Regime de separação obrigatória para maiores de 70 anos. Reflexões constitucionais.

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Regime de separação obrigatória aos maiores de 70 anos. Ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade? Inconstitucionalidade?

         “Eu não tinha essas mãos paradas, frias e mortas; eu não tinha esse coração que nem se mostra; eu não dei por essa mudança tão certa, tão simples, tão fácil; em que espelho ficou perdido minha face”.                                        (CECÍLIA MEIRELES)

RESUMO:

 O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre questões relacionadas ao regime de separação obrigatória de bens quanto a sua imposição para pessoas maiores de 70 anos, haja vista que tal imposição coloca a pessoa idosa como incapaz para optar pelo seu próprio regime de casamento. Assim, foi feito uma análise no ordenamento jurídico brasileiro, bem como princípios que norteiam toda legislação vigente, inclusive a Constituição Federal de 1988. Portanto, a principal finalidade do trabalho é demonstrar que uma pessoa com total discernimento não pode ser restrita de um direito só pelo simples fato de ter a idade avançada. É de suma importância ressaltar que a imposição do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos fere princípios fundamentais, portanto o artigo 1.641, inciso II, deve ser revisto.      

Palavras Chave: Casamento. Inconstitucionalidade. Idoso  

                                                            ABSTRACT

                                                                      

The purpose of this paper is to discuss issues related to the mandatory separation of property in relation to its imposition on persons over 70 years of age, since such imposition places the elderly person unable to choose their own marriage regime. Thus, an analysis was made in the Brazilian legal system, as well as principles that guide all existing legislation, including the Federal Constitution of 1988. Therefore, the main purpose of the work is to demonstrate that a person with total discernment can not be restricted from a right alone by the simple fact of being old. It is of great importance to emphasize that the imposition of the regime of compulsory separation of assets to those over 70 years of age violates fundamental principles, therefore article 1.641, item II, should be revised.

Keywords: Marriage. Unconstitutionality. Old man

SUMÁRIO. 1.INTRODUÇÃO. 2. CASAMENTO. 2.1 Breve história do casamento no Brasil. 3. DOS REGIMES DE BENS NOS CASAMENTOS BRASILEIROS. 3.1 Do Regime de Comunhão Parcial de Bens. 3.2 Do Regime de Comunhão Universal de Bens. 3 Do Regime de Separação Total de Bens. 3.4 Do Regime de Participação Final nos Aquestos. 4. DA SEPARAÇÃO OBRIGATORIA DE BENS- ART. 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL. 5. DA CAPACIDADE CIVIL DO MAIOR DE 70 ANOS E O ESTATUTO DO IDOSO. 6. DOS PRINCIPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS AFRONTADOS SOBRE A IMPOSIÇÃO DE SEPARAÇAO OBRIGATORIA DE BENS PARA MAIORES DE 70 ANOS. 6.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 6.2 Princípio da Liberdade. 6.3 Princípio da Igualdade. 6.4 Das normas afrontadas pelo art. 1641, inciso II, do Código Penal. 7. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.  DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO


            O presente ensaio tem como finalidade abordar a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do regime de separação de bens para pessoas maiores de 70 anos de idade, esclarecendo algumas considerações que a lei nº 12.344/2010 introduz no ordenamento jurídico brasileiro.·.

Será discutido no trabalho questões relacionada à dignidade da pessoa humana, a capacidade plena das pessoas maiores de 70 anos para exercer atos da vida civil, regimes de bens e garantias que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece.  
            A obrigatoriedade do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos está estabelecida no artigo 1641, II, do Código Civil (2002), que sofreu alteração pela lei nº 12.344/10.  Desta forma, será demonstrado no decorrer do trabalho que tal dispositivo se contradita com demais normas do ordenamento jurídico, inclusive com a própria lei que o estabelece e viola diversos preceitos e princípios constitucionais.

A aplicação de tal dispositivo determina a incapacidade da pessoa maior de 70 anos para a escolha do regime de bens que será adotado em seu casamento, restringindo o direito de escolha dos nubentes, tornando de forma geral pessoas maiores de 70 anos relativamente incapazes para atos da vida civil.

Em busca de possíveis soluções para a resolução do tema abordado, utilizará de princípios constitucionais, legislações originarias, doutrinas e jurisprudências brasileiras que demonstraram de forma clara o equivoco e a inconstitucionalidade do artigo 1641, II do Código Civil (BRASIL, 2002).

Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo esclarecer e solucionar os seguintes questionamentos: O fato de a pessoa ser maior de 70 anos reduz sua capacidade de escolha para exercer atos da vida civil? A obrigatoriedade do regime de separação de bens aos maiores de 70 anos não fere o principio da dignidade da pessoa humana? Também serão abordados os regimes de bens adotados no casamento no Direito Brasileiro e demais discussões e questionamentos a serem esclarecidos.

Antes de adentrar na real discussão do trabalho, é de suma importância falar um pouco sobre o casamento, e fazer uma breve analise da sua história no Brasil, como segue no próximo tópico.            

   2. CASAMENTO 

             
O casamento é um ato civil que celebra a união conjugal de duas pessoas, com o intuito de construir uma família. É um ato de livre espontânea vontade, sendo os cônjuges livres para fazer e manifestar seus desejos, desde que nos parâmetros impostos pele lei, inclusive a liberdade para escolher qual regime de bens irá adotar no casamento.     
              Existem três correntes que conceituam o casamento. A primeira delas defende que o casamento é um contrato, ou seja, é um negocio jurídico que depende de manifestação de vontade de duas pessoas para sua realização, de forma que produzirá seus efeitos conforme cláusulas estabelecidas, bem como o regime de bens que irá regulamentar os bens do casal.

     Já a segunda corrente defende que o casamento é um instituto, pois é regido por normas públicas, com direitos e obrigações estabelecidas por lei. O casamento não pode ser apenas um contrato, pois não regulamenta apenas direitos patrimoniais, mas também direitos pessoais.           
            A terceira corrente, e mais completa, diz que o casamento é misto, pois reconhece a existência contratual e institucional. Para esta corrente, o direito a autonomia da vontade que compreende as partes da direito apenas de escolher o parceiro, o regime de bens e a permanência ou não do vinculo familiar.           
            Portanto, essa terceira corrente coloca o casamento como um ato complexo misto, ou hibrido, pois traz características contratuais e institucionais. Desta forma, essa terceira corrente sustenta que o casamento é um contrato quanto a sua criação e em seu decorrer é uma instituição.   
            Como o casamento é um ato que ocorre no Brasil desde a época da colonização, será feito adiante, de forma sucinta, uma breve história do casamento no país. 


2.1 Breve história do casamento no Brasil

              O instituto do casamento surgiu no Brasil nos primórdios dos tempos, há especulações que foi na colonização portuguesa.        

De acordo com a história, o casamento no Brasil era uma forma de construir família da sociedade portuguesa, pois o instituto casamento naquela época surgiu como uma forma de promover a união entre homem e mulher. Desde então o casamento veio passando por diversas transformações, para acompanha as mudanças que a sociedade estava tendo.

A primeira mudança significativa que o casamento teve foi a possibilidade de dissolver o vínculo conjugal, isso na esfera civil, pois, para a igreja a família é indissolúvel. Naquela época a própria lei previa a separação em caso de adultério, algo que nos dias atuais não existe mais.        
            Em 1977 veio a emenda constitucional de nº 9, e estabeleceu pela primeira vez, de forma explicita, o divorcio no casamento. Mas de acordo com a lei o casal precisava estar separados 5 (cinco) anos judicialmente ou de fato por mais de 7 (sete) anos.           
              A mudança mais significativa foi trazida pela constituição de 1988, ela amplia o conceito de família. “A Constituição foi uma quebra de paradigma. A gente passou a dar importância à pessoa e não mais à instituição. Ou seja, antes, se meu pai tivesse um filho fora do casamento, esse filho não teria direito algum. Com a Constituição, ele passa a ter”, conforme descreve o professor de Direito de Família  Miguel Antônio Silveira Ramos (2013).                  
              Por fim, nos dias atuais o casamento não é mais só entre homem em mulher, também pode ser feito entre pessoas do mesmo sexo, pois o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 132, reconheceu a união estável para casais homo afetivo (2011).

Ao analisar um pouco da historia do casamento no Brasil, verifica-se que o legislador e as constituições buscam proteger cada vez mais o casamento. Ampliou o conceito de união entre homem em mulher para união entre pessoas, e a atual Constituição Federal ainda coloca como dever do Estado proteger a família, como pode ser visto no art. 226 (BRASIL, 1988).

                          Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

 § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988)     
       

  Diante da legislação acima citada, nota-se que a união entre pessoas, com intuito de construir família, tem um grande amparo no ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de casamento se alterou com a evolução da sociedade, bem como direitos e obrigações que estão elencados nesse instituto.

