O equívoco do Código Civil na definição de pessoas interpostas

20/11/2017 às 19:50
Leia nesta página:

A previsão legal quanto às pessoas interpostas deveria possuir rol exemplificativo, direcionando-se a incapacidade passiva a todos os parentes. De outro modo, ao possuir rol taxativo, dá ensejo a má-fé do testador.

O rol taxativo do Parágrafo Único do Art. 1802 cria a possibilidade da realização do testamento de má-fé

Em pequena síntese, como forma de introdução ao presente artigo, para melhor resolução temática, faz-se necessário explicitar alguns comentos sobre a generalidade da sucessão.

Sucessão se conceitua pela transferência de patrimônio, ocorrida de forma imediata após a morte, ou seja, quem morre transmite todo o seu patrimônio, aos sucessores, chamados de herdeiros necessários.

Essa transmissão é automática e ocorre por meio do instituto da saisine.

O princípio da saisine faz a transmissão de bens ser de forma automática, sem que o herdeiro necessário pratique qualquer conduta.

Assim, os herdeiros necessários tomam posse e propriedade instantaneamente, após a ocorrência da morte.

Essa transmissão automática ocorrerá para os herdeiros necessários, são eles:

      i.            Descendentes

  ii.            Ascendentes

iii.            Cônjuge

Contudo, o sucessor poderá destinar a sua herança a outras pessoas, sem que sejam os sucessores elencados acima.

Essa sucessão é denominada sucessão testamentária, em que, ao contrário da anterior, é o autor da herança que estipula as regras sucessórias, dentro dos limites que a lei lhe permite.

A sucessão testamentária é oriunda do direito romano onde era imprescindível o titular do direito manifestar a sua vontade, que somente valia após seu falecimento.

A manifestação de vontade deve ser feita através de testamentos. Existem diversos tipos de testamentos, e cada um deles exige um formalismo diferenciado para seu cumprimento.

Essas solenidades são essenciais para o ato, cuja função é a de assegurar a real vontade de seu subscritor.

Características gerais do testamento:

1-     Ato solene – a solenidade é a essência do ato pois é ela que garante a real validade do instrumento.

2-   Ato mortis causa – o testamento não produz nenhum efeito enquanto o seu criador estiver vivo. A vontade do testador começará a valer apenas após a abertura da sucessão.

3-   Ato revogável – por ser um ato jurídico cuja eficácia é futura, até que ela ocorra, pode ser alterada toda essa manifestação de vontade. É essência deste ato permitir a revogabilidade.

4 – Ato gratuito: as disposições testamentárias não podem representar uma onerosidade na transferência. A lei permite criar encargos que não contrariam essa característica.

5 – Ato personalíssimo: quem faz o testamento tem que ser o próprio titular do Direito, não sendo admitido que outra pessoa faça por ele, induz essa característica entender também que no testamento apenas existe uma vontade.

Para realização e efetivação do testamento é necessário se ter Capacidade, esta é subdividida em duas partes:

Capacidade ativa: capacidade de realizar o testamento.

Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.

Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

A capacidade do testador é medida no momento da feitura, e não da morte, pode-se ocorrer anos até que se dê a morte, contudo, a capacidade sempre será medida no momento da feitura.

Capacidade passiva: capacidade de receber testamento.

Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:

I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;

II - as testemunhas do testamento;

III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;

IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.

Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.

O Artigo 1802, traz a incapacidade passiva para pessoas interpostas, e o parágrafo único define quem são essas pessoas.

Assim, se o testador direcionar os bens da herança aos ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuge ou companheiro das pessoas elencadas ao Art. 1801, estas pessoas não poderão receber a herança.

Contudo, como enfoque principal do presente texto, temos que há um equívoco na definição de pessoas interpostas, ao passo que deveriam ser definidas como interpostas todos os parentes destas pessoas incapazes.

Pois, como assim não é, poderá haver por meio do testador o direcionamento mal intencionado.

Por exemplo, temos que o concubino do testador possui incapacidade para receber o testamento, contudo a herança poderá ser direcionada, como uma forma de burlar a legislação, ao seu primo, para que este receba a herança, e, após, repasse ao concubino.

Deste modo, a conceituação de pessoas interpostas deveria possuir rol exemplificativo, direcionando-se a incapacidade passiva a todos os parentes. Porém, ao possuir rol taxativo, dá ensejo à má-fé do testador.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos