A ortotonásia e o ordenamento jurídico brasileiro.

Um embate entre o Direito e a medicina na regulamentação dessa prática

Leia nesta página:

Trata-se de um estudo sobre a prática da ortotanásia no ordenamento jurídico brasileiro, que é compreendida como o não prolongamento artificial do processo de morte. Analisando leis e resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre a prática.

 

INTRODUÇÃO

 

A palavra ortotanásia, etimologicamente, significa uma forma de não prolongar artificialmente o processo de morte. Pode-se afirmar que semanticamente seria uma forma ‘digna’ de morrer. Conceito esse ligado ao de eutanásia passiva, por tratar-se de uma opção por morrer de forma natural.  

Muitos são os relatos da interferência humana no processo de morte, desde a antiguidade. Mas, com os avanços tecnológicos em diferentes áreas do conhecimento humano, entre elas a medicina, surgiu diferentes possibilidades de prolongar a vida humana, ou em outras palavras de adiar a morte natural superficialmente.

Tendo em vista esses avanços permitidos pelas sociedades contemporâneas, a ortotanásia passou a adotar um conceito mais amplo, não se tratando apenas da omissão médica, ou seja, da opção de morrer naturalmente, mas também envolvendo os cuidados que são necessários para se aliviar os sintomas, e a amenização do sofrimento dos pacientes em fase terminal.

Junto aos avanços médicos, acompanhando as relações que envolvem a ética e os valores morais, bem como as garantias fundamentais fomentadas pela Constituição, está o ordenamento jurídico. O Direito busca regulamentar as ações do homem, sob a égide de proporcionar ao indivíduo a segurança gerada por princípios que devem ser respeitados, para um melhor convívio social.

Apesar da eutanásia, que significa o direito de morrer dignamente, ser proibida no ordenamento jurídico brasileiro, tratando-se de crime de homicídio, a ortotanásia é regulamentada pelo CFM, que por meio da Resolução nº 1.805/2006 garante que pacientes acometidos por enfermidades graves e incuráveis podem ter seu tratamento médico limitado ou suspenso, deixando que a morte siga seu curso natural e não retardando o processo.

Dessa forma a ortotanásia é configurada pela não utilização de terapias, ou pela interrupção a tratamentos, que prolongariam a morte propínqua de um paciente portador de uma enfermidade incurável e irreversível.  Sua principal diferença da eutanásia reside no desejo expresso do paciente em relação a sua morte, pois a ortotanásia não se limita a vontade do paciente, mas a opção médica de não prolongar e nem antecipar, aguardar pela naturalidade da fatalidade iminente.

Para os defensores da ortotanásia, essa prática só reconhece o momento natural da morte de um indivíduo, sem promover ou acelerá-la, diferente de pacientes com morte encefálica, cuja Lei n.º 9.434/97 permite a retirada dos órgãos para fins de transplantes.

Tendo em vista essa problemática, que envolve valores éticos e morais na escolha por uma forma digna de morrer naturalmente, bem como as variantes possíveis dessa interpretação, é que a presente pesquisa buscou analisar como a ortotanásia é tratada no ordenamento jurídico brasileiro.

Para isso, optou-se por uma pesquisa qualitativa, de base bibliográfica, que trouxesse reflexões sobre a temática, e possíveis esclarecimentos, proporcionando aos interessados uma maior gama de possibilidades a respeito do assunto, permitindo que o trabalho aqui realizado, sirva de base para um olhar mais aprofundado sobre o problema.

Buscando o alcance do objetivo acima citado, o estudo foi dividido em dois capítulos, o primeiro aborda o conceito de ortotanásia e sua relação com a dignidade e a liberdade do paciente em relação a morte, atentando para as semelhanças e diferenças entre essa prática e a eutanásia, bem como as reflexões de diferentes doutrinadores dobre a temática. O segundo aborda a ortotanásia no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as resoluções que envolvem a temática.

 

1.            ORTOTANÁSIA: REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Trata-se da prática de cuidados atenuantes, capazes de manter a qualidade de vida dos pacientes terminais, reduzindo o sofrimento sem fazer uso de tratamentos artificiais e invasivos, no intuito de prolongar a vida, em casos que não existem mais alternativas de reversão ou cura. Nesse processo a morte é tratada como algo natural, comum a todo ser humano, um processo certo, pelo qual todo indivíduo passará.

 

 

Ortotanásia: Palavra também oriunda do grego pela junção do prefixo ORTO (correto) com a palavra THANATOS (morte). É utilizada para caracterizar a morte natural em que o paciente é atendido em seus últimos momentos com humanidade, atenção, procurando-se aliviar os seus sofrimentos, porém sem insistir em terapêuticas e procedimentos cuja efetividade inexiste para o paciente (ANDRADE, 2011, p. 29).

