Agiu bem o Supremo Tribunal Federal, por sua presidência, em deferir a Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 801 para suspender a execução de ação coletiva, ajuizada pela Associação Nacional dos Policiais Militares do Ex-Território Federal de Rondônia (Aspometron) contra a União, até o trânsito em julgado de recurso, em tramitação no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), no qual se discute a delimitação dos beneficiados. A ministra destacou que a potencialidade de grave dano à ordem financeira e a existência de decisão do STF que delimita os efeitos de decisão favorável apenas aos interessados que constassem da relação inicial do processo de conhecimento justificam a suspensão da antecipação de tutela.
No caso dos autos, a União foi condenada a promover a transposição dos policiais e bombeiros militares, ativos, inativos e pensionistas, que foram admitidos (nomeados e incluídos) na Polícia Militar de Rondônia, no período compreendido entre 22/12/1981 a 15/03/1987. Na fase de execução, foi atendido pedido da União para que o título executivo (que delimitou os efeitos da condenação) ficasse restrito aos associados que constassem da relação incluída junto à petição inicial. Posteriormente, o TRF-1 deferiu tutela antecipada para determinar o prosseguimento da execução em relação aos que não autorizaram sua participação na ação.
Ainda, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal negou Mandado de Segurança (MS 30421) impetrado, com pedido de liminar, contra ato do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou a revisão dos anuênios de seus servidores, que foram integrantes das Forças Armadas, mediante prévio processo individualizado. Os autores pretendiam manter o recebimento dos anuênios, adquiridos sob o regramento militar.
Neste último caso, o ministro Roberto Barroso também mencionou decisão proferida pela ministra Cármen Lúcia no RE 759434 quanto à impossibilidade de servidor que alcançou anuênios quando ainda fazia parte da carreira militar carregá-los para o regime jurídico dos servidores públicos civis. Segundo ele, a decisão da ministra foi fundada na inexistência de direito adquirido a regime jurídico.
Apenas a Lei em sentido formal (ato normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem o ingresso no serviço públicos. As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal, revestem-se de inconstitucionalidade, como ensinou José Celso de Mello Filho (Constituição Federal Anotada).A Constituição Federal exige o concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público. Ademais é mister que haja pertinência nas disciplinas escolhidas para comporem as provas, assim como os títulos, a que se reconhecerá valor com a função a ser exercida.
Por sua vez, Adilson Dallari (Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1990, pág. 36) define concurso público como sendo “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição de conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados”.
A Constituição de 1988 utiliza a palavra investidura para designar o preenchimento de cargo ou emprego público. Como bem disse Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, volume III, tomo III, 1992, pág. 67), não se fala mais, como ocorreu no passado, em primeira investidura, para deixar certo que se cuida de todas as hipóteses em que se dá a condição de ingresso no quadro de servidores públicos. Assim, a Constituição repudia aquelas modalidades de desvirtuamento da Constituição anterior criadas por práticas administrativas, que acabaram por custar o espírito do preceito. Exemplificou Celso Bastos com o que acontecia com o chamado instituto da transposição, que, com a falsa justificativa de que o beneficiado já servidor público era, guindava-o para novos cargos e funções de muito maior envergadura e vencimentos que não nutriam, contudo, relação funcional com o cargo de origem, com o beneplácito da legalidade sob o fundamento de que primeira investidura já não era.
O Supremo Tribunal Federal consagrou jurisprudência, de natureza quase principiológica, segundo a qual “não há direito adquirido a regime jurídico” (RE 227755 AgR / CE, dentre muitos).
A ilação tem sido repetida em diversos julgados:
“CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEI SUPERVENIENTE ESTABELECENDO VENCIMENTO ÚNICO PARA A CARREIRA. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA, ASSEGURADA A IRREDUTIBILIDADE DO VALOR PERCEBIDO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que não existe direito adquirido nem a regime jurídico, nem aos critérios que determinaram a composição da remuneração ou dos proventos, desde que o novo sistema normativo assegure a irredutibilidade dos ganhos anteriormente percebidos. 2. Não havendo redução dos proventos percebidos pelo inativo, não há inconstitucionalidade na lei que estabelece, para a carreira, o sistema de vencimento único, com absorção de outras vantagens remuneratórias. 3. Agravo regimental desprovido. (RE 634.732 AgR-segundo, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 19-06-2013)
“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Servidor público aposentado. Magistério. Reenquadramento. Alteração da carga horária semanal. Redução dos proventos.
Princípio da irredutibilidade de vencimentos. Ofensa reflexa. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. É pacífica a jurisprudência da Corte de que não há direito adquirido à manutenção da forma de cálculo da remuneração, o que importaria em direito adquirido a regime jurídico, ficando assegurada, entretanto, a irredutibilidade de vencimentos. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional local e o reexame dos fatos e das provas da causa. Incidência das Súmulas nºs 280 e 279/STF. 3. Agravo regimental não provido” (ARE 734.020 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 09.8.2013).
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS. GRATIFICAÇÃO DE SUPERVISÃO DE DIVISÃO. LEI MUNICIPAL 6.767/91. EXTENSÃO AOS INATIVOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 5º, XXXVI; E 40, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA STF 279. 1. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que descabe alegar direito adquirido a regime jurídico, bem como de que não há violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, quando preservado o montante global da remuneração do servidor pela legislação superveniente. 2. Necessidade do reexame de fatos e provas para aferir se houve decréscimo ou não nos vencimentos do ora agravante. Incidência da Súmula STF 279. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido” (AI-AgR 490.910, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 18.9.2009).
Como ensinou Savigny (Traité de Droit Romain, Paris, Tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), há leis de existência de direitos. É sua lição que leis relativas à existência, inexistência, ou modo de existência dos direitos eram definidas como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento sob tal ou tal forma, antes que se coloque a questão de sua aplicação a determinado indivíduo, antes da criação de uma relação jurídica concreta. Essas leis têm efeito retroativo, pois a proibição da retroatividade ou ainda a manutenção dos direitos adquiridos não têm sentido.
Por sua vez, não se está diante de leis relativas a aquisição ou a perda de direitos, que não podem ser retroativas e devem respeitar a direitos adquiridos.