RESUMO
O presente trabalho, traz a tona uma discussão que a sociedade insiste em não se debruçar, pois aborto é uma questão de saúde pública e não de politica criminal, tendo o texto constitucional resguardado a dignidade da pessoa humana como uma das suas diretrizes bem como a autonomia da vontade, a mulher no seu âmbito pessoal e íntimo, deve ter o direito de decidir o que será feito com seu corpo sem interferência Estatal, ficando a cargo deste último somente estabelecer as diretrizes e limites em que ocorreram a prática abortiva.
ABSTRACT
This work brings to the fore a discussion that society insists on not focusing, because abortion is a matter of public health and not of criminal policy, the constitutional text preserving the dignity of the human person as one of its guidelines as well as autonomy of the will, the woman in her personal and intimate scope has to have the right to decide what will be done with her body without State interference, being in charge of the latter only to establish the guidelines and limits in which the abortive practice occurred.
PALAVRAS CHAVES
Aborto-Autonomia-Politicas Públicas
INTRODUÇÃO
O aborto é um crime que está tipificado no Código Penal em seus artigos 124, 125, 126 e 127, trazem estes dispositivos o que seria aborto e as consequências desta prática para o autor do delito.
Ao tipificar penalmente o aborto o Legislador trouxe para a Tutela Estatal um problema de cunho pessoal, pois as mulheres ao escolhrem utilizarem de seu seu corpo da forma que melhor entender, faz jus do Principio da Autonomia da Vontade um dos pilares da República.
As pessoas que optam por esta prática são jogadas ao limbo, e se veem obrigadas a utilizar de locais inadequados para realização do procedimento, tornando assim a coduta abortiva em um problema de saúde pública.
O Estado deveria se valer de sua estrutura, afim de criar estruturas para que houvesse conscientização dos cidadãos, afim de que o aborto deixasse de ser um problema e tornasse a conduta algo esporádico e não um hábito entre pessoas de todas as classes.
ABORTO E SUAS ESPÉCIES TIPIFICADAS
A mulher que estiver durante o período gestacional que vier a utilizar de métodos para que seja interrompida a gravidez por qualquer meio, sendo que o aceite que um terceiro cause a conduta abortiva esta será punida igualmente, conforme preconiza o art.124 do CP:
“Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque.
Pena - detenção, de um a três anos.”
O diploma legal tipificou duas condutas no artigo acima tanto a Provocação como a Permissão para que outro faça as nuances abortivas.
Será punido aquele que cometer as técnicas que levem a interrupção da gestação sem o consetimento da gestante incorrerá no tipo penal previsto na legislação penal, em seu art. 125: vejamos:
“Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.”
Neste tipo penal o legislador foi mais severo, por ser um procedimento obscuro, não havendo assim o aval daquela que está sendo atacada em seu direito mais puro, que é o que fazer com seu corpo, trata-se de algo quase idêntico ao estupro.
Ao realizar o seu direito constitucional de autonomia da vontade, consentir para que um terceiro realize o procedimento abortivo, este último que realizou o desejo protegido na CF/88 também será punido de acordo com art 126 do CP:
“Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.”
Procurou proteger o diploma legal as que tiverem uma condição especial no parágrafo único do art 126, por se tratar de pessoas com menor condição psíquica para consentir com o ato abortivo.
Já no art 127 do CP o legislador deu mostras da incompetência do Estado, que ao invês de se preocupar em realizar politicas públicas em que evite que o aborto seja realizado em condições que leve a gestante ao risco fisico, preferiu-se punir com maior veemência quem participar do evento e gere tais danos, como preceitua o art 127 do CP:
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.” (Decreto lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940)
O Estado se furta da sua função que é gerar possibilidades para que os cidadãos exerçam seus direitos consagrados no texto constitucional entre eles o da autonomia da vontade, transfere para o âmbito do particular uma responsabilidade que o mesmo não lhe propiciou que o faça com dignidade.
