As fontes primárias do Direito Internacional Público

22/11/2017 às 06:47
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Por meio deste artigo, buscar-se-á dissertar sobre as fontes do Direito Internacional Público, mais especificamente sobre as fontes primárias/estatuárias, previstas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

1 INTRODUÇÃO

O ramo do direito internacional público apresenta uma peculiaridade em relação aos demais ramos do Direito, uma vez que, no plano internacional, não há um centro integrado de produção de normas jurídicas, com caráter vinculativo a todos os Estados. Desse modo, percebe-se que, no plano em comento, o aspecto da voluntariedade é de grande relevância, vez que os Estados, soberanos, sujeitam seus nacionais a obrigações e lhes garantem direitos somente se externarem seu consentimento, por vontade própria, aos termos de determinado tratado ou convenção internacional. Nesse contexto, surge a importância do estudo das fontes do direito internacional público, com a finalidade de observar quais são as suas origens e esclarecer quais as suas consequências jurídicas, no âmbito internacional. Assim, a priori, apesentar-se-á o conceito de fontes e realizar-se-á a distinção entre fontes materiais e fontes formais e entre fontes estatutárias, ou primárias, e extra-estatutárias ou secundárias. Em seguida, as fontes primárias e os meios auxiliares, previstos no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CJI), serão estudados especificamente. Importante destacar, ainda, que o presente trabalho não possui a pretensão de esgotar a matéria de fontes do direito internacional público. Dessa forma, restringir-se-á ao estudo das fontes estatutárias.

2 CONCEITO DE FONTES

Conceituar fonte do direito é tarefa de relevante complexidade para a Ciência do Direito, em geral. Isso se deve à grande variedade de motivos que influenciam os homens no momento da construção do direito, de seu nascimento, os quais são resultado da necessidade que o ordenamento jurídico possui de regular todas as situações fáticas da sociedade. Desse modo, a expressão “fonte do direito” é uma metáfora que gera diferentes interpretações: “posto que por fonte quer-se significar simultaneamente e, às vezes confusamente, a origem histórica, sociológica, psicológica, mas também a gênese analítica, os processos de elaboração e dedução de regras obrigatórias, ou ainda a natureza filosófica do direito, seu fundamento” (FERRAZ JUNIOR, 2001). Não obstante, é possível afirmar, em síntese, que as fontes do direito são suas origens, isto é, os motivos que levam à elaboração da norma jurídica e/ou os modos pelos quais esta se manifesta. São “as razões que determinam a produção das normas jurídicas, bem como a maneira como elas são reveladas”. (SOARES, 2004).

3 CLASSIFICAÇÃO

As fontes do direito internacional público podem ser classificadas de diversas maneiras. Nessa linha, o presente trabalho apresentará a clássica divisão entre fontes formais e materiais, bem como a diferenciação entre fontes estatutárias e extra-estatutárias. Desse modo, as fontes materiais são aquelas que determinam a elaboração de certas normas jurídicas, definindo, portanto, seu conteúdo. Assim, conforme preleciona Valério de Oliveira Mazuoli: "no plano do direito interno têm-se as necessidades sociais de elaboração de determinada regra de conduta, ao passo que, no plano do direito internacional, têm-se as necessidades que decorrem das relações dos Estados e das Organizações Internacionais de regulamentarem suas relações recíprocas." (p. 28, 2012). Tais fontes, em outras palavras, são os fatos sociais que evidenciam a importância e a necessidade da elaboração de preceitos jurídicos, a fim de regular certas situações. Vale salientar, a título ilustrativo, a seguinte lição: Exemplo de fonte material foi a II Guerra Mundial, cujas atrocidades evidenciaram a relevância de proteger a dignidade humana, impulsionando a negociação e a consagração de algumas das principais normas internacionais de direitos humanos. (PORTELA, 2011). Por outro lado, as fontes formais dizem respeito à forma de exteriorização e de revelação da norma jurídica e aos valores que esta pretende tutelar, consubstanciadas nas normas do direito positivo. Ressalta-se, ademais, que o aparecimento das fontes formais normalmente se relaciona às fontes materiais, vez que as primeiras são normas do Direito positivo que consagram determinados valores e tutelas jurídicas, voltados ao atendimento de demandas da sociedade, enquanto que as segundas - materiais- são os elementos que inspiram a criação das normas, conforme explicitado anteriormente. As fontes podem, ademais, ser classificadas em estatutárias e extra-estatutárias. As primeiras, também conhecidas como primárias, são as previstas no rol do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o qual será estudado no tópico seguinte. São elas os tratados, os costumes internacionais e os princípios gerais de direito. Já as extra-estatutárias, como o próprio nome esclarece, são as fontes que não foram previstas no artigo em comento. Como exemplo, podemos citar os tratados unilaterais, a analogia e a equidade.

