Trabalho escravo: responsabilização do Brasil perante a Corte Internacional de Direitos Humanos

13/12/2017 às 11:27
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INTRODUÇÃO

Há algumas expressões que são utilizadas hoje, para definir esse tipo de escravidão: Escravidão por dívidas. Essa expressão é utilizada devido ao fato de os trabalhadores contraírem dívidas com os fazendeiros, relacionadas à alimentação, estadia, passagens. Essa dívida impede o encerramento do vínculo com o fazendeiro, pois os trabalhadores não conseguem quitar as dívidas. A escravidão branca, essa expressão é utilizada para que se possa fazer uma diferenciação entre a antiga escravidão negra e a atual. Superexploração do trabalho, pelo que não há o respeito mínimo às garantias trabalhistas. Senzala Amazônica é a escravidão moderna.

Há inúmeros outros nomes: Trabalho forçado, trabalho compulsório, em condições degradantes, neo-escravidão, redução à condição análoga a de escravo (esta última seria a total subserviência do trabalhador ao patrão).


1. ORGANIZAÇÕES E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS REFERENTES AO TRABALHO

O artigo 2º da Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1930 estabelece que o trabalho forçado ou obrigatório seria aquele praticado sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente, ou seja, não voluntária. Dispõe o artigo 4º da Declaração Universal de Direitos humanos, de 1948, que " ninguém será mantido em escravidão, nem em servidão; A escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.". O Código Penal Brasileiro - CPB, em seu artigo 149, tem como bem jurídico protegido, a liberdade da vítima, que se vê limitada em seu direito de ir e vir.

Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;


2. O TRABALHO NAS GRANDES FAZENDAS

O trabalho nas grandes fazendas, se caracteriza principalmente pela dívida do trabalhador com o fazendeiro. Os trabalhadores somente poderão se desvincular da fazenda ao pagar sua dívida. Dívida esta que se torna um círculo vicioso, pois os produtos vendidos pelos fazendeiros são superfaturados e os trabalhadores não têm acesso ao valor das dívidas. A maioria é de analfabetos e facilmente ludibriados. Acabam gastando mais do que recebem e, como em muitos relatos, não chegam sequer a receber dinheiro em espécie. A situação se torna um círculo vicioso, o que é um total desrespeito à Consolidação das Leis do Tabalho.

Além do trabalhador ser forçado a permanecer na fazenda, as condições de trabalho são precárias. Os campesinos são vigiados 24 horas por seguranças armados e sofrem coação física, moral e psicológica. Não podem fugir, correndo o risco de serem até assassinados, sem que a família tenha notícias de seu paradeiro, como no caso da Fazenda Brasil Verde, no Pará. Caso que será exposto mais a frente.


3. A HISTÓRIA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

Oficialmente, o trabalho escravo foi abolido no final do século XIX. Mas, na prática, ele continua a existir. Segundo dados do índice de escravidão global, elaborado por Organizações não Governamentais (ONGS), ligados a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 200 mil trabalhadores vivem em condição análoga a de escravo, grande parte em fazendas. Ou seja, a escravidão nunca foi abolida totalmente.

Sobre o trabalho escravo contemporâneo, o Procurador do Trabalho Ronaldo Lima dos Santos destaca suas diferentes denominações:

“Independentemente da denominação adotada – “trabalho escravo contemporâneo”, “escravidão por dívida”, “trabalho forçado”, “trabalho obrigatório”, “redução à condição análoga à de escravo” [...] – em todas as hipóteses levantadas, constatamos flagrantemente a sempre presença de vícios de vontade, seja no início da arregimentação do trabalhador, no começo da prestação de serviços, no curso da relação de trabalho a até mesmo por ocasião do seu termino. Os mais diversos métodos de coação, simulação, fraude, dolo, indução ao erro, são empregados para cercear a vontade do empregado e obriga-lo à prestação de serviços contra sua vontade.”.


