A Constituição da República Federativa do Brasil, denominada também por constituição cidadã, promulgada em 1988, nos garante um Estado Democrático de Direito, com fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, dentre outros, objetivando construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, para reduzir as desigualdades sociais e regionais, na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, assegura, também, aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, estabelecendo que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, tais como a função social da propriedade, a busca do pleno emprego e a redução das desigualdades regionais e sociais (CF, arts. 1°, II a IV; 3°, 1, III e IV; 5°, caput ; 170, caput e incisos III, VII e VIII). (BRASIL, Constituição ,1988)O furto, enquanto crime de natureza patrimonial, encontra-se visceralmente ligado a essa problemática.
E a figura doutrinariamente denominada de "furto famélico" deve ser sob essa ótica analisada. A função do direito penal é agir em ultima ratio, quando não houver outra solução plausível no caso concreto.Em síntese, aborda-se os conceitos de furto famélico de acordo com renomados doutrinadores, os requisitos, a consequência, bem como uma breve análise jurisprudencial.
Demonstra-se a importância do reconhecimento de excludentes desse crime seja por estado de necessidade, inexigibilidade de conduta diversa, ou aplicação do princípio da insignificância.O chamado "furto famélico" configura-se quando o furto "é praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome, pela inadiável necessidade de se alimentar”.
Em tais circunstâncias não seria justo apenar-se um ser - humano por seu ato, embora tipicamente previsto. Tal conclusão é inarredável em qualquer concepção humanitária. No entanto, a motivação jurídica dessa solução é que se nos apresenta problemática: a questão seria responder se o que justifica a não punição do "furto famélico" seria a causa excludente de antijuridicidade do estado de necessidade ( art. 24, CP ) ou a simples inexigibilidade de conduta diversa supralegal, de discutível aceitação. Ou seja, é possível adequar o caso concreto à previsão legal ou será necessário, neste caso, utilizar-se de fórmulas extralegais em benefício do agente?
Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modoevitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Seriam “requisitos da situação de necessidade: um perigo atual, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não provocada voluntariamente pelo agente, inexistência do dever legal de enfrentar o perigo. Requisitos do fato necessitado seriam: inevitabilidade da ação lesiva, inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado.
É que as causas de justificação, ou normas permissivas, não se restringem, numa estreita concepção positivista do direito, às hipóteses expressas em lei. Precisam igualmente estender-se àquelas hipóteses que, sem limitações legalistas, derivam necessariamente do direito vigente e de suas fontes. Além disso, como não pode o legislador prever todas as mutações das condições materiais e dos valores ético - sociais, a criação de novas causas de justificação, ainda não traduzidas em lei, torna-se uma imperiosa necessidade para a correta e justa aplicação da lei penal.
Partindo, portanto, de nossa aceitação da inexigibilidade de conduta diversa supralegal como causa exculpante, resta-nos concluir acerca da melhor adequabilidade dos casos de "furto famélico" a esta ou ao estado de necessidade.
Como se sabe, a característica essencial do estado de necessidade reside na existência de um conflito entre dois ou mais bens jurídicos protegidos (pelo Direito) diante de uma situação de perigo. Em outras palavras, trata-se de um poder de sacrificar bens alheios, quando não há outra forma de evitar o perigo. O fundamento do estado de necessidade reside no princípio do interesse preponderante.
O exemplo clássico é o dos náufragos: duas ou mais pessoas em alto mar disputam um único objeto (salva-vidas). Aqui se justifica que alguém sacrifique a vida de outrem para salvar a sua.Quanto ao furto famélico há jurisprudência no sentido de justificar o fato praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome e pela necessidade de se alimentar ou alimentar a sua família. A saída jurídica para tal hipótese é excluir a antijuridicidade do fato por estar encoberto pelo estado de necessidade. Sem o requisito da antijuridicidade não há que se falar em delito.
O "furto famélico" não apresentaria dificuldades em adequar-se àqueles chamados por Frederico Marques de "requisitos da situação de necessidade" (perigo atual, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não provocada voluntariamente pelo agente e inexistência do dever legal de enfrentar o perigo ).
Mas o mesmo não ocorreria com o primeiro dos "requisitos do fato necessitado", elencados pelo mesmo autor ( inevitabilidade da ação lesiva e inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado ). A inevitabilidade da ação lesiva em nossa concepção, estaria prejudicada no caso do "furto famélico", desnaturando destarte o estado de necessidade.