Como o objetivo do trabalho é falar sobre a imposição do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos, é muito valido e preciso, falar sobre os regimes de bens que são adotados no Brasil, desta forma, será feito uma breve explanação dos regimes a seguir.      

          

3. DOS REGIMES DE BENS NOS CASAMENTOS BRASILEIROS          


            Os regimes de bens são os conjuntos de regras que serão aplicadas aos bens das pessoas que contraírem matrimônios, desta forma irá regular o patrimônio que ambos os cônjuges possuíam antes do casamento bem como, aqueles que foram adquiridos na constância do casamento, e produzirá efeitos com a dissolução do casamento, seja ele por divórcio ou pela morte de um dos cônjuges.
            Para um melhor entendimento sobre os regimes de bens, vale ressaltar a definição trazida pela ilustre Maria Helena Diniz (2010, p 498), que define como:

        
Conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes do matrimônio. Regem, portanto, as relações patrimoniais entre marido e mulher, sob a afeição de regime: de comunhão parcial, de comunhão universal, de participação final nos aquestos e de separação de bens (legal ou convencional).


             No conceito trazido pela professora Maria Helena Diniz (2010), houve a definição de todos os regimes de bens que se encontram vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. Desta forma, é possível concluir que os regimes de bens servem apenas para regularizar o patrimônio dos nubentes, gerando efeito só após o divórcio ou a morte de um dos cônjuges.       

Os regimes de bens encontram-se fundamentados do Art. 1658 aos 1688 do Código Civil Brasileiro, que são: Regime de Comunhão Parcial, Regime de Comunhão Universal, Regime de Participação Final nos Aquestos e Regime de Separação de Bens.        

Como foi falado o que é regime de bens e algumas de suas peculiaridades, adentrar-se-á agora no Regime de Comunhão Parcial de Bens.  

3.1 Do Regime de Comunhão Parcial de Bens    

           
O regime de comunhão parcial determina que só se comunicam os bens que o casal adquirir na constância do casamento, desta forma os bens que cada um deles possuíam anteriormente ao matrimonio não entram na divisão de bens, em caso de dissolução do casamento.
            Está modalidade de regime também determina que não se comunicaram os bens adquiridos por um dos cônjuges por doação ou sucessão,  também não se comunicam na comunhão os objetos advindos da sub-rogação dos bens particulares de ambos os cônjuges, bem como as dividas particulares de cada um deles.     
            Este regime esta tratado nos artigos 1.658 a 1.666, do Código Civil brasileiro. Também é conhecido como regime legal, uma vez que os nubentes não optando por outro regime de bens este será o regime aplicado (BRASIL, 2002).

3.2 Do Regime de Comunhão Universal de Bens

         
Quanto ao Regime de Comunhão Universal de Bens, este estabelece que todos os bens do casal vão se comunicar, os adquiridos antes ou na constância do casamento inclusive as dívidas que forem contraídas por um dos cônjuges, exceto aqueles bens apontados pela lei.   

Na comunhão universal não será levado em consideração o momento em que foram adquiridos os bens, se ocorreu antes ou depois do casamento não tem relevância, haja vista que todos os bens iram se comunicar, inclusive os que forem objetos de doação ou sucessão.

Vale ressaltar que a lei possibilita que seja estabelecida a cláusula de incompatibilidade, ou seja, tal cláusula protege os bens que foram adquiridos por doação, desta forma evita que os mesmos sejam incorporados no patrimônio do casal.

É válido mencionar também que, será excluído dos bens do casal as dividas contraídas por um dos antes do casamento, desde que, comprovado que o outro cônjuge não se beneficiou ou beneficiará com o objeto da divida.                        

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Com relação à sucessão, vale lembrar que o cônjuge supérstite não será herdeiro, tendo em vista que este já será meeiro de todo o montante de bens que ambos os cônjuges possuírem no momento da sucessão. O Regime de Comunhão Universal de Bens encontra-se amparo legal nos artigos 1.667 a 1.671, do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002).

A seguir, será tratado sobre o Regime de Separação Total de Bens.      

3.3 Do Regime de Separação Total de Bens         

Neste regime não haverá comunicabilidade dos bens do casal, ou seja, os bens adquiridos antes e depois do casamento será particular de cada um deles, sendo o cônjuge responsável por cada bem particular que o pertença, inclusive podendo dispor ou onerar sem que haja a qualquer tempo, sem que haja a anuência do outro cônjuge.