 

 

 

Para Borges (2001, p.287) “a ortotanásia, etimologicamente, significa morte correta, orto: certo, thanatos: morte. Significa o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural, feito pelo médico”. Seu conceito se aproxima muito do da eutanásia, chegando a ser chamada por alguns estudiosos de eutanásia passiva.

Por eutanásia entende-se o ato de por fim a vida de um indivíduo que sofre de uma enfermidade ou condição, incurável, que lhe cause dores e sofrimentos. Seu objetivo é uma morte digna, sem dores e sofrimentos, ocorre geralmente com o consentimento do paciente e (ou) de sua família.

Ela se classifica em ativa, quando existe a ação de matar, ou seja, a morte acontece com o conhecimento do paciente e da família, por meio de injeções letais, ou medicamente, antecipando a morte do enfermo. E em passiva, que ao invés de uma ação, ocorre uma omissão, com o fim de não prolongar a vida, suspendendo tratamentos, como a retirada da oxigenação, de remédios, deixando o paciente falecer.

É desse ultimo tipo de eutanásia que a ortotanásia mais se aproxima, mas depois da resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1.805/2006, os conceitos ganharam divergências, a ortotanásia tornou-se mais abrangente, não se tratando apenas de omissão, mas passou a envolver o alívio das dores, os cuidados paliativos, no intuito de evitar o sofrimento (PAULA, 2015).

Outro conceito ao qual a ortotonásia está ligada é o de distanásia, que busca manter vivo o paciente por meio de aparelhos e tratamentos paliativos, causando mais sofrimentos e gastos desnecessários, que não terão efeito e nem resultados (BOECHAT; GREGÓRIO, 2012).

Podem-se resumir os principais conceitos, relacionados a intervenção nos processos de morte, da seguinte forma:

 

·         Ortotanásia – morte certa;

·         Eutanásia – por fim a vida;

·         Distanásia – afastamento da morte.

Dessa forma, a ortotanásia reside entre um meio termo dos dois conceitos, ela não é radical como a eutanásia, que busca por um fim a vida, apesar de visar a morte, ela busca o curso natural das coisas, o deixar acontecer. E nem adiando demais uma morte certa, causando mais dores e sofrimentos ao paciente, uma vez que, ela busca amenizar o sofrimento com tratamentos paliativos, mas sem retardar o processo natural de morte.

 

No que diz respeito à forma de atuação do agente (ou ao modo de execução), divide-se a eutanásia em ativa, quando decorrente de uma conduta positiva, comissiva; e passiva, quando o resultado morte é obtido a partir de uma conduta omissiva.  Note-se que as condutas médicas restritivas não devem ser confundidas com a eutanásia passiva, embora seja praxe fundi-las. A eutanásia passiva, bem como a ativa, tem por busca de resultado promover a morte, a fim de, com ela, pôr termo aos sofrimentos. Apenas difere no meio empregado, que é uma ação numa e uma omissão noutra. Nas condutas médicas restritivas, o desejo não é matar, mas sim evitar prolongar indevidamente a situação de esgotamento físico – o que caracteriza a ortotanásia (VILLAS-BÔAS, 2008, p. 63).

 

 

De acordo com Villas-Bôas (2008), apesar de sutil, a diferença entre eutanásia passiva e ortotanásia são muito importantes, quando relacionadas ao tratamento jurídico, referente a ilicitude da primeira, em que se omitem arbitrariamente tratamentos ainda necessários ao paciente. E a licitude da segunda, referente a conduta médica restritiva, propagada por meio de critérios científicos que indicam ou não as medidas paliativas a serem usadas, optando-se pela suspensão ou abstenção, sem melhorar a existência terminal.

A ortotanásia se depara com conflitos referentes ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana, em relação aos que defendem a prática, eles não defendem a abreviação da vida, mas ligam o conceito somente em situações cujo paciente não tem chances de cura, ou de solução, em que a morte é iminente e não tem como se evitar (PAULA, 2015).

 

O direito à vida deve ser sim respeitado, mas o que se pretende desmistificar é que a prática da ortotanásia não está em conflito com o direito à vida, ao contrário está amparando uma vida digna e consequentemente uma morte digna, respeitando a dignidade da pessoa humana, pois até onde vale a pena se viver? A prática da ortotanásia busca dar a possibilidade do doente terminal usufruir dos seus últimos momentos ao lado de sua família e amigos, abandonando tratamentos onde só aumentam a angustia, dor e sofrimento tanto do doente quanto de sua família (PAULA, 2015, p. 16).

