Obrigação de dar e de restituir coisa

22/11/2017 às 14:58

Resumo:


  • Obrigações de dar coisa certa envolvem a entrega de um item específico e individualizado, com a obrigação de conservação até a entrega e responsabilidade por riscos em caso de mora ou quando a coisa já estava a risco do credor.

  • Se a coisa certa se perder antes da entrega e sem culpa do devedor, a obrigação se extingue; se houver culpa, o devedor deve o equivalente mais perdas e danos. Melhoramentos ou acréscimos na coisa devem ser considerados no cumprimento da obrigação.

  • Obrigações de dar coisa incerta são definidas pelo gênero e quantidade, com a individualização ocorrendo no momento da escolha; a execução pode ser convertida para quantia certa se houver atraso na entrega que cause prejuízos ao credor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A obrigação de dar, no direito civil, é obrigação positiva. Esse tipo de obrigação consiste na entrega de uma coisa, seja a tradição realizada pelo devedor ao credor em fase de execução civil, seja a tradição constitutiva de direito, seja a restituição de coisa alheia a seu dono.

I - A OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA 

A obrigação de dar, no direito civil, é obrigação positiva.

Esse tipo de obrigação consiste na entrega de uma coisa, seja a tradição realizada pelo devedor ao credor em fase de execução civil, seja a tradição constitutiva de direito, seja a restituição de coisa alheia a seu dono.

Pode constituir meio para perfeição de um contrato real (penhor), como ainda para a transferência de posse para criar uma faculdade de uso (locação), como para execução de contratos de transferência de domínio (compra e venda).

Na lição de Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, volume II, 3ª edição, tradução Dr. Ary dos Santos, pág. 24), a obrigação positiva ou negativa  consiste num dar ou num fazer, ou em um não fazer.

Anote-se que a obrigação de fazer consiste,  na prática, em uma ou mais ações determinadas e lícitas, na prestação de serviços e distinguem-se as que têm caráter estritamente pessoal, que não podem ser prestadas senão pela própria pessoa do devedor (quer pelas suas qualidades intrínsecas e pessoais; quer pela razão da relação em que só ela se encontra), das outras que não têm tal caráter de modo que, com igual vantagem econômica, podem ser prestadas pelo devedor ou por outra pessoa. A obrigação de não fazer consiste em omitir, para a vantagem do credor, qualquer coisa que, se não fosse ela, o obrigado tinha a faculdade de fazer, ou em sofrer uma ação do outro. A solutio, que nas duas espécies se dá mediante a prestação ou execução do fato prometido, exerce-se mediante uma abstenção, no caso, mais ou menos prolongada, que mantém imutável o estado de fato desejado, de onde se segue que nem todas as regras da solutio ordinaria lhe são aplicáveis, nem a falta de cumprimento (que se verifica na prática de ação proibida), dando lugar a formas ordinárias de coação.

A obrigação de dar consiste quer em transmitir a propriedade ou outro direito real, quer na simples entrega de uma coisa em posse, em uso ou à guarda. Implica tal obrigação em conservar até a entrega e implica a responsabilidade do devedor por qualquer risco ou perigo desde que esteja em mora quanto à entrega, ou, mesmo antes dela, se a coisa estava a risco ou responsabilidade do credor.

A obrigação de dar coisa certa é a determinada a certum corpus. É  a determinada, perfeitamente individualizada. É tudo aquilo que é determinado de modo a poder ser distinguido de qualquer outra coisa.

Tal obrigação é regulada pelo Código Civil a partir do art. 233, salvo acordo entre as partes, ou seja, se as partes não ajustarem de modo diferente, vão prevalecer as disposições legais.

Assim, na obrigação de entrega de coisa certa, será fundamental a identidade da coisa devida, já que o devedor não se desobriga com a entrega de coisa diversa, ainda que seja mais valiosa.

Dispõe, com efeito, o art. 313 do Código Civil:

“O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.”.

