Cem contos de réis para ficar em casa

07/12/2017 às 20:29
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Deputado Vicente Figueiredo, mesmo doente, rejeitou suborno e votou pela Lei do Ventre Livre. Sua história inspira frente aos desafios éticos atuais: qual o preço da integridade?

Minha avó paterna, Maria Regina Figueiredo, de Inhaí, distrito de Diamantina, minha terra natal, sempre me contava, quando eu ainda era criança, que seu tio Vicente foi deputado por Minas Gerais e que seu voto, nessa qualidade, foi decisivo para a abolição da escravatura no Brasil. Naquela idade, não dei muita importância ao relato. Com o passar dos anos, o tempo se encarregou de varrer essa história da minha memória. Aos quinze anos, fui admitido no cargo de mensageiro no Departamento dos Correios e Telégrafos, que, diga-se de passagem, ainda me traz inesquecíveis saudades do coleguismo e da amizade.

Certo dia, enquanto entregava telegramas, deparei-me com a placa de uma rua: Vicente de Figueiredo. Perguntei, como de costume, quem era a pessoa homenageada naquela placa, mas não obtive uma resposta satisfatória. A curiosidade ficou martelando em minha mente, até que um dia fui a Inhaí. Chegando lá, perguntei primeiramente a meu pai se o nome escrito na placa tinha relação com a história contada por minha avó. Ele me disse que não se tratava de invenção e que os fatos narrados por ela eram verdadeiros. Esse fato voltou à minha memória ao refletir sobre os tristes acontecimentos que, infelizmente, trarão graves consequências para os brasileiros, especialmente para os mais necessitados. O “toma lá, dá cá” promovido pela autoridade máxima da República, que arquitetou todo tipo de concessões à base aliada — ou melhor dizendo, comprando deputados, que se venderam, é claro —, visava obter deles a rejeição da denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República.

Isso me fez lembrar de Ulysses Guimarães, que, ao apresentar com entusiasmo a “Constituição Cidadã”, afirmou algo mais ou menos assim: “A moral é o cerne da pátria. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube — eis o primeiro mandamento da moral da República.” Tancredo Neves, por sua vez, dizia sobre o germe da corrupção: “O que existe de ruim é que ele começa desfigurando as instituições e acaba desfigurando o caráter do cidadão.” Desculpem-me se não fui fiel às citações, pois as guardei de memória.

Voltando ao caso central deste artigo, só tomei conhecimento de informações mais precisas ao ler o livro Vultos e Fatos de Diamantina, do ilustre diamantinense Dr. Soter Couto. Na página 33, segunda edição, ele escreve:

“VICENTE JOSÉ DE FIGUEIREDO. De família humilde e, por isso, à custa de muito esforço, adquiriu sólida cultura, que o levou a lecionar latim no Ateneu de São Vicente de Paula, onde entrou pela mão de D. João. Apaixonando-se pela política, foi mais tarde eleito deputado pelo distrito conservador de Montes Claros. Abraçando a causa abolicionista, ele se encontrava doente, acamado, e os escravocratas, ao calcular os votos necessários na Câmara, perceberam que lhes faltava apenas um para impedir a aprovação da Lei do Ventre Livre. Por essa razão, visitaram-no e solicitaram que permanecesse em casa, abstendo-se da votação. Mesmo doente, Vicente foi e votou a favor da lei, recusando a oferta de cinquenta contos de réis, o valor da 'propina escravocrata' oferecida para que ele se abstivesse. Morreu pobre em Diamantina.”

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Sobre o autor
José Edson de Andrade Neves

Advogado militante em Belo Horizonte, graduado pela Faculdade de Direito da UFMG, em Belo Horizonte, pos graduado em Ciências Penais, pela Faculdade Gama filho

Informações sobre o texto

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