Os agentes de carga e a declaração ao Siscoserv.

Entendimento da solução de Consulta nº 257 da Coordenação Geral de Tributação (COSIT) da Receita Federal

09/11/2017 às 12:52
Leia nesta página:

O texto traz análise sobre o entendimento da solução de Consulta nº 257 da Coordenação Geral de Tributação (COSIT) da Receita Federal.

O SISCOSERV1 foi criado com o escopo de promover obtenção pelo Poder Público de dados acerca das transações de serviços com o exterior e, com isso, facilitar e possibilitar a melhor aplicação de políticas públicas no setor. Em virtude disso, os dados relativos aos serviços prestados ao exterior devem ser declarados e remetidos ao Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), para que possa apurar os dados e aplicá-los na gestão pública.

Contudo, para operacionalizar o sistema, o MDIC realizou um convênio com a Receita Federal do Brasil (RFB) para que esta instrumentalizasse e gerisse a base de dados. A obrigação de prestar as informações à RFB encontra-se regulamentada na Instrução Normativa RFB nº 1.277, de 28 de junho de 2012.

De início, é possível verificar que a RFB trata as declarações ao SISCOSERV como obrigações acessórias2, como se extrai do item 7 dos fundamentos da resposta à consulta. Tal situação, por si só, revela o caráter tributário que a RFB busca dar ao SISCOSERV e, exatamente por isso, gera o temor de que as declarações equivocadas gerem autuações com caráter eminentemente arrecadatório.

Há controvérsias a respeito da criação de obrigações acessórias por instrumentos normativos que não sejam a lei em sentido estrito (ato normativo proveniente do Congresso Nacional). No caso do SISCOSERV, como vimos, as obrigações acessórias decorrem de Instrução Normativa da própria Receita e de outras disposições dos manuais do SISCOSERV. Portanto, não haveria lei prevendo as obrigações acessórias3.

Em sentido contrário, parte da doutrina e da jurisprudência entende que a previsão do art. 113, §2º, do CTN, ao estabelecer que a obrigação acessória decorre da “legislação tributária”, e não apenas da lei, possibilitaria a sua criação por instrumentos normativos infralegais. Certo é que, neste ponto, já se adianta uma controvérsia a respeito das obrigações previstas no SISCOSERV.


1. Declaração apenas de operações entre residentes e não residentes

Outro ponto que ficou bastante claro na resposta à consulta é que somente devem ser declaradas operações entre residentes e não residentes no Brasil. Ou seja, caso ambas as empresas, embora prestando um serviço internacional, situem-se no território nacional, não há que se falar em declaração no SISCOSERV (item 6.1 dos fundamentos).

Tal situação prevalece ainda que haja a subcontratação de serviços de terceiros também em território nacional, eis que, conforme a resposta à consulta “o relevante é a relação contratual”.

Por isso, importante separar o transportador efetivo (aquele que realiza o transporte – normalmente quem possui o veículo) daquele que não seja operador de veículo (caso, em geral, dos agentes de carga). Conforme a própria resposta à consulta, neste caso, o agente de cargas é, ao mesmo tempo, prestador e tomador de serviço de transporte (presta serviço ao seu cliente final – importador ou exportador – e toma serviços do terceiro “transportador efetivo”). Vide item 13 dos fundamentos da resposta da consulta e item 20.1.1 das conclusões.

Portanto, em princípio, é preciso verificar onde estão situadas as empresas componentes da relação contratual (entre importador/exportador e transportador efetivo), a fim de se estabelecer a necessidade de declaração ao SISCOSERV ou não, já que na hipótese de estarem situadas no território nacional, não há que se declarar o serviço como prestado ao exterior ou tomado do exterior.

Percebe-se que a RFB expressamente adotou o critério da residência para distinguir aqueles que devem daqueles que não devem declarar suas operações no SISCOSERV.


2. Do agente de cargas

A resposta à consulta remete, ainda, à situação de “representação” do importador ou exportador, a qual seria exercida pelo “agente de cargas”, que somente agiria em nome daqueles que representa e nos estritos limites da atuação referente àquela carga especificamente considerada.

O agente de cargas pode tanto representar o importador como representar o exportador (remetente ou destinatário da carga). Ou seja, estes atores da relação de importação/exportação invariavelmente não escapam de realizar a declaração ao SISCOSERV, caso o transportador não seja empresa nacional.

A consulta menciona o §1º do art. 37 do Decreto-Lei nº 37/66, que assim prevê a obrigação de declaração das informações das cargas por parte do agente de cargas:

§ 1º. O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas. (Grifou-se).

Assim, nos termos da resposta à consulta, deve-se interpretar o “prestar informações sobre as operações que executem” previsto na citada norma apenas como as obrigações referentes às operações de carga – em geral, aquelas do SISCOMEX – e não as “operações” referentes ao SISCOSERV, já que nesta hipótese o agente de cargas está agindo em nome do importador ou do exportador, conforme o caso (e quem efetivamente contrata os serviços de transporte internacional é o importador ou exportador).

