RETOMADA DO IMÓVEL NA LOCAÇÃO APÓS PRAZO CONTRATUAL
Rogério Tadeu Romano
De acordo com a Lei do Inquilinato, nos contratos residenciais assinados antes de 20/12/90, o proprietário que desejar retomar seu imóvel terá que dar um prazo de 12 meses para a desocupação. Nas locações efetuadas após a data acima mencionada, caberá a denúncia vazia (pedido de retomada sem justificação) para os contratos com prazo igual ou superior a 30 meses. Terminado este prazo, o locador que desejar reaver seu imóvel deverá dar ao inquilino 30 dias para a desocupação. Nas locações celebradas por tempo inferior a 30 meses a denúncia vazia caberá após cinco anos ininterruptos de locação.
Além da denúncia vazia, o locador poderá solicitar judicialmente o imóvel, promovendo ação de despejo, no caso de contratos negociados por período inferior a 30 meses e que estejam no prazo indeterminado (após o término de vigência), para uso próprio, do cônjuge, dos pais ou dos filhos (desde que não disponham de imóvel residencial próprio); para demolição e edificações aprovadas; ou para obras que aumentem a área construída em, pelo menos, 20%. Quando o inquilino deixa de efetuar o pagamento do aluguel ou dos encargos da locação (condomínio, água, luz etc.), o locador poderá entrar com uma ação de despejo. Nesses casos, o locatário sendo citado, terá prazo de 15 dias para contestar esta ação ou pedir ao juiz para designar data para ser depositado o aluguel (purgação de mora). Em ambos os casos há a necessidade de constituir um advogado. A ação de despejo tem natureza executiva lato senso.
Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Se tiver prazo menor que trinta meses, o locador somente poderá retomar o imóvel nos casos previstos no artigo 47, dentre os quais podemos citar: por mútuo acordo, infração legal ou contratual, falta de pagamento do aluguel e encargos, reparos urgentes determinados pelo Poder Público, extinção do contrato de trabalho, para uso próprio etc.
A norma em tela prevê a nulidade de pleno direito das cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da Lei. Qualquer cláusula no sentido de obrigar o inquilino a desocupar o imóvel antes do término do contrato, sem dúvida alguma se insere entre os objetivos primordiais da Lei. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, segundo a proporção.
O novo Código Civil (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002) trata da proporcionalidade da cláusula penal, no artigo 413: A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Chama-se de denúncia vazia a possibilidade de o locador solicitar a retomada do imóvel sem a necessidade de apresentar justificativas. Em contrapartida, a denúncia cheia exige que sejam indicadas as motivações expressas em lei. Ocorrendo qualquer das duas situações, o contrato de locação será extinto. O caput do art. 46 da Lei do Inquilinato assenta a hipótese em que se operará a cessação do contrato, sem a exigência de notificação ou aviso. Ou seja, encerra-se o negócio jurídico com o mero decurso do prazo. No entanto, se o locatário prosseguir na posse do imóvel por período superior a 30 (trinta) dias, prorroga-se o contrato por prazo indeterminado e a denúncia só poderá ser feita mediante notificação.
O art. 46, caput, traz a expressão "por prazo igual ou superior a trinta meses", sem permitir explicitamente a contagem de múltiplos instrumentos negociais, ainda que haja apenas a prorrogação dos períodos locatícios, sem a alteração das condições originalmente pactuadas. Assim, a lei é clara quanto à imprescindibilidade do requisito temporal em um único pacto, cujo objetivo é garantir a estabilidade contratual em favor do locatário. A doutrina caminha nessa linha de linha de pensar: "(...) Não há se falar em soma de prazos contratuais para inserir a locação na hipótese deste artigo. A concessão especial, ao locador, da denúncia aqui prevista, pressupõe estrita observância das condições formal e temporal indicada na lei", como disse Waldir de Arruda Miranda(Anotações à lei do inquilinato, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 306). Não se admite a soma de prazos contratuais para os fins deste artigo.