4 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Importante destacar que as fontes do Direito Internacional Público surgiram ao longo do processo histórico e foram inicialmente previstas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça - CIJ. Atualmente, tal disposição é aceita, de modo universal, como a enumeração mais autorizada das fontes do direito internacional público. Desse modo, vejamos: Artigo 38. 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem. Da leitura do excerto, pode-se perceber que são fontes do direito internacional os tratados internacionais, o costume internacional e os princípios gerais do direito, de modo que qualquer regra que pretenda ser considerada de direito internacional deve derivar de uma dessas (fontes), que se configuram como primárias. Há, ainda, menção às decisões judiciárias e à doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, as quais são tidas como meios auxiliares na busca da comprovação da existência de determinada regra de direito, não sendo, portanto, fontes propriamente ditas. Ante o silêncio do artigo em questão, surge o questionamento acerca da existência de uma possível hierarquia entre as fontes enumeradas, isto é, será que a mera ordem de disposição no texto do art. 38 supracitado define a primazia entre elas? A despeito de posicionamento em sentido contrário, a doutrina majoritária entende que não há hierarquia entre as fontes do direito internacional privado, de modo que é perfeitamento possível, por exemplo, um princípio geral do direito derrogar um tratado, bem como um costume. Nessa linha, Celso de Albuquerque Mello defende que não há hierarquia entre tratado e costume, de forma que nenhum deles prevalece sobre o outro. Desse modo, um tratado mais recente pode modificar ou derrogar um costume, e vice-versa. (p. 298, 2000). Há que se fazer uma ressalva, contudo, às normas jus cogens, as quais, a despeito de não estarem previstas no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, estão expressamente autorizadas pelos arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Estas são consideradas normas imperativas de direito internacional geral, reconhecidas pela sociedade internacional em seu conjuto como normas que só podem ser derrogadas por outra norma jus cogens posterior de mesma natureza. (Mazuoli, 2012) Nessa perspectiva, tem-se que as normas jus cogens são hierarquicamente superiores às demais, de modo que a afirmação de que não há grau hierárquico entre as fontes do direito internacional restringe-se apenas àquelas previstas no art. 38 do Estatuto da CIJ – estatutárias. Por fim, vale esclarecer que o rol previsto no artigo em comento não é numerus clausus, sendo meramente exemplificativo, de forma que ainda se fazem presentes as fontes extra-estatutárias. Todavia, diante das finalidades do presente trabalho, tais fontes não serão abordadas. A seguir, passa-se à análise das fontes primárias/estatutárias do direito internacional público, previstas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

4.1. FONTES PRIMÁRIAS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Os tratados internacionais são, sem dúvidas, a principal fonte do direito internacional na atualidade, visto que, além de proporcionarem maior estabilidade e segurança às relações internacionais, também conferem a estas maior representatividade e autenticidade, na medida em que se consubstanciam na vontade livre e conjugada dos cidadãos, no âmbito internacional. Valério de Oliveira Mazuoli, ressaltando a importância dos tratados internacionais, assevera que: Além de serem elaborados com a participação direta dos Estados e das Organizações Internacionais, de forma democrática, os tratados internacionais trazem consigo a especial força normativa de regularem matérias das mais variadas e das mais importantes. (p. 31, 2012). Ademais, é válido mencionar que existem diferentes espécies de tratados, a depender da matéria, do caráter vinculativo, da finalidade, dentre outras características. Por sua vez, os costumes internacionais também possuem grande relevância no cenário internacional, uma vez que, não obstante a tendência atual de codificação de normas consuetudinárias, é certo que não há, ainda, um centro integrado de produção de normas, as quais vinculem todos os Estados. É necessário mencionar que o art. 38 do Estatuto da CIJ define o costume internacional como sendo uma prática geral aceita como sendo o direito. Assim, para Paulo Henrique Gonçalves Portela: A formação de uma norma costumeira internacional requer dois elementos essenciais: um, de caráter material e objetivo; o outro, psicológico e subjetivo. O primeiro é a prática generalizada, reiterada, uniforme e constante de um ato na esfera das relações internacionais ou no âmbito interno, com reflexos externos. É a inverterata consuetudo, que constitui o conteúdo da norma costumeira. O segundo elemento é a convicção de que essa prática é juridicamente obrigatória (opinio juris). (p.74, 2011). Vale destacar, ademais, que há uma controvérsia acerca da eficácia erga omnes do costume internacional. Desse modo, a doutrina mais acertada defende que, havendo uma opinio juris geral, os costumes internacionalmente reconhecidos também poderão vigorar para aqueles Estados que com ele não compactuem. A título ilustrativo, destaca-se que foi com base no costume internacional, mais especificamente na proibição aos crimes contra a humanidade, que o Tribunal de Nuremberg responsabilizou a Alemanha, no âmbito internacional, pelos crimes nazistas cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, em seu território. Já os princípios gerais do direito, os quais devem ser reconhecidos pelos Estados em seu conjunto como legítimas formas de expressão do direito internacional público, são aqueles reconhecidos em foro doméstico, mas que ascedem ao âmbito internacional, em virtude de constarem da generalidade dos ordanamentos jurídicos nacionais. Desse modo, ressalta-se que não há a necessidade de que um determinado princípio seja aceito por todos os ordenamentos jurídicos para ser considerado um princípio geral do direito, bastando, portanto, que um número suficiente e relevante de Estados o consagre. Nesse sentido, Mazuoli: Existindo dúvida sobre ser determinado princípio um princípio geral de direito, deve o intérprete verificar se o mesmo se encontra positivado na generalidade dos ordenamentos jurídicos estatais. Assim, se a generalidade dos Estados - não necessariamente todos eles - contempla um tal princípio em seus ordenamentos jurídicos internos, parece claro que tais princípios passam a ser também aplicados no direito internacional. (p. 33, 2012) É possível citar, como exemplos de princípios gerais de direito, o princípio da boa-fé, da pacta sunt servanda e o do respeito à coisa julgada e ao direito adquirido.