No furto famélico a pedra de toque não está no fato de haver a possibilidade de evitar o perigo por outro modo que não a ação lesiva, a configurar um estado de necessidade em que o agente não tem à sua disposição outros meios e é obrigado a agir de maneira lesiva para que não seja prejudicado em seu direito. No estado de necessidade a escolha do agente opera-se somente quanto a agir de maneira lesiva e fazer prevalecer o seu direito ou simplesmente abdicar de seu direito. Se escolher a defesa de seu direito, somente um caminho lhe é possível: a ação lesiva do direito alheio, nenhum outro.Inexigibilidade de conduta diversa apresenta-se sob o aspecto de que a escolha entre as condutas possíveis nos casos de "furto famélico" não poderia ser imposta ao sujeito sob pena de lesão à dignidade da pessoa humana. Ao ser - humano não se pode compelir à humilhação para a satisfação de suas necessidades básicas como a alimentação. Certamente o ato de furtar não é digno, mas o que não se pode pretender é obrigar o homem a uma determinada escolha que avilte seus sentimentos íntimos de orgulho e honra. O que seria inadmissível, indigno e odioso, muito mais que o ato de furtar, seria o obrigar o homem à humilhação de pedir alimento ou trabalhar a troco dele. Se alguém escolher livremente essa conduta nada haverá que seja desabonador, mas não se pode aceitar a obrigação ao ser - humano de assim agir, pois para muitos é mais aviltante o pedir aquilo que é básico ( alimento ), do que tomá-lo para si num ato de luta pela sobrevivência inerente aos seres vivos, podemos concluir que o reconhecimento do "furto famélico" como um caso de inexigibilidade de conduta diversa supralegal seria um tributo ao Princípio Fundamental Constitucional da "dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, III, da Constituição Federal.
Do ponto de vista psicológico: O furto famélico é, em tese, decorrência última da desesperadora expropriação do homem em relação aos meios de sua sobrevivência: em um sistema social que se configura como um universo de mercadorias em expansão, condicionado pela acumulação ilimitada, o furto por estado irredutível de necessidade parece não somente ser esperado como tolerado.
O Código Penal vigente no ordenamento jurídico brasileiro absteve-se de constar qualquer disposição sobre o furto famélico, restando a solução na parte geral. Com essa ausência de previsão legal, existem inúmeros processos judiciais desnecessários, posto que no julgamento são absolvidos sumariamente por uma das três teses possíveis de acordo com cada caso concreto.
Na legislação estrangeira, tem-se que:Furto famélico é o praticado por quem, em situação de extrema penúria, é compelido pela fome, por uma necessidade urgente e inadiável de se alimentar como está especialmente previsto no art. 626, n2, do CP italiano, verbis: Se o fato é praticado de coisa de pequeno valor, para satisfazer uma grave e urgente necessidade”. A Constitutio Criminalis Carolina, sancionada em 1523 por Carlos V expressamente isentava de pena o agente que praticava um furto premido pela necessidade de alimentar a si próprio ou a sua família.[...] Na França, o tema foi reconhecido em famosa decisão do Tribunal de Chateau-Thierry, com fundamentação de que “ a fome é suscetível de privar parcialmente a todo ser humano do livre-arbítrio e reduzir nele, em grande parte, a noção do bem e do mal.Para Luis Flávio Gomes o tema: Desempregado e furto famélico. Como se sabe, a característica essencial do estado de necessidade reside na existência de um conflito entre dois ou mais bens jurídicos protegidos (pelo Direito) diante de uma situação de perigo trata-se de um poder de sacrificar bens alheios, quando não há outra forma de evitar o perigo. O fundamento do estado de necessidadereside no princípio do interesse preponderante. O exemplo clássico é o dos náufragos: duas ou mais pessoas em alto mar disputam um único objeto (“salva-vidas”). Aqui se justifica que alguém sacrifique a vida de outrem para salvar a sua. Quanto ao furto famélico há jurisprudência no sentido de justificar o fato praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome e pela necessidade de se alimentar ou alimentar a sua família.
O Código Penal prevê o estado de necessidade, uma excludente de ilicitude, àquele que pratica fato para salvar de perigo atual, que não o provocou cujo sacrifício é inexigido. A saída jurídica para tal hipótese é excluir a antijuridicidade do fato por estar encoberto pelo estado de necessidade. Sem o requisito da antijuridicidade não há que se falar em delito. O tema do furto famélico (assim como o do roubo famélico) nos conduz a um dilema que consiste no uso do Direito penal contra a miséria. Um miserável, na maioria das vezes, o que precisa é de emprego, moradia e alimentação, não de Direito penal. Cuidando-se efetivamente de um furto famélico (furto de bens alimentícios para saciar a fome), não há dúvida que deve ser aplicado o instituto do estado de necessidade.
Em relação à culpabilidade; composta por potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade, isto é, capacidade de sofrer sanção, caso não seja exigível do mísero que suporte passar fome, em tese, ele preencherá um dos requisitos para não cumprir pena, embora, neste caso, cometa crime. Por outro lado, o irrelevante penal, bagatela, ou insignificância, não é crime, pois não lesa bem jurídico tutelado, em razão de sua ínfima conduta.Sobre o tema, Rogério Sanches Cunha elucida o conceito de furto famélico abordando seus requisitos. O furto famélico (para saciar a fome) é crime? A jurisprudência tem reconhecido o estado de necessidade (art. 24 do CP), desde que presentesos seguintes requisitos (ônus da defesa): a) que o fato seja praticado para mitigar a fome; b) que seja o único e derradeiro recurso do agente (inevitabilidade do comportamento lesivo); c) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência; d) a insuficiência dos recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou a impossibilidade de trabalhar. De acordo com Cunha, o ônus da defesa abrange quatros requisitos cumulativos.
