der Verfassung. A força normativa da Constituição. Tradução Gilmar Mendes. Porto Alegre. 1991. P.20.

 

Sobre os autores
JOEDSON

Cursando 7º Semestre Direito-UFC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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