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4.2. MEIOS AUXILIARES

O art. 38 do Estatuto da CIJ encerra seu rol citando as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meios auxiliares para a determinação das regras de direito. Ressalta-se que tal enquadramento foi acertado, vez que da doutrina e da jurisprudência não nascem quasiquer direitos, não podendo, portanto, serem consideradas fontes, e sim instrumentos de assistência para a determinação das regras de direito. Desse modo, a priori, vale esclarecer que o termo jurisprudência, conforme Gelson Amaro de Souza, é entendido como "uma sequência de decisões ou julgamentos, sempre no mesmo sentido, dando a cada caso semelhante a mesma solução." (p. 57-58, 1989). Nessa perspectiva, sendo a jurisprudência internacional uma reiteração de decisões no mesmo sentido, ela adquire o papel de afirmação de um direito pré-existente. Assim, a despeito de não criar propriamente o direito, a jurisprudência favorece a criação de um novo direito com o passar do tempo de sua atuação no plano internacional. (MAZUOLI, 2012). Salienta-se, ainda, que a Corte Internacional de Justiça (CIJ), a qual possui sede na Haia, em Holanda, é a que possui decisões com maior autoridade no plano internacional. Já em relação ao outro meio auxiliar previsto no Estatuto da CIJ (doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações), vale mencionar que a expressão não se refere apenas aos autores internacionalistas individuais, mas também a outras entidades, como, por exemplo, a Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas - ONU. Nesse interím, também são considerados como doutrina os trabalhos de institutos especializados na pesquisa do direito internacional, bem como os trabalhos preparatórios e os relatórios explicativos, os quais podem acompanhar as convenções internacionais e, normalmente, são elaborados por juristas de grande renome. Tais trabalhos e relatórios adquirem, portanto, o papel de "fonte" indispensável de consulta para os Tribunais encarregados de decidir as controvérsias de direito internacional que lhes são submetidas, auxiliando, dessa maneira, na construção do direito.

5 CONCLUSÃO

Em suma, percebe-se que a temática das fontes do direito internacional público é deveras relevante e vasta, em virtude, especialmente, da ausência de um centro integrado de produção de normas jurídicas internacionais, bem como de uma autoridade superior que subordine os Estados à sua vontade. Conforme já mencionado, o objetivo do presente trabalho não foi o de esgotar a matéria de fontes, e sim explicar seus aspectos gerais - conceituação e classificação, voltando-se, também, ao estudo das fontes primárias. Nessa perspectiva, os tratados, costumes e princípios gerais de direito foram abordados detalhadamente, assim como os meios auxiliares - doutrina e jurisprudência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Disponível em . Acesso em: 09 dez. 2016.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2001.

MAZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, em pdf. MELLO,

Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público, volume 1, Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2000.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia: JUSPODIVM, 2011, em pdf.

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. SOUZA DE,

Gelson Amaro. Processo e Jurisprudência no Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

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Giovanna Abreu

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