A lei é vaga ao tratar dos bens adquiridos na constância do casamento, em que ambos os cônjuges contribuíram para que fosse feita a aquisição de determinados bens, porém diante da omissão da lei, é possível a aplicação da Súmula 377 do STF: “No Regime de Separação Legal de Bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Para efeitos de sucessão, no Regime de Separação Total de Bens, havendo descendentes, o cônjuge supérstite irá entrar na partilha, concorrendo com a parte do de cujus.            Este regime possui fundamentação nos artigos 1.687 a 1.688, do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002).      


3.4 Do Regime de Participação Final nos Aquestos

Este regime tem características parecidas com o regime de separação total de bens, cada cônjuge mantém patrimônio próprio, desta forma, comunicam-se apenas os bens adquiridos pelo casal, a titulo oneroso, na constância do casamento. Garante aos cônjuges uma maior liberdade para administrar seus bens, para dispor deles, bem como responde de forma individual pelas obrigações que sobrevierem.

Para a doutrina tal regime de bens é considerado um regime hibrido, haja vista que no decorrer do casamento aplica-se as regras do regime de comunhão de separação total de bens e na dissolução do casamento aplica-se as regras  do regime de comunhão parcial de bens, que irá partilhar os bens adquiridos na pelo casal na constância do casamento.

Neste regime não haverá partilha de bens adquiridos por doação ou sucessão, bens como, as dividas que sobrevierem decorridas de tais bens. Tal regime não é muito aplicado no país e se encontra disciplinado nos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002).

Finalizando os regimes de bens, agora adentrar-se-á no último regime, principal foco do trabalho, que é o Regime de Separação Obrigatória de Bens. 

4 DA SEPARAÇÃO OBRIGATORIA DE BENS- ART. 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL              
           

Este regime é o estudo principal do presente trabalho, quanto a imposição que a lei faz ao aplicá-lo de forma obrigatória no casamento em que uma das partes forem maiores de 70 nos.

Aqui cada cônjuge tem seus bens particulares, não havendo comunicação entre os bens do casal. Havendo a sucessão o cônjuge supérstite não concorrerá com os descendentes, porém não havendo descendentes, como nos demais regimes haverá a concorrência com os ascendentes, e na falta deles o cônjuge supérstite herdará a totalidade dos bens.

Para Paulo Lobo (2009, p 331), em sua doutrina Famílias, defende que: “Regime de Separação Total de Bens, vem para promover a igualdade de gêneros, onde ambos exercerão a guarda de seus bens de forma separada”.

Para que tenha a obrigatoriedade deste regime, é preciso que tenha uma das hipóteses trazidas pelo artigo 1.641, do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002).

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

 I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

 II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei       nº 12.344, de 2010)    
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.³

        

 O principal objeto de estudo do presente trabalho esta mencionado na segunda hipótese trazida pelo artigo 1.641, inciso II, onde estabelece que em situações que pessoas maiores de 70 anos pretendem se casar, entes devem obrigatoriamente adotar o regime de separação obrigatória de bens, a legislação tende a proteger a pessoa idosa, tendo em vista que há uma suposta vulnerabilidade. Portanto, ao fazer tal imposição o legislador coloca a pessoa maior de 70 anos com uma suposta incapacidade.   

É valido ressaltar que o Código de 2002 estabeleceu o regime de separação obrigatória para maiores de 60 anos, porém, em 2010 a lei 12.344 alterou o texto da lei, aumentando a idade para 70 anos.                   
              Apesar de o Estado argumentar que pretende proteger a pessoa maior de 70 anos, bem como seus descendentes, resguardando seu patrimônio, percebe-se que tal imposição viola vários princípios e garantias fundamentais que todo cidadão possui. Há de mencionar também que tal imposição coloca as pessoas maiores de 70 nos como incapazes para escolher qual regime deve adotar em seu casamento, gerando assim uma discriminação e um constrangimento para este sujeito.

Feito um breve apontamento dos regimes de bens, será discutido agora a capacidade civil do maior de 70 anos, que é de grande importância no presente trabalho.
 

5. DA CAPACIDADE CIVIL DO MAIOR DE 70 ANOS E O ESTATUTO DO IDOSO  
          

Como será demonstrado neste tópico, à capacidade civil das pessoas esta regulamentada no Código Civil brasileiro nos artigos 3º e 4º, sendo que a legislação traz os dispositivos de forma taxativa, haja vista que a capacidade civil das pessoas não pode ser presumida, mas devera decorrer de lei.           

