Por: Letícia Guidorizi Salvador
Primeiramente, como forma introdutória ao presente artigo, para que haja melhor entendimento sobre o tema, é necessário tecer alguns comentários sobre o conceito de sucessão.
Sucessão é a transferência de patrimônio ocorrida após a morte, ou seja, quem morre consequentemente transmite todo o seu patrimônio, de forma automática, aos sucessores, chamados de herdeiros necessários.
Essa transmissão automática ocorre por meio de um princípio denominado princípio da saisine.
O princípio da saisine faz com que a transmissão dos direitos ocorra de forma automática, sem que o beneficiário pratique qualquer conduta, gerando assim, a transmissão aos herdeiros necessários de forma automática, sem que precisem ingressar como ações judiciais para tanto.
Assim, os herdeiros necessários tomam posse e propriedade instantaneamente com a morte.
Todavia, para que possa ocorrer a alienação legal desses bens automaticamente transmitidos, é necessário fazer um inventário, pois se não o fizer dificilmente ocorrerá a alienação futuramente.
Nesse diapasão, verifica-se que a transferência de bens pelo instituto da saisine ocorrerá diretamente aos herdeiros necessários, sendo eles:
- Descendentes
- Ascendentes
- Cônjuge
Contudo, todos que possuem vocação para recebimento da herança são aqueles colacionados ao Artigo 1.829 do Código Civil, o qual trará da ordem preferencial de vocação hereditária:
" Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
I - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais."
Assim, veja que preferencialmente quem terá direito ao recebimento da herança serão os descendentes, tendo como concorrente o cônjuge, devendo ser observado o regime matrimonial.
Se caso não existir descendente, os ascendentes serão os próximos contemplados com o direito à herança, contudo, deverá ser observada a concorrência do cônjuge.
Se por ventura inexistir descendentes e ascendentes, toda a porção hereditária pertencerá ao cônjuge sobrevivente.
Ainda assim, se não sobrevirem nem descendentes, ascendeste e cônjuge, a porção total da herança pertencerá aos colaterais.
Entretanto, no que tange ao recebimento da herança pelos colaterais, deverá ser observado primeiramente o grau de parentesco.
Pois, dessa forma, o grau mais próximo consequentemente extingue o grau mais distante.
Sendo assim, os irmãos serão os primeiros colaterais observados para o recebimento da herança.
Ocorre que, observando as exposições do Código Civil no que tange ao recebimento da herança pelos irmãos, verificamos que este faz uma distinção, sem causa, dos irmãos bilaterais e irmãos unilaterais.
Irmãos bilaterais são aqueles que possuem mesmo pai e mesma mãe, já irmãos unilaterais são aqueles que possuem como semelhança somente o pai, ou somente a mãe.
Exemplo: José e Maria são casados e possuem dois filhos, Pedro e João, porém José em um relacionamento anterior com Ana, teve um filho, chamado Joaquim. Assim, verifica-se que Pedro e João são irmãos bilaterais, ao passo que Joaquim é irmão unilateral.
A distinção entre os irmãos ocorrida no código é oriunda do Artigo 1841, veja:
" Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar."
Veja que, no recebimento do quinhão hereditário, os irmãos bilaterais receberão o dobro da porção recebida pelos irmãos unilaterais.
Vejamos o teor do Artigo:
" Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."
Primeiramente, veja que o teor do Artigo 1841 do Código Civil viola diretamente o caput do Art. 5º da Constituição Federal, ao passo que todas as pessoas, sem distinção são consideradas iguais perante a lei.
Contudo, analisando mais a fundo, nota-se que também a violação direta ao texto constitucional ao exposto no Art. 227, § 6º da Constituição.
Pois o referido Artigo constitucional traz a igualdade aos filhos havidos ou não na relação matrimonial ou por adoção, sendo taxativamente proibida qualquer discriminação, veja:
" Art. 227, § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. "
Portanto, analisando o entendimento trazido pelo Código Civil na diferenciação dos irmãos bilaterais e unilaterais e convergindo com os entendimentos trazidos pela Constituição Federal, sobre igualdade, entende-se que a diferenciação ocorrida afronta o texto constitucional.
Sendo que a regra sucessória é pacificamente aceita pelos tribunais brasileiros, não havendo que se falar em inconstitucionalidade.
Veja entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“O Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1/6 para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo: Atlas, 2007. p. 138). No caso dos autos, considerando-se a existência de um irmão bilateral (recorrido) e três irmãs unilaterais (recorrentes), deve-se, na linha dos ensinamento acima colacionados, atribuir peso 2 ao primeiro e às últimas peso 1. Deste modo, àquele efetivamente caberia 2/5 da herança (40%) e a cada uma desta últimas 1/5 da herança (20%).” RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 - MG (2010/0128448-2), RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 30/9/2013