Furto Famélico

Punir ou Não Punir?

22/11/2017 às 14:23
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Este artigo trata-se do Furto Famélico em nosso Ordenamento Jurídico Brasileiro, analisando os conceitos, os requisitos, as consequências e sua repercussão social,bem como os elementos predominantes no que tange tal delito.

                                                                                                                        Ingrid Oliveira Silva

                                                                                                                       Rayner Mendes Sabino

RESUMO:

Este artigo trata-se do Furto Famélico em nosso Ordenamento Jurídico Brasileiro, analisando os conceitos, os requisitos, as consequências e sua repercussão social,bem como os elementos predominantes no que tange tal delito, avaliar, sob a ótica dos princípios basilares do Direito Penal, as causas de rompimento da tipicidade penal pelo crime, destacando as principais correntes doutrinárias e o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca do assunto, por fim apresentar propostas para evitar a ocorrência do crime.

PALAVRAS-CHAVE:

Direito Penal; Furto; Famélico; Insignificância; Necessidade.

ABSTRACT

This article deals with the Famine Theft in our Brazilian Juridical Order, analyzing the concepts of starvation, requirements, consequences and its social repercussion, as well as the predominant elements regarding this crime, to evaluate, from the point of view of the basic principles of Criminal Law, the causes of disruption of criminality by crime, highlighting the main doctrinal currents and the position of the High Courts on the subject, finally presenting proposals to avoid the occurrence of the crime.

KEYWORDS:

Criminal Law; Theft; Pamlico; Insignificance; Need.           

                                                                                                                                                     ¹Graduandos do Curso de Direito da Faculdade Pitágoras de Betim.                                              Professor orientador: Denise Cândido Lima e Silva Santos, Faculdade Pitágoras de Betim – MG.

INTRODUÇÃO

O furto famélico ocorre quando o agente, em situação de extrema penúria, causa um dano ao patrimônio alheio, furtando para saciar uma premência urgente e relevante sua ou de outra pessoa, pois se não suprisse tal necessidade poderia ele ou outrem vir a sofrer danos em seus bens juridicamente tutelados.

Com o passar do tempo percebemos um aumento considerável na pratica do furto famélico, sendo que, uma das principais causas do agravamento deste delito é sem dúvida, a desigualdade social. O Brasil é um país em que uma parcela significativa da população não tem acessos as condições básicas de saúde, alimentação, estudo, higiene e moradia, encontra-se em situação desumana,ferindo assim nossa Constituição Federal de 1988 que assegura a todos os brasileiros, a Dignidade da Pessoa Humana, Os Direitos Sociais e Fundamentais básicos, mas infelizmente tais direitos e garantias podemos perceber que não são para todos.

É notório que a dignidade humana só é possível quando as pessoas conseguem manter sua sobrevivência com o mínimo de qualidade e respeito, pois o problema da pobreza e da miséria é acima de tudo, uma questão social, isto é, que envolve as diretrizes estruturais da sociedade.

Em nosso ordenamento jurídico, admite-se a aplicação do instituto do furto famélico, onde a referida conduta do indivíduo é desconsiderada crime. Havendo diversas justificativas para tal fato não ser punido, os quais veremos mais adiante.

O presente trabalho tem por objetivo, estudar o crime de furto famélico, tendo uma estrutura de pesquisa baseado na evolução histórica do crime, conceito, teorias e elementos predominantes no que tange o crime de furto famélico, relacionando os princípios basilares e derivados do tema em questão, dando enfoque ao, princípio da insignificância, estado de necessidade em consonância com figura de inexigibilidade de conduta diversa, enfatizando os posicionamentos dos tribunais superiores.

DESENVOLVIMENTO

Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, logo em seu artigo , inciso III, dispõe que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do nosso país.

Analisando nossas normas penais, o crime de furto está disposto da seguinte maneira no Código Penal Brasileiro:"Art. 155 - Subtratir, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa."

Pois bem, existem sujeitos que praticam o crime de furto para suprir suas necessidades imediatas, em situações de sofrimento desgastante. Seria injusto e fora do propósito do nosso ordenamento jurídico penalizar tais infratores que estão apenas defendendo interesses legais previstos nas normas jurídicas, uma vez que estas foram criadas exatamente para atender as demandas da sociedade.