O Código Civil Brasileiro (2002), em seu artigo 3º estabelece que: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”

Como demonstrado acima, percebe-se que o artigo 3º não faz menção aos maiores de 70 anos.  

Seguindo no mesmo código veja agora o artigo 4º, que traz em seu texto os relativamente incapazes:   

Art. 4o  São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:              

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;        

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;           

IV - os pródigos (BRASIL, 2002).            
          
                 

Como há de se observar, o artigo 4º também não menciona os maiores de 70 anos como relativamente incapazes. Assim, como já demonstrado anteriormente, percebe-se que os dispositivos 3º e 4º não          trazem em seus textos o maior de 70 anos como incapaz nem como relativamente incapaz.  Nota-se que o artigo 1641, II, ao estabelecer o regime de separação de bens aos maiores de 70 anos, cria uma nova modalidade de incapacidade, ou seja, coloca este individuo como incapaz de escolher o seu próprio regime de bens.          O fato de o idoso ter mais de 70 anos não o torna absolutamente incapaz para exercer os atos da vida civil. Portanto, não pode ser privado do direito de escolher o regime de bens em que ira contrair matrimonio.

A lei está impondo de forma arbitrária a necessidade da pessoa maior de 70 anos se casar pelo regime obrigatório de bens, sem antes ter uma análise médica ou judicial, demonstrando a incapacidade de discernimento do idoso. A lei ao fazer tal imposição esta privando a pessoa idosa de se casar livremente, pois não tem capacidade para exercer sua própria vontade. 

Como já é sabido, todo cidadão é amparado pelo princípio da autonomia da vontade também conhecido como autonomia privada da pessoa, ou seja, toda pessoa capaz é livre para fazer suas próprias escolhas. Quanto ao princípio da autonomia da vontade, Francisco Amaral (2008) argumenta: 


A autonomia privada é o poder que os particulares tem de regular, pelo exercício de sua própria vontade , as relações que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e respectiva disciplina jurídica. É uma das mais significativas representações da liberdade como valor jurídico, expresso no Preâmbulo constitucional, no principio da liberdade de iniciativa econômica (CR, art.170) e na liberdade contratual (CC art.421)


            O autor acima descreve que a autonomia da vontade, ou autonomia privada da o direito e a liberdade para o indivíduo exercer sua democracia. Como no caso do casamento, que tem como característica a natureza contratual, em que os nubentes de livre e espontânea vontade se reúnem para celebrar o casamento, uma vez que ambos iram compartilhar a vida amorosa e patrimonial.              
              A lei ao fazer tal imposição, deixa de observar o devido processo legal, ou seja, impõe de forma desproporcional algo sem antes ter um relatório medico ou uma sentença judicial que comprove a incapacidade da pessoa maior de 70 anos para escolher seu próprio regime de bens. O Estado impõe tal obrigação de forma geral, não dando nem a possibilidade dos nubentes discutirem tal assunto em juízo para que seja aplicado outro regime de bens no casamento, desta forma, joga por “água a baixo” o principio da autonomia da vontade da pessoa humana.

Já com relação ao estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, pode-se destacar os artigos 1º,  2º e 3º caput, que fazem menção a proteção da pessoa idosa.

Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003).

                                              
           Fazendo uma interpretação dos dispositivos acima citados, observa-se que várias garantias foram dadas as pessoas idosas. Veem-se vários princípios englobados nos dispositivos, inclusive o principio da dignidade da pessoa humana. É de se observar também que o artigo 2º da lei nº 10.741, garante ao idoso “todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”, observa-se que a lei ao impor o regime de separação obrigatório de bens aos maiores de 70 anos está ferindo o direito de escolha e a dignidade moral do idoso.

Ainda no estatuto do idoso, tem o artigo 4º, que em seu texto trás a garantia de que o idoso não poderá ser discriminado.

Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

§ 1o É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.

§ 2o As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Depois de fazer uma análise dos dispositivos citados, entende-se que o Estado ao aplicar o artigo 1641, inciso II do Código Civil, no tocante ao casamento das pessoas maiores de 70 anos, está deixando de observar a dignidade da pessoa idosa.

