A jurisprudência do STF e do STJ sobre progressão de regime em crimes hediondos

A jurisprudência do STF e do STJ sobre progressão de regime em crimes hediondos

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26/12/2017 às 08:43
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2. A edição da Súmula  698 do STF

Como não poderia de deixar de ser, coube também ao Supremo Tribunal Federal a apreciação da matéria em questão. A condensação dos entendimentos do Supremo fez nascer a Súmula nº 698 (DJU, Seção I, de 9/10/2003, p. 6), que manteve a linha de pensamento de seus Ministros.

A súmula nº 698 do Supremo Tribunal Federal assim dispõe:

"Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura."

A Base Legislativa para o surgimento da súmula nº 698 são: Lei nº 8.072/90, artigo 2º, § 1ºe a Lei nº 9.455/97, art. 1º, § 7º.

Os Julgados Precedentes são:

HC 76.543 de 3/3/1998, DJU de 17/4/1998; HC 76.371 de 25/3/1998, DJU de 19/3/1999; HC 76.894 de 31/3/1998, DJU de 14/8/1998; HC 77.335 de 5/6/1998, DJU de 27/11/1998; HC 76.617 de 23/6/1998, DJU de 2/10/1998; HC 77.256 de 23/6/1998, DJU de 16/10/1998; RE 237.846 de 14/12/1998, DJU de 30/4/1999; HC 78.413 de 2/2/1999, DJU de 26/3/1999; HC 77943 de 2/2/1999, DJU de 21/5/1999; HC 78.967 de 16/3/1999, DJU de 16/4/1999.

O Supremo Tribunal Federal sempre se mostrou contrário à tese que defendia a progressão de regime de cumprimento de pena aos crimes hediondos, recentemente editando a Súmula nº 698, que dispõe: "Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura", fundamentada em diversos acórdãos, dos quais extraímos seus principais fundamentos:

HC 76543 - "Direito Constitucional, Penal e Processual Penal. Tráfico de entorpecentes. Concurso de Agentes. Pena-Base. Majoração da Pena (artigos 12, 14 e 18, III, da Lei n. 6.368/76). Regime de cumprimento de pena: integralmente fechado (Leis n.s 8.072/90, art. 1º, e 9.455/97, art. 1º, § 7º). Artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal. "De qualquer maneira, bem ou mal, o legislador resolveu ser mais condescendente com o crime de tortura do que com os crimes hediondos, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo. Essa condescendência não pode ser estendida a todos eles, pelo Juiz, como intérprete da Lei, sob pena de usurpar a competência do legislador e de enfraquecer, ainda mais, o combate à criminalidade mais grave. A Constituição Federal, no art. 5º, inc., XLIII, ao considerar crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, não tratou de regime de cumprimento de pena. Ao contrário, cuidou, aí, de permitir a extinção de certas penas, exceto as decorrentes de tais delitos. Nada impedia, pois, que a Lei n. 9.455/97, definindo o crime de tortura, possibilitasse o cumprimento da pena em regime apenas inicialmente fechado - e não integralmente fechado."(29)

E continuou o Supremo alegando que o legislador ordinário legislou com a finalidade precípua de combater a criminalidade mais grave.

Indiferente, e seguindo sua linha de posicionamento, continuou o mesmo Supremo Tribunal Federal reafirmando sua posição:

RE 237846 - "Regime de cumprimento de pena. A Lei n. 9.455/97, que admite a progressão do regime de cumprimento da pena para o crime de tortura, não se aplica aos demais delitos a que se refere a Lei n. 8.072/90, não sendo correto o entendimento de que o artigo 5º, XLIII, da Constituição deu tratamento unitário a todos esses crimes, inclusive quanto a regime de cumprimento de pena."(30)

E, o Supremo Tribunal Federal reforçando cada vez mais sua tese:

HC 76894 - "Habeas Corpus. Regime de Cumprimento da Pena. Crime hediondo. Tóxico. Lei n. 8.072/90. Lei n. 9.455/97. O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária no dia 25 de março de 1998, julgando o Habeas Corpus n. 76371, Redator para o acórdão o eminente Ministro Sydney Sanches, concluiu que a Lei n. 9.455/97 (Lei de Tortura), quanto à execução da pena, não derrogou a Lei n. 8.072/90, não se viabilizando a progressão do regime de cumprimento da pena para os delitos tipificados na lei dos crimes hediondos."(31)

O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ganhava dia após dia seus principais contornos de uniformidade perante um debate que merecia ir muito além da análise da correta aplicação da lei 8.072/90 e sua incerta e malfadada constitucionalidade.

A maior corte do País, acostumada a mudar os rumos da história jurídica, manteve-se seguindo seu ponto de vista.