 

 

Tratando-se de direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana é um pilar do assunto, amparado pela Constituição Federal (1988), rege todo ordenamento jurídico. Sob essa ótica, as questões referentes a vida e a morte fazem jus a autonomia existencial, permitindo a liberdade de escolha e a prevalência da vontade em relação a hora de morrer, permitindo que a dignidade prevaleça não apenas em relação a vida como também a morte (BOECHAT; GREGÓRIO, 2012).

Corroborando com a assertiva acima, pode-se afirmar que a autonomia está centrada na integridade, e que o poder de escolhas estimula a capacidade das pessoas administrarem suas vidas de acordo com as concepções e caráter de cada um, estabelecendo o que é mais importante. Assim, nas palavras de Dworkin (2009, p.319):

 

A concepção de autonomia centrada na integridade não pressupõe que as pessoas competentes tenham valores coerentes, ou que façam as melhores escolhas, ou que sempre levem vidas estruturadas e reflexivas. [...] A autonomia estimula a capacidade geral das pessoas de conduzir suas vidas de acordo com uma concepção individual de seu próprio caráter, uma percepção do que é importante para elas.

 

 

Complementando o sentido de Liberdade em relação a ortotonásia, está a dignidade da pessoa humana, trata-se de um fundamento garantido na Carta Magna, em seu art. 1º, inciso III, que afirma:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).

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Trata-se, portanto, de uma qualidade de cada ser humano, que merece respeito e tratamento igualitário do Estado e da comunidade a qual está inserido, tornando-se, assim, direitos e deveres, assegurados contra atos que sejam degradantes ou até mesmo desumanos. Como explica Sarlet (2006, p. 236-237).

 

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável [sic] nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

 

 

Alguns doutrinadores defendem o princípio da dignidade humana como sendo um dos mais importantes, pois ele rege a organização das legislações do Estado, tornando-se um paradigma ético, um referencial a ser seguido. Portanto, todas normas devem seguir e respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, correndo o risco de se tornar inconstitucional, e sofrer as sanções desta eventual violação (SANTORO, 2012).

 

2.            A ORTOTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

A ortotanásia não é uma prática prevista no ordenamento jurídico brasileiro, não existe nenhum tipo penal específico no Código Penal em vigência sobre o tema. Alguns doutrinadores penalistas defendem o enquadramento dessa prática em crimes como omissão de socorro, previsto no art. 135 do Código Penal, ou homicídio privilegiado, art. 121, § 1º do Código Penal (TEIXEIRA, 2015):

 

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena:

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (BRASIL, 1940).

 

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. (BRASIL, 1940).

 

Porém, não se deve permitir que a Lei viesse a ser tratada como uma interpretação análoga, quando esta não for clara de forma suficiente, utilizando-se de aspectos semelhantes para suprir a ausência do que se busca. Com o afirma Nucci (2009, p.59) quando diz que “os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanado do Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal”.

Ainda sobre o princípio da legalidade Teixeira (2015) afirma aduz que cominando com o princípio da anterioridade e retroatividade da lei, o artigo 1º do Código Penal (1940), estabelece que: “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Portanto, como não existe lei que prevê a ortotanásia como um crime, não existe forma de culpar o agente, pelo fato de haver incompatibilidade da conduta.

 

Para que a ortotanásia se enquadre nos tipos penais anteriormente citados, teria que ter do agente (profissional médico) uma conduta dolosa, na qual, ele tivesse a vontade livre e consciente de querer tirar a vida do paciente, ou até mesma culposa, na qual, por imprudência, negligência ou imperícia ele deixasse de observar um dever de cuidado, que resultasse na morte do paciente. (SANTORO, 2012, p. 142).

 

Complementando o sentido das afirmativas dos autores acima, pode-se ainda afirmar que:

 

Nem mesmo há que se falar em omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal, pois na ortotanásia a morte é natural, decorrente da patologia que acomete o enfermo, e não por uma conduta médica omissiva, pois não se busca aqui abreviar a vida do paciente, mas sim evitar o prolongamento de seu martírio (CABETTE, 2013, p. 89-91).

 

 

Vale ainda salientar que à prática da ortotanásia não se aplica o disposto no art. 13, § 2º do Código Penal, crime omissivo impróprio, pois para que exista esse crime deve-se ter o dever de agir do omitente, que deveria fazer o possível para evitar que o omitido venha a sofrer danos. O omitente assume, portanto, a ‘posição de garante’ frente ao omitido (SANTORO, 2012, p. 147-149).