A lei estabelece, como requisito, contrato escrito por prazo igual ou superior a trinta meses, e seu objetivo é claro: em troca da estabilidade contratual conferida ao locatário, pelo prazo de dois anos e meio, através de um só ajuste, compensa-se o locador com o direito de retomar o prédio ao fim daquele prazo. Assim, não pode aproveitar o locador a soma de mais de um contrato, ainda que não tenha ocorrido hiato temporal entre eles, porque ausente aquela compensação acima referida", como disse Francisco Carlos Rocha de Barros(Comentários à lei do inquilinato. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 232).
Essa impossibilidade de adotar a accessio temporis para o caso de denúncia vazia fica mais evidente quando se analisa o art. 47, V, da Lei de Locações.
De acordo com o dispositivo, na hipótese em que o ajuste locatício for verbal ou escrito, tendo o prazo inferior a 30 (trinta) meses, a denúncia pode ser realizada pelo locador se vigência ininterrupta ultrapassar o lapso de 5 (cinco) anos.
Eis a redação do referido artigo: "Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel: I - Nos casos do art. 9º; II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego; III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio; IV - se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinqüenta por cento; V - se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos".
Ora, o dispositivo acima deve ser utilizado nos casos em que, apesar de haver diversos contratos, com sucessivas prorrogações, o prazo de nenhum deles, considerado individualmente, for superior a 30 (trinta) meses.
Essa situação permite que o locador denuncie o pacto se ocorrerem contínuas dilações, cuja soma dos períodos for maior que 5 (cinco) anos. Nesse contexto, fica evidente que o art. 46 da Lei do Inquilinato somente admite a denúncia vazia se um único instrumento negocial estipular o prazo igual ou superior a 30 (trinta) meses, sendo impertinente contar as sucessivas prorrogações.
Entretanto, se o locador opta por celebrar a locação por prazo inferior a 30 (trinta) meses, deve aguardar o prazo de 5 (cinco) anos para denunciar o contrato sem apresentação de justificativa, conforme o art. 47 da Lei nº 8.245/1991.
Sílvio de Salvo Venosa explica a aplicação dos arts. 46 e 47 da Lei Locações: "(...) Aplica-se o art. 47 sempre que a locação for verbal e quando o contrato escrito inicial for inferior a trinta meses. Uma renovação contratual após o decurso de um contrato inicial de vinte e quatro meses, por exemplo, não faz com que a soma do contrato possibilite a denúncia vazia pelo art. 46" ( Lei do inquilinato comentada. São Paulo: Atlas, 2015, págs. 236-267).
“Nos contratos residenciais fixados por prazo inferior a trinta meses, a retomada do imóvel só poderá ser viabilizada em hipótese especialíssimas, como para uso próprio, para ascendente ou descendente, aplicando-se severas penalidades ao retomado insincero. Ainda nos contratos com prazo inferior a trinta meses, facultou-se ao locador a retomada ao término de cinco anos de utilização do imóvel pelo locatário, assegurando-se, também por este mecanismo, a necessária estabilidade do inquilino e de sua família" consoante ensinou Nagib Slaibi Filho(Comentários à nova lei do inquilinato, Rio de Janeiro: Forense, 1997, pág. 549).
Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.364.668, que as prorrogações de contrato de aluguel não autorizam denúncia vazia, tendo como orientação a doutrina acima apresentada.
A soma dos períodos de aluguel urbano renovado sucessivamente não autoriza a rescisão contratual imotivada (denúncia vazia), nos termos do artigo 46 da Lei do Inquilinato, já que a legislação não permite a adição de tempo nessa situação.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um inquilino para julgar improcedente a ação de despejo movida pelo proprietário, que pretendia retomar o imóvel com base em denúncia vazia após decorridos 30 meses de locação, sendo seis meses do contrato original mais dois aditivos de um ano cada.
O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que a Lei do Inquilinato é clara ao estabelecer que o prazo de 30 meses que permite ao proprietário fazer uso da denúncia vazia deve corresponder a um único contrato.
“Fica evidente que o artigo 46 da Lei do Inquilinato somente admite a denúncia vazia se um único instrumento negocial estipular o prazo igual ou superior a 30 meses, sendo impertinente contar as sucessivas prorrogações”, disse.
O magistrado lembrou que, nos casos em que opta por celebrar contrato por prazo inferior a 30 meses, o locador deve aguardar o prazo de cinco anos para denunciá-lo sem justificativa.