Uma situação importante delineada na resposta à consulta refere-se às atividades previstas no contrato social ou na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) cadastrada junto ao CNPJ do agente de cargas. As previsões em contratos sociais ou do CNAE do agente de cargas não influenciam em nada a obrigação de prestar as declarações junto ao SISCOSERV.

O que importa é a efetiva atuação do agente de cargas em cada transação com o exterior.

Importante: caso o agente de cargas emita um conhecimento de transporte (assumindo o compromisso de transportar a coisa), NÃO ATUARÁ COMO AGENTE DE CARGAS, mas como CONSOLIDADOR (vide item 14.5 dos fundamentos da resposta à consulta).


3. Dos serviços auxiliares

Os agentes de cargas, em geral, prestam serviços auxiliares (tais como atos materiais de preparação de documentos, inserção de dados em sistemas informatizados, etc.) ao serviço de transporte propriamente dito. O transporte, como visto, é realizado pelo denominado transportador efetivo (quem efetivamente possui o veículo e faz a carga).

Novamente, importante verificar se estes serviços auxiliares estão sendo prestados para residentes ou não residentes no Brasil na cadeia de prestação de serviços envolvendo o transporte internacional. Caso estes serviços sejam prestados a residente, não há que se fazer qualquer declaração no SISCOSERV.

O agente de cargas, quando atua em nome de um importador ou exportador no serviço de transporte realizado por um transportador efetivo, não é prestador ou tomador de serviços de transporte (o importador/exportador é quem toma o serviço e o transportador efetivo é quem presta).

Entretanto, o agente de cargas pode ser prestador ou tomador de serviços auxiliares, quando realizar estas contratações diretamente (em seu próprio nome) com importador/exportador ou com o transportador efetivo residentes no exterior. Neste caso, haverá a necessidade de declarar tais serviços no SISCOSERV.


4. Valores a serem declarados

Conforme restou assentado na resposta à consulta, o valor a ser declarado pelo tomador de serviços deve corresponder exatamente ao montante total transferido, creditado, emprestado ou entregue ao prestador do serviço como pagamento pelos serviços. Neste valor devem ser incluídos os custos incorridos.

Já o prestador de serviços deve informar o montante total do pagamento recebido do tomador.

4.1. A comissão do agente de cargas

Quando houver a retenção de comissão por parte do agente de cargas (o qual atuará em nome do tomador ou do prestador de serviços), a comissão deverá ser assim tratada:

  • No caso de o agente representar um tomador de serviços, a comissão retida será apenas referente aos serviços auxiliares por ele prestados diretamente ao tomador. O serviço de transporte é pago diretamente pelo tomador ao prestador (transportador efetivo).

  • Quando o agente representa um prestador de serviços (por exemplo, um armador) também presta serviços auxiliares. Neste caso, o “valor do transporte” é recebido pelo prestador de serviço que “repassa” a parte referente aos serviços auxiliares ao agente de cargas.

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Conclusões

Aparentemente, a RFB buscou ser o mais abrangente possível com a resposta à consulta, de modo a englobar o maior número possível de hipóteses de relações jurídicas envolvendo o transporte internacional sem, ao mesmo tempo, descer ao detalhamento de cada serviço prestado ou tomado no ou para o exterior.

Desta forma, a consulta serve como um “norte”, um parâmetro a ser seguido, mas que não descarta a formulação de consultas específicas de situações envolvendo atividades do dia-a-dia dos agentes de carga.

Finalmente, os procedimentos dos agentes de carga referentes à declaração dos serviços no SISCOSERV deverão ser readequados, nos termos do que restou decidido na mencionada consulta e alinhados com os efetivos importadores/exportadores. Independentemente de concordar ou não com o que restou estabelecido pelos auditores fiscais da RFB, certo é que a obediência àquilo que ficou decidido na consulta minimiza a possibilidade de autuações e aplicações de penalidades.


Notas

1 Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que produzam Variação no Patrimônio.

2 Sobre o tema, importante mencionar o que dispõe o Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. (…)” “Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.”

3 Grande parte dos doutrinadores, tendo em vista o princípio da legalidade genérica (art. 5°, II, da Constituição), sustenta que “principal ou acessória, a obrigação tributária é sempre uma obligatio ex lege. Nasce da lei e só dela” (Aliomar Baleeiro, Direto tributário brasileiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 400.). No mesmo sentido: Paulo Caliendo, in Comentários ao Código Tributário Nacional, obra coletiva, coord. Marcelo Magalhães Peixoto, p. 930. e Sacha Calmon Navarro Coelho in Comentários ao Código Tributário Nacional, obra coletiva, coord. Carlos Valder do Nascimento, p. 260.

Sobre o autor
Fernando Lima Gomes

Alvarenga & Gomes Advogados conta com profissionais com mais de 40 anos de experi­ência jurídica e está à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o presente texto e auxiliá-lo no que for preciso.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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