Buscando evitar a problemática acima, e com base no princípio da igualdade humana, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução 1.805, em novembro de 2006, que tem por finalidade tratar da prática da ortotanásia, buscando regulamenta-la, fornecendo aos médicos orientações éticas de como proceder com pacientes em estado terminal.

Em seu preâmbulo ela já fornece ao médico, de forma concisa e clara, informações sobre suas funções, mostrando que a prática da ortotanásia é permitida, com algumas ressalvas:

 

 

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).

 

Portanto, o médico deve ter o cuidado de acatar o consentimento informado do paciente e de lhe prestar os cuidados paliativos, capazes de aliviar as dores e sofrimentos, assegurando-lhe o direito de procurar uma segunda opinião médica (TEIXEIRA, 2015).

 

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

 

§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

 

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).

 

A essa resolução foi impetrada uma ação civil pública, com pedido de liminar, nº 2007.34.00.014809-3, ajuizada pelo Ministério Pública Federal, alegando que o Conselho Federal de Medicina não possuía competência para regular assuntos relacionados a indisponibilidade do direito à vida, e que esse tema era matéria exclusiva da alçada do Congresso Nacional, e que essa resolução estimula os médicos na prática de crimes de violações contra a vida (MENEZES, 2015).

Para melhor entender o teor desta ação, Menezes (2015, p. 89) afirma que:

O Ministério Público Federal pleiteou a revogação imediata da Resolução ou, alternativamente, a sua alteração de forma a contemplar todas as possibilidades terapêuticas e sociais envolvidas, definindo critérios objetivos e subjetivos para a prática da ortotanásia, incluindo, obrigatoriamente, uma equipe multidisciplinar para a avaliação do caso, em seus aspectos médicos, psicológicos, psiquiátricos, econômicos, sociais, etc., e que após o parecer favorável desta equipe, os médicos fossem obrigados a comunicar e a submeter previamente cada pedido de paciente ou seu representante legal, bem como os diagnósticos médicos à apreciação do Ministério Público e do Poder Judiciário.

 

 

 

Menezes (2015) continua explicando que a ação venceu em sede liminar, suspendendo os efeitos da resolução, uma vez que, o magistrado entendeu que a prática da ortotanásia ‘parecia caracterizar o comportamento do crime de homicídio’, assim, além de acatar os argumentos do Ministério Público federal, de que essa prática deveria ser regulamentada, através de lei aprovada pelo parlamento e não pelo Conselho Federal de Medicina.

Por sua vez, sendo revisada a ação, uma nova procuradora entendeu a legalidade do procedimento, com base no princípio constitucional da independência funcional, assim a procuradoria revisou e retificou a decisão liminar, afirmando que o Conselho Federal de Medicina é apto a editar a resolução, pois o tema não faz relação a práticas penais, mas sim a conduta médica. E que de acordo com a Carta Magna a ortotanásia não constitui um crime de homicídio, e que a resolução não trouxe grandes mudanças as condutas médicas em relação a pacientes terminais, não existindo danos, e sim incentivando a clareza dos médicos em descreverem os procedimentos adotados em tais situações. Concluindo pela improcedência da ação e pela revogação da liminar (MENEZES, 2015).

Três anos depois, em 2010, outro magistrado proferiu sentença sobre o caso, revogando a liminar concedida anteriormente e julgando improcedente o pedido feito pelo Ministério Público Federal:

 

Sobre muito refletir a propósito do tema veiculado nesta ação civil pública, chego à convicção de que a Resolução CFM n. 1.805/2006, que  regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto. Alinho-me, pois, à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o processo e pelo Ministério Público Federal nas suas alegações finais, haja vista que traduz, na perspectiva da resolução questionada, a interpretação mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina. (ACP Nº, 2007.34.00.014809-3. Juiz Federal Roberto Luis Luchi Demo. Decisão em 06 dez. 2010).

 

 

Assim, pode-se afirmar que esse foi um grande passo para o reconhecimento e regulamentação da prática da ortotanásia no direito brasileiro, mostrando avanços entre diferentes áreas, como a do Direito e da medicina, em prol de valorizar e garantir a dignidade da pessoa humana.

Outros passos importantes foram tomados em relação a prática da ortotanásia, principalmente relacionados as condutas médicas, além do novo código de ética médico, que garantiu uma maior aproximação da conduta média e do ordenamento jurídico brasileiro, regulamentado as relações entre médico e paciente, de forma mais eficaz, foi editada uma nova resolução pelo Conselho Federal de Medicina, a de nº 1.995 em 2012, regulamentando as diretivas antecipadas do paciente.