O artigo 5º do Estatuto do Idoso traz em seu texto que a inobservância dessas normas poderá gerar sanções a quem descumpri-la. De acordo com o art. 5º: A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei. Porém, o próprio Estado discrimina a pessoa maior de 70 anos deixando de observar tais normas, e impondo um regime de casamento que pode não ser da vontade dos mesmos.

Em aspecto doutrinário, há legisladores que defendem a imposição do Estado sobre o argumento de que a legislação busca a proteção do idoso e de seus bens, desta forma evitando que o mesmo seja enganado e venha colocar em risco os seus bens. O professor Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra diz: ”a restrição é de caráter protetivo objetiva obstar à realização de casamento exclusivamente por interesse econômico”    

Tal argumentação não é plausível, haja vista que a pessoa idosa sabe sim distinguir sentimentos e analisar as intenções aleias. Além do mais, traz a justificativa de que o casamento pode ser feito por interesse econômico, mas tal justificativa perde sua força quando observamos o artigo 10 § 1º da lei nº 8.842/94 (Lei de Política do Idoso).

Art. 10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos:           
[...]
§ 1º É assegurado ao idoso o direito de dispor de seus bens, proventos, pensões e benefícios, salvo nos casos de incapacidade judicialmente comprovada.        

Nota-se que o dispositivo da direito ao Idoso dispor de seus bens da forma que quiser, salvo quando este estiver sua incapacidade comprovada na esfera judicial. Desta forma, para que ocorra o impedimento ao idoso, devera ter um processo respeitando o principio do contraditório e da Ampla Defesa, e não da forma que a lei impõem o regime de separação de bens ao casamento da pessoa maior de 70 anos de idade.        

O Supremo Tribunal Federal, para tentar resolver tal imposição do regime de separação de bens, editou a Súmula 377, onde estabelece que os bens que forem adquiridos na constância do casamento devem sem partilhados: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

A medida adotada pelo Supremo Tribunal Federal é muita justa, uma vez que não é justo os bens adquiridos pelo casal no fim da união conjugal ficar para um só, pois, houve um esforço mútuo.

Como toda norma tem que estar de acordo com os princípios que norteiam o ordenamento jurídico do país, será demonstrado adiante os principais princípios e normas que são afrontados com a imposição feita ao maio de 70 anos, inclusive chega a ser de certa forma, uma descriminação.

              

6. DOS PRINCIPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS AFRONTADOS SOBRE A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇAO OBRIGATORIA DE BENS PARA MAIORES DE 70 ANOS       

          
Como é sabido, os princípios são de grande importância na historia dos direitos humanos, são direitos de varias dimensões que vem norteando o ordenamento jurídico brasileiro, a inobservância desses princípios fere diretamente garantias que vem expressas na Constituição Federal de 1988.          

Como será exposto adiante, a imposição do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos, fere alguns princípios de grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro, pois deixaram de ser observados com a imposição do artigo 1641, II do Código Civil.     

          Neste sentido, leciona Ataliba (2001):


[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico, Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente a perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).


            Portanto, qualquer norma que fere princípios constitucionais deve ser revista, editada e se preciso ate revogada. Será visto agora, o principio da dignidade da pessoal humana, que por sua vez, é o principio de maior relevância quando se trata de direitos e garantias inerentes a pessoa humana.    

   

6.1 Princípio da dignidade da pessoa humana     
             
           Este é o princípio norteador de todos os demais  princípios elencados no direito brasileiro, afirma a ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias (2010):   


É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado no primeiro artigo da Constituição Federal. A Preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional    .


            Por se tratar de um Estado democrático, na promulgação da Constituição Federal de 1988, o legislador se preocupou tanto com a dignidade da pessoa Humana que trouxe esse principio logo no artigo 1º inciso III da CF/88.  

 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]
III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).

            Portanto, o Estado ao interferi de forma arbitraria na vontade da pessoa maior de 70 anos, quanto ao regime de casamento, esta deixando de observar tal princípio, e ferindo a dignidade e o direito de escolha da pessoa idosa. Outro principio que esta sendo ferido é o da liberdade, como será demonstrado adiante.

6.2 Princípio da liberdade                                                                                 
 

 Este princípio por sua vez, encontra respaldo legal no artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988:

                                                                                           
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Ao se tratar da liberdade da pessoa humana, é preciso fazer uma análise bem ampla sobre o assunto. Uma vez que a liberdade está ligada a diversos aspectos, como por exemplo, a liberdade que toda pessoa humana tem para escolher o que melhor lhe convier, desde que respeite os limites impostos pela lei, e assim exercendo o direito a autonomia da vontade.