A entrega de coisa diversa da prometida importa modificação da obrigação, denominada novação objetiva, que só pode ocorrer havendo consentimento de ambas as partes. Do mesmo modo, a modalidade do pagamento não pode ser alterada sem o consentimento destas.

Em contrapartida, o credor de coisa certa não pode pretender receber outra ainda de valor igual ou menor que a devida, e possivelmente preferida por ele, pois a convenção é lei entre as partes. A recíproca, portanto, é verdadeira: o credor também não pode exigir coisa diferente, ainda que menos valiosa.

Perdendo-se a coisa antes da tradição, ou pendente condição suspensiva, torna-se impossível a execução em espécie: se não houver culpa do devedor, resolve-se a obrigação; mas, se houver ele agido com culpa, responderá pelo equivalente da coisa perdida e indenizará ainda as perdas e danos resultantes. Esse equivalente deverá ser a sua estimativa pecuniária, e não a substituição da res debita por outra coisa semelhante, pois que as coisas certas não têm equivalente preciso em outras coisas, como ensinou Lafaille (Tratado de las obligaciones, II, 72).

Há, sem dúvida, a aplicação da teoria dos riscos no que concerne ao cumprimento dessas obrigações. A perda da coisa poderá corresponder a seu desaparecimento total ou de suas qualidades essenciais ou de se tornar indisponível, ou confundir-se com outra, ou situar-se em lugar que se tornou inatingível.

Se, em vez de perecer, a coisa a ser entregue se danifica, sem culpa do devedor, abre-se ao credor uma alternativa, de considerar resolvida a obrigação, pois que não pode ser compelido a receber coisa deteriorada ou diferente da devida; ou aceitá-la no estado em que se acha, com direito ainda a reclamar a composição de perdas e danos.

Sendo de restituição a obrigação, a deterioração sem culpa imposta apenas em ser obrigado o credor a receber a coisa no estado em que se acha, já que não é possível, dada a própria natureza da obrigação, admitir-se a alternativa instituída para evento idêntico na obrigação de dar. Como ensinou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume II, 1976, pág. 54), se, porém, houver o devedor procedido culposamente, poderá o credor exigir o equivalente da coisa danificada ou recebê-la mesmo deteriorada, embolsando, ainda, num ou noutro caso, a indenização por perdas e danos.

Na obrigação de dar, consistente em restituir coisa certa, dono é o credor, com direito à devolução, como sucede no comodato e no depósito, por exemplo. Nessa modalidade, inversamente, se a coisa teve melhoramento ou acréscimo, “sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização” (CC, art. 241).

Todavia, se para o melhoramento ou aumento “empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé” (CC, art. 242). O art. 1.219 do Código Civil, normatiza:                          Art. 1.219

“O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis”.

Se a coisa receber melhoramentos ou acréscimos antes da tradição, tem o devedor direito de exigir aumento no preço, correspondente aos melhoramentos e acréscimos. Se o credor assim não anuir, fica o devedor com a faculdade de resolver a obrigação.

Sendo de restituir, o credor lucra o incremento, sem a obrigação de pagar qualquer indenização, no caso de aumento, ou a melhoria se ter verificado sem trabalho ou dispêndio do devedor.  Mas se este houver contribuído, de uma ou outra forma, aplicam-se os princípios relativos a benfeitorias.

Se a coisa é frugífera, cabem ao devedor os frutos percebidos até o momento da tradição e, ao credor, os pendentes. Na de restituir, há o entendimento de aplicação com relação ao direito aos frutos.