 

Nas situações em que o paciente não mais puder expressar o seu desejo, de modo livre e independente, o médico deverá respeitar as suas diretrizes antecipadas da vontade, salvo se estiverem em desacordo com o disposto no Código de Ética Médica (TEIXEIRA, 2015, p. 39).

 

 

Essa resolução também foi contestada pelo Ministério Público Federal, assim como na anterior, por meio de uma ação civil, de nº 1039-86.2013.4.01.3500, com pedido de tutela antecipada, denegado em 2013, e proferido sentença em 2014, da qual o magistrado julgou improcedente o pedido. Esclarecendo que:

 

 

A Resolução trata de diretivas para qualquer paciente que venha a ficar incapacitado de expressar a sua vontade, e não apenas para os casos de ortotanásia, como o Ministério Público havia sugerido na inicial. Entendeu também, que o Conselho Federal de Medicina não extrapolou os poderes normativos conferidos pela Lei 3.268/57, tendo vista que a resolução apenas regulamenta a conduta médica frente ao paciente e o desejo deste de se submeter ou não a medidas terapêuticas (DADALTO, 2013, p. 107).

 

 

Assim, essa resolução teve como intuito garantir os direitos do paciente, assegurando sua manifestação prévia de vontade, respeitando o principio da autonomia, bem como da dignidade da pessoa humana.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A ortotanásia entendida como uma prática de não prolongar a vida de pacientes com enfermidades terminais, proporcionando-lhe a espera por morrer sem dores ou sofrimentos, está ligada a opção de morrer de forma natural, garantindo o princípio da dignidade e da liberdade de escolha.

Por meio dos avanços tecnológicos, a medicina e o direito têm evoluído, garantindo aos pacientes a autonomia de decidir sobre suas próprias vidas, bem como sobre a escolha de como morrer, se naturalmente ou superficialmente. Assegurando a dignidade da pessoa humana.

Muito ainda tem a ser discutido e debatido, sobre essa temática, pois quando o assunto envolve viver ou morrer, são essenciais reflexões que levem a uma melhor compreensão do tema, antes de qualquer tipo de posicionamento, uma vez que, assuntos relacionados a temas tão primordiais, requerem fundamentos e base sobre diferentes pontos de vista.

A proximidade da ortotanásia com práticas proibidas no nosso ordenamento, como a eutanásia e a distanásia, levam a preconceitos relativos a cerca do tema, antes mesmo de um embasamento relativo ao assunto. E a falta de uma legislação que defina essa prática permite que sua aplicabilidade no meio médico ocorra sem precedentes que a definam como um crime.

Buscando regularizar as práticas médicas e garantir que os direitos dos pacientes com enfermidades incuráveis e em fase terminal tenham asseguradas sua dignidade como pessoa e garantidos seus direitos de autonomia e liberdade em escolher como desejam morrer, tendo como conforto a segurança de ter suas dores e sofrimentos aliviados, por meio de medicamentos.

Na busca por analisar como a ortotanásia é tratada no ordenamento jurídico brasileiro, a presente pesquisa se baseou em estudos e trabalhos de autores como Andrade (2011), Borges (2001), Dworkin (2009), Menezes (2015), Paula (2015), Santoro (2012), Villas-Bôas (2008), entre outros. Que permitiram uma maior reflexão sobre o assunto.

Tendo em vista o objetivo de conceituar a ortotanásia e relacioná-la com a dignidade do paciente em relação a morte, atentando para as semelhanças e diferenças entre essa prática e outras semelhantes, como a eutanásia e a distanásia, concluiu-se que diferente de outros conceitos, ela é um meio termo, nem limitando a vida como a eutanásia e nem prolongando em excesso como a distanásia. Trata-se do direito de morrer naturalmente, de acordo com a escolha de cada indivíduo, de ter assegurada a dignidade de escolher como viver ou como morrer, garantindo o princípio da liberdade, como assegura a Constituição Federal.

Quanto a sua abordagem no ordenamento jurídico brasileiro, não existe lei que a defina, desqualificando-a como um crime. Mas cabendo as resoluções regulamentarem as práticas médicas que envolvem a escolha dos pacientes e o direito ao alívio de dores e sofrimentos, provocados por uma enfermidade incurável, que tem como iminência a morte. As resoluções também permitem uma aproximação entre a medicina e o direito, permitindo que as condutas, excessos e omissões sejam melhores avaliadas a luz do ordenamento jurídico.

REFERÊNCIAS 

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VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Revista Bioética, Brasília, v. 16, n. 1, p. 61-84, mês. 2008. Disponível em: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/56.  Acesso em: 12 de novembro de 2017.

 

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Sobre os autores
Alisson Darlengue

Acadêmico de Direito.

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