Aplicar sanções penais nestes sujeitos, iria contra a própria carta magna, uma vez que esse dispositivo garante as pessoas a dignidade da pessoa humana e direitos sociais, previstos no art.  da CF/88: "Art.  - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma deste Constituição".

O denominado furto famélico é reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina, sendo que esta conduta não é passível de punição, evitando assim que o agente sofra injustamente sanções por ter agido para proteger seus bens juridicamente tutelados.

Existem maneiras de justificar a aplicação do instituto do furto famélico, levando em consideração a teoria analítica do crime, que sob a ótica da Teoria Tripartida, é formado pelo fato típico, ilícito e culpável: a) o princípio da significância; b) o estado de necessidade; c) inexigibilidade de conduta diversa.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O Superior Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em suas decisões, tendem a aplicar o princípio da insignificância nos casos de furto famélico, dependendo do caso concreto. Este princípio dispõe que o Direito Penal apenas irá se pronunciar sobre a proteção dos bens mais relevantes para ordenamento jurídico, incriminando apenas condutas que são ofensivas ou capazes de ferir um bem jurídico.

O agente que rouba alimentos ou semelhantes para suprir suas necessidades básicas e que não cause um dano grave para terceiro, pode-se considerar a insignificância de seus atos, desde que observados os requisitos fixados pelo STF: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovação do comportamento;d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

De acordo com Cezar Roberto Bitencout Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 17ª Edição. 2012

"Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida (...)". A aplicação do princípio da insignificância no furto famélico irá excluir a própria tipicidade penal da conduta do agente. A tipicidade é um dos requisitos obrigatórios da composição do fato típico.

Rogério Greco salienta que "tipicidade quer dizer, a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal (...)". A tipicidade penal é formada pela tipicidade formal, que é o encaixe perfeito da conduta do agente ao tipo penal previsto no ordenamento jurídico e pela tipicidade conglobante. Esta última é quando a conduta do sujeito é antinormativa, contrária às normas jurídicas e não imposta ou incentivada por elas e quando a conduta possui tipicidade material, ou seja, tenha importância relevante para ser abrangida pelo Direito Penal.

É na tipicidade material que se fundamenta a aplicação do princípio da insignificância no furto famélico, pois a ação do infrator não irá ferir bens juridicamente tutelados pelo Direito Penal, pela pouca significância. Assim, aplicando-se o princípio da insignificância, exclui-se a tipicidade, requisito essencial para que se tenha o fato típico, tornando assim a conduta do agente que pratica o furto famélico como atípica, não tendo que se falar na pratica de crime.

ESTADO DE NECESSIDADE

O estado de necessidade é uma das causas de exclusão da ilicitude e está prevista no Código Penal Brasileiro: “Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”

André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves (Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. Editora Saraiva. 2012), dispõe:

Um deles (interesse legítimo), pelo menos, terá de perecer em favor dos demais. Ocorre uma “situação-limite”, que demanda uma atitude extrema e, por vezes, radical. O exemplo característico é o da “tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem obrigadas a dividir uma mesma tábua, que somente suporta o peso de uma delas. Nesse contexto, o direito autoriza uma delas a matar a outra, se isso for preciso para salvar sua própria vida.

Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 17ª Edição. 2012), elenca os requisitos necessários para reconhecer o estado de necessidade:

A configuração do estado de necessidade exige, noDireito brasileiro, a presença simultânea dos seguintes requisitos: existência de perigo atual e inevitável a um direito (bemjurídico) próprio ou alheio; não provocação voluntária do perigo; inevitabilidade do perigo por outro meio; inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado; elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem do perigo; ausência de dever legal de enfrentar o perigo.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência, observado as peculiaridades de cada caso concreto, tendem a justificar a não incriminação do furto famélico através da aplicação do do estado de necessidade, excluindo assim a ilicitude da conduta do agente e portando, não tendo em que se falar na existência do crime. Rogério greco (Curso de Direito Penal. Parte Especial. 14ª Edição. Editora Impetus. 2017) afirma:

Em tese, o fato praticado pelo agente seria típico. Entretanto, a ilicitude seria afastada em virtude da existência do chamado estado de necessidade. Podemos concluir que o furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, uma vez que, de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária à sua subsistência.

INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

Existe também, por vezes, diante do caso concreto, a aplicação da inexigibilidade de conduta diversa como causa de não punibilidade do furto famélico. Tanto o STF quanto o STJ reconhecem esse instituto onde diante de determinada situação do sujeito que pratica um injusto penal, não poderia se exigir que ele agisse de maneira diferente.