Existe algumas exceções aos tipos penais nos casos de aborto que são os casos em que a mulher for violentada, ou seja, estuprada, outra situação que se admite a conduta abortiva e nos casos em que houver risco a saúde da Mãe, por último as situações em que o feto não possui cérebro, os anecéfalos:
Hoje em dia, o procedimento é admitido pelas leis brasileiras em apenas três casos: se a gravidez for fruto de estupro, se colocar a vida da mãe em risco ou seo feto for anencéfalo (não possuir cérebro). Mas nem sempre foi assim. A prática só passou a ser crime a partir do Código Criminal de 1830, no qual apenas o profissional que realizava o aborto era punido. Com o Código Penal de 1890, no entanto, a prática do autoaborto também passou a ser crime, exceto em casos de estupro ou de risco à vida da mulher. Foi assim até 2012, quando a antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos também passou a ser autorizada por lei.(https://mdemulher.abril.com.br/saude/saiba-quando-e-legal-fazer-um-aborto-no-brasil-e-como-proceder/)
Nas três hipóteses que a lei autorizou a interrupção da gravidez, em nenhuma a mulher realiza o procedimento por livre e espontânea vontade, em todas existe um porém, no caso do estupro o aborto é realizado por ser oriundo de uma conduta criminal, o risco a saúde da mãe depende de ser atestado por médicos, sendo esta a situação indêntica a dos anecefalos.
AUTONOMIA DA VONTADE
Ao romper com Estado de recessão em que as garantias fundamentais eram apenas utopia, as leis se fortaleceram e o texto constitucional se revigorou e forneceu ao cidadão garantias individuais que estava colocada ao esquecimento no antigo regime, como leciona Roni Edson Fabro:
Obviamente que o denominado Estado Democrático de Direito, no qual vigora o império da lei, trouxe inúmeras transformações ao cidadão brasileiro. Os direitos e garantias individuais foram restabelecidos, sob nova roupagem constitucional e política, o que nos interessa sobremaneira no presente estudo, especialmente no que diz respeito à autonomia da vontade. (file:///C:/Users/marco/Downloads/331%20a%20366%20(2).pdf)
No regime democrático, nada mais lícito do que seja deixar que os cidadãos realizem seus desejos, tendo sempre como diretriz para o seu comportamento o texto legal, sendo que este último deve ter o cuidado de interferir o mínimo possível no campo particular, sendo que a liberdade para realização dos atos tem um caráter intimamente moral, como leciona Kant apud Heráclito Mota Barreto Neto;
É de acordo com essa regra moral e com apoio na ideologia liberal que o filósofo proclama os limites da liberdade individual e, por conseguinte, do exercício da autonomia: a liberdade de um termina onde começa a do outro. A liberdade tem, então, limitação recíproca (Terra, 2004, p. 12). E esta limitação é instrumentalizada pelo Direito. Assim, liberdade, imperativo categórico e Direito estão fortemente imbricados, o que pode ser resumido na seguinte assertiva do filósofo alemão: “O Direito é a limitação da liberdade de cada um como condição de seu acordo com a liberdade de todos, enquanto esta [por sua vez] é possível segundo uma lei universal.” (Kant, 2004, p. 37).
(file:///C:/Users/marco/Downloads/331%20a%20366%20(2).pdf)
Havendo consenso e não infligindo texto legal, poderá ser realizado pelos particulares aquilo que for de seu interesse, sendo dever do Estado estabelecer somente as diretrizes para que não haja prejuizo de terceiros estranho a relação.
A ordem constitucional restabelecida em 1988, trouxe em seu âmago uma verdadeira proteção ao cidadão frente aos desmandos Estatais, pois este último foi em outros tempos um verdadeiro carrasco das garantias individuais, sendo assim a autonomia da vontade que está entre os preceitos constitucinais deve ser respeitada, portanto as mulheres que não estiverem contentes com seu estado gestacional devem ter o seu direito de gerir seu próprio corpo da forma que melhor convir assegurado.
DIREITO PENAL MÍNIMO
Um dos pilares do direito Penal mínimo que é o Princípio da Idoneidade, que prega a utilidade da lei penal para sociedade, devendo o legislador atentar para a função social da pena em relação aos direitos humanos:
c) Princípio da idoneidade:
Tal princípio assinala outras condições que reduzem o espaço reservado á lei penal. Ele obriga o legislador a realizar um atento estudo dos efeitos socialmente úteis que cabe esperar da pena: só subsistem as condições para sua introdução se aparece provado algum efeito útil na relação das situações em que se pressupõe uma grave ameaça aos direitos humanos.
(http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/resumos/criminologia/289-baratta-principios)
O aborto como tipo penal na realidade atual não respeita o Princípio citado acima, pois ao se valer de métodos muita das vezes clandestinos para que se realize o procedimento abortivo gerando lesões e mortes durante a realização destes, é uma verdadeira afronta aos direitos humanos.