4. CASOS DE ESCRAVIDÃO DIVULGADOS NA IMPRENSA

Ocorreu em meados de 2017, mais um resgate de trabalhadores em regime de escravidão. Foi em uma fazenda localizada a 240 km do município de Corumbá, no Estado de Mato Grosso. Cinco homens foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e emprego (MPT) e Polícia Militar Ambiental, no dia 25 de abril de 2017. Eles trabalhavam 10(dez) horas por dia, sem equipamentos de proteção e intervalo curtíssimo de descanso. O alojamento era um barraco de madeira, sem banheiro, as camas eram tábuas em cima de tijolos. Esse espaço era dividido com remédios, gado, galinhas, porcos e insetos. Os alimentos eram feitos em um fogão de lata no chão. A água era suja e contaminada. Um dos trabalhadores, um idoso de 60 anos, estava doente há dias. Não havia registro na Carteira de Trabalho (CTPS), pelos serviços. Eles deveriam receber R$ 60,00 (sessenta) reais por dia. Mas segundo os mesmos, isso nunca ocorreu.

No Estado do Piauí, em Agosto de 2016, 181 trabalhadores viviam em condição análoga a de escravo, na Fazenda Bate-Bate, zona rural do município de Anísio de Abreu, distante 575 quilômetros de Teresina. Trabalhavam de forma degradante em uma área selvagem, isolada, longe do alcance das leis. O trabalho era na extração de madeira para uma mineradora paulistana. Os trabalhadores, estavam desde o início do serviço, sem receber os salários, não havia equipamento de proteção. Não existia alojamento adequado e a maioria dormia na mata, ao relento. Muito menos registro na Carteira de trabalho.

Claramente desprovidos de direitos e garantias, como descontos da folha de pagamento com as despesas de deslocamento, alimentação e materiais utilizados no serviço, como combustível, óleo de motor e correntes de corte, necessários para operar a motosserras.


5. ANÁLISE DO CASO JULGADO NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DOS TRABALHADORES ESCRAVIZADOS NA FAZENDA BRASIL VERDE, NO PARÁ.

O primeiro caso sobre escravidão e tráfico de pessoas decidido pela corte, envolve 128 trabalhadores rurais. Foi decidido que o Estado Brasileiro terá que indenizar os trabalhadores em quase 5 milhões de dólares por conivência com o trabalho escravo.

A fazenda Brasil Verde se utilizou dos seus trabalhadores visando lucros e em detrimento da dignidade da pessoa humana. Foram 12 fiscalizações, e em todas foram encontradas irregularidades. Os trabalhadores dormiam em galpões, sem eletricidade e camas. Alimentação insuficiente, o material de trabalho era descontado dos “salários”, o que acabava se tornando uma dívida com o fazendeiro. Ainda, os que ficavam doentes não recebiam atenção médica.

A ausência da aplicação da lei para proteger os trabalhadores e punir os responsáveis, que, até então, foram obrigados a pagar, no máximo, valores rescisórios mínimos, que fez com que o caso fosse aceito na corte Internacional de Direitos Humanos, em 2015. Assim, o Estado Brasileiro se tornou réu. A fazenda não pode ser julgada em âmbito internacional, mesmo tendo personalidade jurídica. Então, o Estado que deveria ser punido.

Segundo relato de Chagas Diogo, de 70 anos: “lá tinha muito pistoleiro, o sujeito que fugisse, iria morrer. Aí tinha que aguentar. A gente comia nos capacetes [de construção]. Se você não tivesse um capacete, tinha que esperar os outros comerem, pra usar o capacete de alguém.”.

A corte reconheceu que o Brasil violou os direitos estabelecidos em inúmeros artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos, como a proibição da escravidão e servidão, garantia a integridade física, psíquica e moral da pessoa e o direito à liberdade pessoal. É verdade que a dignidade humana não tem preço, mas a conivência do Estado com a escravização de trabalhadores tem seu custo. O valor da reparação foi inédito.