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A inexigibilidade de conduta diversa é uma das causas supralegal de exclusão de culpabilidade, pois não está prevista nas normas jurídicas e sim nos princípios basilares do Direito.Adotando-se a Teoria Tripartida do crime e aplicando a excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa, a pessoa que praticou o furto famélico não estaria cometendo um crime e seria absolvido, uma vez que não preencheu os requisitos necessários de fato típico, ilícito e culpável.

Se adotarmos a Teoria Bipartida do crime, a culpabilidade não é elemento formador da infração penal e sim de punibilidade. Assim, o autor do furto famélico teria praticado o injusto penal, que éfato típico e ilícito, o suficiente para se caracterizar o crime. Porém, no momento de aplicação da pena, analisando a culpabilidade, a mesma seria desconsiderada resultando na não punição do agente.

JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência brasileira, não possui uma corrente majoritária, podendo depender do caso concreto, porém podemos notar que a justificativa que prevalece atualmente é o princípio da insignificância e o estado de necessidade.

POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

De modo habitual afasta o crime baseado na aplicação do princípio da insignificância e no estado de necessidade, porém eventualmente emprega a inexigibilidade de conduta de diversa, vale ressaltar que o STF analisa a reincidência e ficha criminal do agente.

O Ministro Luiz Fux, na decisão proferida no Habeas Corpus 115.850/MG, dispõe:

O princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal. De fato, a lei seria inócua se fosse tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma, sob pena de verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida.

Para o STF, deve-se aplicar o princípio da insignificância ao furto famélico, observando todos os quatros requisitos desse princípio. No caso acima citado, não foi reconhecido, pois além do réu ser reincidente, possuía extensa ficha criminal.

POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Geralmente, fundamenta a atipicidade do “furto famélico” na aplicação do princípio da insignificância e na inexigibilidade de conduta diversa, que incide sobre a culpabilidade, sendo a vida pregressa desconsiderada, neste ponto, verifica-se que o STJ adota um posicionamento mais benéfico em relação ao STF.

As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal. A res furtiva considerada - alimentos e fraldas descartáveis-, caracteriza a hipótese de furto famélico.

No caso acima mencionado podemos perceber que os bens furtado são alimentos e fraldas descartáveis. Assim, verifica-se que mesmo não se tratando de alimentos as fraldas descartáveis foram inseridas no contexto famélico, por se tratar de uma necessidade iminente e imediata.

Afirmou-se furto famélico no sentido dos bens ora furtados, porém não houve aplicação da excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, oriunda da fome, pois, foi concedida baseando-se no princípio da insignificância.

CONCLUSÃO

Portanto podemos compreender que “furto famélico” se trata da subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel, praticada pelo agente com o intuito de suprir um desprovimento urgente e relevante. Para ser evitada a condenação injusta de uma pessoa pela prática de tal conduta, adotam-se meios que resultem no afastamento do crime.

Levando-se em consideração a Teoria Tripartida do conceito de crime, pode ser aplicado o Princípio da Insignificância, que excluí a tipicidade penal da conduta; a excludente da ilicitude consistente no estado de necessidade; ou, ainda, a inexigibilidade de conduta diversa, circunstância que incide sobre a culpabilidade do agente.

Desta forma, não é possível dizer que existe apenas uma hipótese correta, pois todas são aplicáveis e dependem exclusivamente das variáveis de cada caso concreto e do entendimento de cada julgador sobre elas. Todavia, adotando-se a Teoria Tripartida, não será outra a conclusão, idêntica para todos os fundamentos, senão a de que trata-se de conduta atípica.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF.

Greco, Rogério Código Penal Comentado - 11ª Ed. 2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial 2. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. V.

BRASIL. Superior Tribunal de Federal. HC 112262/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma.

Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=1954620&tipo=TP&descricao=Inteiro%20Teor%20HC%20/%20112262>

BRASIL. Superior Tribunal de Federal. HC 119672/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=6002273&tipo=TP&descricao=Inteiro %20Teor%20HC%20/%20119672

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 359572 / SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma.

Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1540742&num_registro=201601565576&data=20161005&formato=PDF>9

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 62417/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma.

Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=700580&num_registro=200601500708&data=20070806&formato=PDF>

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,furto-famelico-no-ordenamento-jurídico-brasileiro,46713.html

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