Rogério Greco aborda o assunto de forma mais ampla: A palavra famélico traduz, segundo o vernáculo, a situação daquele que tem fome, que está faminto. Em tese, o fato praticado pelo agente seria típico. Entretanto a ilicitude seria afastada em virtude da existência do chamado estado de necessidade. O furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, uma vez que, de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária para a sua subsistência. Neste ponto, de acordo com Greco, a irrelevância da conduta atrela-se ao baixo custo do alimento saciador da fome. Assim, aquele que, no interior de um supermercado, podendo subtrair um saco de feijão , seleciona uma peça de bacalhau, por mais que tenha necessidade de se alimentar, não poderá ser beneficiado com o raciocínio do estado de necessidade, pois a escolha do bem a ser subtraído deve recair sobre aquele que traga menor prejuízo à vítima.
De acordo com Greco, o alimento base (feijão) sacia a fome do agente, enquanto que o alimento (bacalhau), prato principal, satisfaz o paladar mais refinado, embora também sacie a fome do agente.Do ponto de vista da vítima de um furto de bacalhau acarreta-se um prejuízo maior que o feijão. Daí falar-se-ia numa desproporção entre a satisfação da fome do agente e o prejuízo sofrido pela vítima, bem como retiraria o valor ínfimo do bem subtraído, caso entende-se pela incidência do princípio da insignificância.Para Fernando Capez, furto famélico é sinônimo de furto necessitado: FURTO FAMÉLICO OU NECESSITADO. É aquele cometido por quem se encontra em situação de extrema miserabilidade, necessitando de alimento para saciar a sua fome e/ou de sua família.
Não se configura, na hipótese, o crime, pois o estado de necessidade exclui a ilicitude do crime. Dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria, por si sós, não caracterizam essa descriminante, do contrário estarim legalizadas todas as subtrações eventualmente praticadas por quem não estiver exercendo atividade laborativa.O furto deve ser um recurso inevitável, uma ação in extremis. Se o agente tinha plenas condições de exercer trabalho honesto ou se a conduta recair sobre bens supérfluos, não será o caso de furto famélico. Capez, reafirma os requisitos cumulativos, ressaltando que dificuldade financeira e desprego, por si só, não caracterizam o furto famélico.
A tese mais aceita pela doutrina, certamente, é a aplicação ao furto famélico do estado de necessidade, e se este não for possível, então podem ser aplicados, de acordo com o caso concreto, a inexigibilidade de conduta diversa ou irrelevante penal. O furto famélico não deve ser visto como um crime, de forma que nenhum miserável seja privado de alimentar-se. A jurisprudência do STJ demonstrou um caráter menos punitivista, enquanto que a do STF demonstrou um rigor maior ao não aceitar a aplicação do instituto, pelo fato de o réu ser reincidente e ter uma ficha criminal extensa. Daí, a necessidade de, no caso concreto, o juiz analisar a situação à luz da jurisprudência do STJ, a qual permite a aplicação do furto famélico o instituto da insignificância, abrangendo, no mesmo contexto fático, outros bens que não sejam alimentos como fraldas e desodorantes.
Por princípio entende-se: base, fundamento, sustentação etc. No Direito, os princípios são os fundamentos, as bases, o sustentáculo do ordenamento jurídico, objetivando dar-lhe coerência e harmonia. Os princípios jurídicos são enunciados normativos de valor genérico, que “condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (Reale, 2001, p. 306).
O fato de não estarem no texto da lei, não os afasta de sua eficácia. “enquanto são princípios, eles são eficazes independentemente de texto legal. Este, quando os consagra, dá-lhes força cogente, mas não lhes altera a substância, constituindo um jus prévio e exterior à lex.” (ESSER, apud REALE, 2001. p. 307).Por meio dos princípios, é dado ao jurista uma formação humana necessária para interpretar, aplicar, criar etc. Isto é, fazer o Direito, deixando de ser mero burocrata das leis.
Portando, o princípio estaria localizado entre o valor e a norma (se esta existir), ou seja, o princípio é a concretização do valor e a norma seria a concretização do princípio.
Assim, a norma deve seguir os ditames dos princípios, já que ela (norma) tem a função de exteriorizar os princípios. Daqui tem-se Força Normativa dos princípios, que abarca a elaboração e a aplicação da norma jurídica. Ressalte-se que a força normativa dos princípios independe da sua concretização em uma norma, pois, ás vezes, o princípio existe, porém ainda não foi concretizado pela norma jurídica.
Faculdade Pitágoras de Betim-MG/ 4° Período 2017
Professora: Denise Cândido Lima e Silva Santos
Aluna: Stefany Morosini Chaves