            O Estado ao impor o Regime de Separação Obrigatória de Bens aos maiores de 70 anos, esta de certa forma, tratando a pessoa idosa diferente das demais pessoas, e isso é vedado pelo principio da Igualdade também trazido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.

Conforme Maria Helena Diniz citada no artigo de Keith Diana da Silva (2008 apud SILVA) concluiu em seu estudo:

 “O princípio da liberdade refere-se ao livre poder de formar comunhão de vida, a livre decisão do casal no planejamento familiar, a livre escolha do regime matrimonial de bens, a livre aquisição e administração do poder familiar, bem como a livre opção pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole”.

 

Portanto, a escolha do regime de casamento deve ser de livre escolha dos nubentes, não cabe ao Estado impor de forma arbitraria o regime para os maiores de 70 anos.                                   

6.3 Princípio da igualdade                                                                                

          
Este princípio é de grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro, e assim como vários outros princípios, encontra-se fundamento legal no artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988, no que segue:                                                                                       

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:                                        
 

            Como descreve o dispositivo acima, este princípio veda qualquer tipo de distinção entre pessoas humanas. Portanto, o Estado ao impor o regime de bens ao casamento das pessoas maiores de 70 anos faz essa distinção, ou seja, trata a pessoa idosa de forma diferente das demais, colocando assim como incapaz para escolher o seu próprio regime de bens.                                                                                                   
              A questão é saber se tal imposição do artigo 1641, inciso II, do Código Civil (2002), é inconstitucional ou não. Como já foi demonstrado em tópicos anteriores, vários doutrinadores alegam que sim, e como já foi citado, fere também princípios constitucionais e normas que se encontram na Constituição Federal de 1988.

            Portanto, os princípios de grande importância estão sendo afrontado com a imposição do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos, o que será visto adiante as principais normas que também estão sendo deixadas de ser observadas.

 
6.4 Das normas afrontadas pelo artigo 1641, inciso II do Código Civil        

           O primeiro dispositivo que deve ser mencionado é o artigo 5º inciso X da Carta Magna de 1988, que dispõe: ”[...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

          Nota-se que, a nossa lei maior assegura o direito a intimidade, a vida privada e a honra da pessoa humana. Portanto, ao impor o Regime de Separação de Bens aos maiores de 70 anos, está de forma arbitraria intervindo na vida privada dos mesmos, não respeitando o principio da isonomia, e ferindo a honra, pois, gera um constrangimento a pessoa idosa por não poder optar pelo seu regime de bens, mesmo este sendo plenamente capaz para os atos da vida cível.

            Já no próprio Código Civil vigente, vale mencionar o artigo 1.513, caput, que diz: “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.”.

  Mais uma vez o legislador deixou de observar a norma. Como o casamento se trata de vida em família, o Estado não pode intervir de forma arbitraria e estabelecer um regime de bens que talvez não seja satisfatório para os cônjuges. Fere o direito a autonomia privada, que é o direito que toda pessoa tem de regulamentar os seus próprios interesses.

Neste sentido, o ilustre Doutrinador Paulo Luiz Neto Lobo (2011), disserta sobre o assunto:

                                                                                    
O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposições ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador, à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeite suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral.                                                      

          Sobre o estatuto do idoso, o artigo 2º, caput, reza que:


 Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando--lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, 2003).     
 

 Reza também o disposto no artigo 5º inciso XLI da Constituição Federal de 1988: “[...] XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.    
            Fazendo uma análise dos dois últimos dispositivos citados, percebe-se que a lei protege de forma clara os direitos dos idosos, inclusive impondo sanções para quem descumpri-las. O legislador deixou de observar o lado positivo dos maiores de 70 anos, que no decorrer da vida vão amadurecendo e ganhando experiência, seja na vida profissional ou amorosa, e por muitas vezes sabem lidar melhor com determinadas situações do que pessoas mais jovens. Porém, o legislador não se atentou para o lado positivo, olhando apenas para a vulnerabilidade proveniente da idade avançada.