Em linhas gerais, o procedimento para a execução das obrigações de entregar coisa incerta não difere do procedimento da execução das obrigações de entregar coisa certa. Encontra-se regido pelos artigos 629 e seguintes do Código quando fundada em título extrajudicial e no art. 461-A em se tratando de título judicial. Contudo, levando em conta que o objeto da obrigação é identificado apenas pelo gênero e quantidade, há um momento necessário, a fim de se individualizar a coisa, chamado de “concentração da obrigação.”. Basicamente, trata das regras para a escolha da coisa. Segundo dispõe o art. 629, o devedor será citado para entregar a coisa já individualizada, salvo se a escolha couber ao credor, caso em que ele deverá indicar a coisa escolhida, já na inicial. Vale fazer referência à observação posta por Alexandre de Freitas Câmara, de que, quando se tratar de coisa fungível, tratar-se-á de coisa certa e não, propriamente de coisa incerta. Diz ele (Lições de Direito Processual Civil. 14. ed. v. 2. Rio Janeiro: Lúmen Júris, 2007 ):

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“A obrigação de entregar coisa fungível (ou coisas fungíveis) deve ser tratada como obrigação de entregar coisa certa. Isto porque a coisa fungível, por definição, pode ser substituída por outra de mesmo gênero, qualidade e quantidade. Deste modo, sendo alguém obrigado a entregar dez sacas de feijão preto, pouco importa – já que a qualidade deve ser sempre a mesma – se são entregues estas ou aquelas sacas. Não há que se falar, assim, em escolha, porque esta não faz nenhum sentido quando as coisas entre as quais se deve escolher são idênticas. Assim, parece-nos mais adequado considerar que o CPC, ao tratar da execução para entrega de coisa incerta, está se referindo às hipóteses em que alguém é obrigado a entregar coisa indeterminada (mas determinável), devendo o objeto a ser entregue ser escolhido entre coisas de qualidade diversa.”. 


ii - A OBRIGAÇÃO DE DAR COISA INCERTA 

Na obrigação de dar coisa incerta, se as coisas são indicadas pelo gênero e pela quantidade, a obrigação é útil e eficaz, embora falte a individualização da res debita. A sua individualização far-se-á por circunstâncias ou elementos de fato, como ainda por outras eventuais, intrínsecas ou extrínsecas.

Feita a escolha ou pelo credor (quando a este é atribuída no título) ou pelo devedor (na falta dessa menção), perde a prestação o caráter de indeterminação, que é provisória. Assim essa transmudação de categoria ocorre num instante, o da escolha, e a coisa que era indeteriorável e imperecível, por aquele fato se torna suscetível de dano ou perda.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça emitiu importante decisão na matéria, no REsp 1.507 339.

Por unanimidade de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de conversão de procedimento de execução para entrega de coisa incerta em execução por quantia certa, na hipótese de ter sido entregue a coisa perseguida, mas com atraso, gerando prejuízos ao credor da obrigação.

O caso envolveu execução de título extrajudicial para entrega de coisa incerta, consubstanciada em cédula de produto rural na qual o executado se comprometeu a entregar 260.148 quilos de soja. Como só houve o parcial cumprimento da obrigação, com a entrega de 179.095 quilos, o credor requereu que, não sendo encontrada a coisa perseguida, fosse convertida a execução para entrega de coisa incerta em execução por quantia certa.

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, entendeu ser “possível a conversão da execução para entrega de coisa incerta em execução por quantia certa, quando entregue a coisa perseguida com atraso, desde que haja certeza e liquidez da obrigação, extraindo-se essa conclusão da leitura combinada dos enunciados normativos dos artigos 624, segunda parte, do CPC/73 e do artigo 389 do Código Civil/02”.

O ministro destacou que, apesar de o meio executório não ter sido frustrado, o novo Código de Processo Civil, no artigo 807 (antigo artigo 624), estabelece que “se o executado entregar a coisa, será lavrado o termo respectivo e considerada satisfeita a obrigação, prosseguindo-se a execução para o pagamento de frutos ou o ressarcimento de prejuízos, se houver”.

“Evidentemente que o pano de fundo do presente litígio será preservado para eventuais embargos à execução, quando, oportunamente, se debaterá acerca de quem deu causa à mora geradora dos prejuízos perseguidos na execução convertida. Isso, contudo, não afasta a possibilidade de se prosseguir na via executória, pois a certeza e a liquidez se fizeram presentes, ficando, portanto, dispensada a cognição probatória de uma nova ação de conhecimento”, concluiu o relator.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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