Os 85 (oitenta e cinco) trabalhadores resgatados durante a fiscalização em 15 de março de 2000 vão receber, cada um, cerca de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Outros 43 (quarenta e três) trabalhadores resgatados em 23 de abril de 1997 receberão cerca de R$ 90.000,00 (noventa mil reais).

É claro que o sofrimento e as aflições que esses trabalhadores passaram não têm preço. Mas, houve ao menos uma compensação financeira. E o Estado brasileiro, depois dessa punição, deve intensificar as fiscalizações e extinguir, ou ao menos tentar diminuir, essa prática deplorável.

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6. CONCLUSÃO

Nos últimos 17 (dezessete) anos, 44 mil pessoas foram tiradas de situação análogas à escravidão, mas a punição aos escravocratas não passou de pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços à comunidade. A impunidade reina. Essa sensação é unânime. Muitas ações demoraram tanto a ser julgadas que prescreveram. Prisão não houve, o resultado prático, em regra, inclui a libertação dos trabalhadores, pagamento de indenizações trabalhistas e, em alguns casos, a divulgação do ocorrido.

Houve também a criação de uma lista de restrição de financiamento para empresas e fazendeiros. Chega-se à conclusão de que é preciso uma atuação mais efetiva na esfera criminal, pois são crimes que ofendem os direitos humanos, contra a sociedade.

Na visão de Gláucia Araújo Oliveira, procuradora do trabalho do Paraná:

“Há uma divisão equivocada de atribuições. Eu faço a operação. Vou à fazenda e recolho provas que rendem uma série de processos, como os administrativos. Mas na hora do processo criminal, o caso vai para um procurador federal”, comenta. Ele, que já atua no combate ao trabalho escravo há dez anos, salienta que os casos mais comuns envolvem condições degradantes, jornadas exaustivas e a dependência por dívidas. “A morosidade na Justiça gera a sensação impunidade e o esquecimento.”.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HUMANOS, Comissão Interamericana de Direitos. CASOS NA CORTE. 2011. Disponível em: <https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/demandas.asp>. Acesso em: 03 dez. 2017.

NEVES, Debora Maria Ribeiro. ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO SUL DO PARÁ: REFLEXO DA IMPUNIDADE. 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10858/escravidao-contemporanea-no-sul-do-para>. Acesso em: 03 dez. 2017.

PENA, Rodolfo F. Alves. "Trabalho escravo no Brasil atual"; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/brasil/trabalho-escravo-no-brasil-atual.htm>. Acesso em 03 de dezembro de 2017.

BRASIL. Ministério Publico da União. Procuradoria Geral do Trabalho. Trabalho escravo. Revista do Ministério Publico do Trabalho, Brasilia, ano 13, n.26,p. 55-56, 2003.

EDIÇÃO, Ministério PÚblico do Trabalho em Mato Grosso do Sul Prt 24ª. MS: CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO MARCA ROTINA DE TRABALHO EM FAZENDA NO PANTANAL. Ecodebate. Campo Grande, p. 14-18. 04. maio 2017.

OLIVEIRA, Regiane. Depois da Liberdade - o direito a reparação efetiva pelas vozes de pessoas submetidas à escravidão contemporânea. 2016. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/17/economia/1481988865_894992.html>. Acesso em: 03 dez. 2017.

SANSON, Cesar. NINGUÉM É PRESO POR TRABALHO ESCRAVO. 2013. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/171-noticias/noticias-2013/520851-ninguem-e-preso-por-trabalho-escravo>. Acesso em: 03 dez. 2017.

WASHINGTON D.C. Santiago A. Canton. SecretÁrio Executivo. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS: COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Washington D.c, 2011. 65. p.

GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal- Parte Geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. 775. p.

Sobre a autora
Taciana Dager Rosa Costa

Estudante de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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