           Sobre tais fundamentos, na dissertação de Paulo Lins e Silva (1999, p 359), citado pela ilustre Maria Berenice Dias (2003), descreve que:

O direito natural de afeto, carinho e elevada sensibilidade que o ser humano contém no seu interior, muitas vezes quando rebrota dessa terceira idade, o amor para ser vivido na fase mais experiente da vida. Tornam-se semi-incapazes, dependentes de normas arcaicas, discriminatórias e protetivas daqueles que nada fizeram para a construção numa vida, de um patrimônio simples ou representativo, cercando um livre direito de se exercer sem condições e realização formal e completa de um matrimônio digno e volitivo.      .          
                                                                                       

            Depois de analisar os princípios e normas acima citadas, verifica-se uma enorme agressão ao direito dos idosos maiores de 70 anos. Pois o Estado impõe um regime de bens que talvez não seja o desejado pelos cônjuges, e á também uma enorme violação do Principio da Intervenção Mínima, pois há dispositivos no ordenamento jurídico que veda a intervenção arbitraria do Estado nas relações de Família. Portanto, fica claro que o artigo 1641, inciso II do CCB, deve ser revisto, uma vez que fere princípios de suma importância e garantias trazidas pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

          Neste sentido, menciona-se a extraordinária definição trazida por Bandeira de Melo, 1994, p. 451:


Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade. Conforme o escalão do princípio atingido, pode representar insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão da estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.

           Portanto, depois de analisar vários princípios constitucionais e normas de grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro, que estão sendo afrontadas, não restam duvidas que o artigo 1641, inciso II, do Código Civil deve ser revisto.

7. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS                                                             
        
           
Diante de tudo que foi exposto, com análise do casamento no direito de família, nota-se que desde as primeiras Constituições Federais, a família vem recebendo uma grande proteção pela lei, em especial pelo constituinte originário.

Também foi apresentada no trabalho, a questão dos regimes de bens no casamento existentes no Brasil, bem como algumas características dos mesmos. Porém, o foco principal do trabalho foi a discussão sobre o artigo 1.641 inciso II, do Código Civil, que impõe o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos que pretendem se casar, a lei coloca a pessoa idosa com uma certa incapacidade impedindo-a de escolher o seu próprio regime de bens, alegando a falta de discernimento só por ter a idade avança.

Como já foi comprovado no trabalho, a imposição do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos deve ser revista, haja vista que o legislador ágil de forma arbitraria, e portanto tal imposição fere diversos princípios e normas constitucionais, como é o caso do principio da dignidade da pessoa humana e depois princípios e normas que foram citados no decorrer do trabalho.

A lei ao fazer tal imposição, esta presumindo um novo tipo de incapacidade sem nem ates ter um relatório médico ou uma sentença judicial, o legislador age de forma arbitrária.

Conclui-se com isso, que o legislador se atentou apenas para o lado patrimonial para fazer tal imposição, assim, deixou de observar a questão sentimental da pessoa idosa, e seu direito de escolha, haja vista que o descrimina impedindo que o maior de 70 anos escolha seu próprio regime de bens.

Como foi mencionado no trabalho, a pessoa tem direito de dispor dos seus bens da forma que bem entender, desde que nos parâmetros que a lei estabelece.

Por fim, nota-se que faz necessário uma reforma legislativa no tocante o artigo 1.641 inciso II, do Código Civil, sobre a imposição do regime de separação obrigatória de bens para a pessoa maior de 70 anos.

Haja vista, que o idoso deve ser tratado de forma igualitária sem nenhuma discriminação, e observando as demais legislações e princípios constitucionais, nota-se claramente a inconstitucionalidade de tal imposição em face da pessoa idosa.

DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
           
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 377. Disponível em:           .
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=4022       
________ Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 de setembro de 2017     

_________ Constituição Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm                               

_________ Estatuto do Idoso. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2010          


             DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. São Paulo: Saraiva, 2010. Pág. 498.

GONCALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol.6. São Paulo: Saraiva, 2013

LINS E SILVA, Paulo. O casamento como contrato de adesão e o regime legal. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 359.        

             LOBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2009, 2ª edição, p. 331.

________Constitucionalização do Direito Civil: Acesso em: 03 de outubro de 2017                      

Sobre os autores
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Geraldo Guilherme Ribeiro de Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha, Estado de Minas Gerais, em 11 de fevereiro de 1995. Estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Filosofia pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2008, Bacharel em Licenciatura Plena pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2009 e Mestre em Filosofia, na área de concentração em Ética pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizontes, Estado de Minas Gerais. Atualmente, Professor de Filosofia Geral e Jurídica e Direito Constitucional, na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais (UNIPAC).

Matheus Ferreira

Matheus Ferreira é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Presidente Antônio Carlos, campus Teófilo Otoni, Minas Gerais.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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