POLÍTICAS PÚBLICAS E ABORTO
O Brasil se tornou signatário do pacto de Redução da mortalidade maternal, para que a mulher tenha sua vida preservada seja qual for a escolha dela, portanto cabe ao Estado gerar recursos para que a vida das Gestantes sejam preservadas,
Portanto, a política de saúde para as mulheres traz o dever de protegê-las em todo período de suas vidas, como ainda durante a gestação e em todos os casos de escolha ou não por abortos, segundo o Pacto Nacional Pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004). Assim, todas as mulheres têm direito ao atendimento humanizado, que pressupõe atendimento seguro e de qualidade nos serviços oferecidos pelo SUS e conveniados, conforme os pressupostos estabelecidos na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004, p. 10):
Neste diapasão, ser o aborto tipificado é um verdadeiro contracenso que não respeita o pacto assinado pelo Estado Brasileiro, pois ao aderir este, tornou a tipificação penal uma anomalia que deve ser estirpada do ordenamento em respeito ao princípio da autonomia da vontade, dignidade da pessoa humana e a vida, todos pilares constitucionais.
Ao se mostrar omisso o Estado em relação as politicas publicas para que se evite a realização de abortos em clinicas clandestinas, por dogmas culturais, ou de cunho religioso, contribui diretamente para o crescimento da mortandade entre as mulheres em período gestacional:
“É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto”, comentou. O entendimento valeu apenas para um caso específico - de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) -, mas pode servir como base para outras instâncias. “O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença”. ( http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,decisao-sobre-aborto-e-para-que-se-adotem-politicas-publicas-diz-barroso,10000091794)
O Poderes Públicos tem que se atentar e elaborar um plano em que a vida da mulher seja resguardada, pois sem o devido cuidado e as atuais punições para aqueles que praticam o aborto, o único efeito causado é um aumento significativo no número de locais clandestinos que atuam de maneira inadequadas na prática abortiva, fazendo que aumente o número das vítimas que falecem ou se mutilam durante um procedimento ilegal.
JURISPRUDENCIA
Há de se destacar que a jurisprudência nacional que deu um grande salto para a realização de políticas públicas em relação ao aborto, em brilhante voto do Minístro Luis Roberto Barrosso, decidiu que a interrupção da gravidez até o terceiro mês não se enquadra a proteção penal em matéria abortiva:
HABEAS CORPUS 124.306 RIO DE JANEIRO RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO PACTE.(S) : EDILSON DOS SANTOS PACTE.(S) : ROSEMERE APARECIDA FERREIRA IMPTE.(S) : JAIR LEITE PEREIRA COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO-VISTA O MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO: Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base em duas ordens de fundamentos.
2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação.
3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.
4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; He a 2 igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.
5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.
6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios.
7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus.
Há de se destacar os pontos 4 e 5 do voto, pois traz a discussão os pontos chaves para que deixe o aborto de ser tipificado penalmente e que haja dos Entes Estatais ações para que se proteja a vida da mulher, que tem direito de ter sua vontade respeitada e também realizada com dignidade, ambos preceitos constitucionais que são deixados de lado por uma lei retrógrada estabelecida em um período ditatorial.
Portanto, a Jurisprudência Nacional prestou um grande serviço ao Estado Brasileiro ao suscitar o problema e verificar a necessidade de uma solução por parte do Poder Público, resolução da problemática esta que está longe de ser feita através de penalização e encarceramento dos praticantes das técnicas abortivas, mas sim de uma conduta positiva Estatal realizando Políticas Públicas afim de estruturar a sociedade e cosncientizar para que as condutas não sejam realizadas, mas, se esta for a escolha dos Genitores que sejam realizadas em respeito aos Princípios Cosntitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e Autonomia da vontade.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a ordem constitucional ao se desentranhar do militarismo, restabelecendo as garantias fundamentais como dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade, se tornou também inadequada as punições em relação a conduta abortiva, pois ao se punir tal conduta fere em síntese as duas diretrizes constitucionais citadas.
Portanto, o Estado deveria estabelecer diretrizes para que aqueles que desejarem realizar o aborto, o façam dentro de uma condição minimamente humana sem que seja feito de formas inescrupolosas, sendo assim não deveria o aborto ser punido criminalmente, mas tratado com uma questão de saúde pública.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
Decreto lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal
https://mdemulher.abril.com.br/saude/saiba-quando-e-legal-fazer-um-aborto-no-brasil-e-como-proceder
http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/resumos/criminologia/289-baratta-principios
file:///C:/Users/marco/Downloads/331%20a%20366%20(2).pdf
file:///C:/Users/marco/Downloads/331%20a%20366%20(2).pdf
BRASIL. Ministério da Saúde Pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal, 2004.