Capitolina, ou melhor, Capitu, figura central do romance Dom Casmurro, do grande romancista Machado de Assis, é frequentemente condenada por seus leitores, acusada de ter traído seu marido, Bentinho, o próprio Dom Casmurro. A frase machadiana serve como uma espécie de "denúncia": “Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva.” Entretanto, não chegaremos a essa conclusão se forem analisadas as vidas de Escobar, Bentinho, Capitu e Sancha.
Bentinho foi enviado ao seminário não por vocação, mas para satisfazer os caprichos de sua mãe, que alegava ter feito uma promessa a Deus em razão de uma graça alcançada. Ele ingressou no seminário sob as bênçãos do Padre Cabral. Contudo, o verdadeiro "seminário" de Bentinho era Capitu, a morena de "olhos de cigana oblíqua e dissimulada", apelido dado por José Dias, o agregado da família. José Dias, adotado em agradecimento por um favor recebido, tornou-se conselheiro da casa. Era um homem imponente, adepto de superlativos, que gostava de se sentir importante, mas que, na verdade, era um parasita, satisfeito com roupas, cama e mesa oferecidas pela família. Ele ainda acobertava o namoro entre Capitu e Bentinho.
No seminário, Bentinho conheceu o paraense Escobar. A amizade entre os dois despertava a atenção dos colegas, devido à maneira afetuosa com que se comunicavam, o que levou um dos padres a repreendê-los por tais atitudes.
Bentinho e Capitu casaram-se. Escobar e Sancha também. Os casais cultivavam uma relação próxima, uma amizade que ia da sala ao quintal. Escobar e Sancha tiveram uma filha, chamada familiarmente de "Capituzinha". Mais tarde, Capitu e Bentinho tiveram um filho, a quem deram o nome de Ezequiel, em homenagem a Escobar. Com o tempo, Ezequiel foi se tornando cada vez mais parecido com Escobar, quase um "papel-carbono". Escobar chegou a imaginar o casamento entre seus dois "pupilos", o que configuraria incesto.
Ora, Capitu nunca foi "dissimulada". Seus olhos grandes e claros revelavam sua personalidade. Desde criança, era sensual, irrequieta, travessa e capaz de arquitetar todo tipo de aventura, inclusive com Escobar. Tudo isso ocorria, porém, com o consentimento implícito de Bentinho, que conhecia muito bem seu amigo.
"Dissimulada" era, na verdade, a "linda Sofia", mulher de Cristiano de Almeida Palha, que, com seus braços encantadores, seduziu Rubião, apropriando-se de presentes que o levaram à miséria e à loucura. Em uma ocasião, Sofia convidou suas amigas para uma reunião, onde apresentou Rubião como "o ricaço de Minas". Quando ele já estava na miséria e no auge da loucura, ao ser questionada sobre a riqueza de Rubião, Sofia respondeu simplesmente: “Dizem que ele possuía alguma coisa, mas como era descontrolado, ficou pobre e doente. O Palha está providenciando sua internação...” (Romance Quincas Borba).
Voltando à história de Capitu: quando Escobar morreu afogado em uma aventura no mar, durante o velório, Bentinho notou que Capitu chorava lágrimas de viúva diante do cadáver. Bentinho ficou desesperado. Atribui-se seu distúrbio mental, que o acompanhou por toda a vida, à semelhança de Ezequiel com Escobar, mas seu sofrimento vai muito além disso: trata-se também da perda de seu dileto amigo desde os tempos do seminário.
Portanto, a meu ver, não houve traição por parte de Capitu. Seu olhar nunca foi dissimulado, e suas atitudes sempre foram dirigidas por Bentinho, sobretudo no que diz respeito a Escobar, com as bênçãos implícitas de seu marido. Da mesma forma, a "linda Sofia", embora as evidências apontem contra ela, tem o testemunho do Dr. Falcão, médico de Rubião, que a recrimina. No entanto, seu marido sabia perfeitamente que os presentes caríssimos eram dados por Rubião, os quais levaram o homem à miséria e à demência.
Assim sendo, tanto a "linda Sofia" quanto Capitu devem ser absolvidas.