No Habeas Corpus nº 76543/SC, a seguir transcrito, o STF analisou a questão em processo envolvendo o tráfico de entorpecentes. No aspecto referente a progressão do regime prisional em face da Lei nº 9.455/97 manteve o mesmo posicionamento que já vinha adotando:

HC 76543/SC - "Direito constitucional, penal e processual penal. Tráfico de Entorpecentes. Concurso de agentes. Pena-base. Majoração da pena (artigos 12, 14 e 18, III, da lei nº 6.368/76). Regime de cumprimento de pena: Integralmente fechado (leis nºs. 8.072/90, art. 1º, e 9.455, de 07.04.1997, art. 1º, § 7º). art. 5º, XLIII, da C.F. (...)

3. Improcede, por fim, a alegação de que indevida a imposição de regime integralmente fechado. A Constituição Federal, no inc. XLIII do art. 5º, estabeleceu: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". Não se cuida aí de regime de cumprimento de pena. A Lei nº 8.072, de 26.07.1990, aponta, no art. 1º, os crimes que considera hediondos (latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, e genocídio; tentados ou consumados). No art. 2º acrescenta: os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança e liberdade provisória. E no § 1º: a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. Inclusive, portanto, o de tráfico de entorpecentes, como é o caso dos autos. 4. A Lei nº 9.455, de 07.04.1997, que define os crimes de tortura e dá outras providências, no § 7º do art. 1º, esclarece: "o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado". Vale dizer, já não exige que, no crime de tortura, a pena seja cumprida integralmente em regime fechado, mas apenas no início. Foi, então, mais benigna a lei com o crime de tortura, pois não estendeu tal regime aos demais crimes hediondos, nem ao tráfico de entorpecentes, nem ao terrorismo. Ora, se a Lei mais benigna tivesse ofendido o princípio da isonomia, seria inconstitucional. E não pode o Juiz estender o benefício decorrente da inconstitucionalidade a outros delitos e a outras penas, pois, se há inconstitucionalidade, o juiz atua como legislador negativo, declarando a invalidade da lei. E não como legislador positivo, ampliando-lhe os efeitos a outras hipóteses não contempladas. 5. De qualquer maneira, bem ou mal, o legislador resolveu ser mais condescendente com o crime de tortura do que com os crimes hediondos, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo. Essa condescendência não pode ser estendida a todos eles, pelo Juiz, como intérprete da Lei, sob pena de usurpar a competência do legislador e de enfraquecer, ainda mais, o combate à criminalidade mais grave. 6. A Constituição Federal, no art. 5º, inc. XLIII, ao considerar crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, não tratou de regime de cumprimento de pena. Ao contrário, cuidou, aí, de permitir a extinção de certas penas, exceto as decorrentes de tais delitos. Nada impedia, pois, que a Lei nº 9.455, de 07.04.1997, definindo o crime de tortura, possibilitasse o cumprimento da pena em regime apenas inicialmente fechado - e não integralmente fechado. Pode não ter sido uma boa opção de política criminal. Mas não propriamente viciada de inconstitucionalidade. 7. "H.C." indeferido."(32)

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O Ministro Sepúlveda Pertence ao relatar o HC 78967-6/SP, assim expôs seu pensamento: "Pode ser triste que, assim, ao torturador se reserve tratamento mais leniente que ao miserável "vaposeiro" de trouxinhas de maconha: foi, no entanto, a opção da lei que - suposta a sua reafirmada constitucionalidade - é invencível, na medida em que, no tocante ao regime de execução, o art. 5º, XLIII, da Constituição não impôs tratamento uniforme a todos os crimes hediondos."(33)

O Supremo continuou mantendo sua linha de raciocínio:

HC 76371 / SP, "Direito Constitucional, Penal E Processual Penal. Crime de latrocínio. Regime de cumprimento de pena: Integralmente fechado. Inaplicabilidade da lei nº 9.455, de 07.04.1997, à hipótese. 1. A Lei nº 9.455, de 07.04.1997, no parágrafo 7º do art. 1º, estabeleceu que, nos casos de crime de tortura, o cumprimento da pena se inicie no regime fechado. 2. Tal norma não se aplica aos demais crimes hediondos, de que trata a Lei nº 8.072, de 26.7.1990 (art. 1º), e cuja pena se deve cumprir em regime integralmente fechado (art. 2º, parágrafo 1º), inclusive o de latrocínio, como é o caso dos autos. 3. Não há inconstitucionalidade na concessão de regime mais benigno, no cumprimento de pena, apenas inicialmente fechado, para o crime de tortura. E se inconstitucionalidade houvesse, nem por isso seria dado ao Poder Judiciário, a pretexto de isonomia, estender tal benefício aos demais crimes hediondos, pois estaria agindo desse modo, como legislador positivo (e não negativo), usurpando, assim, a competência do Poder Legislativo, que fez sua opção política. 4. Por outro lado, já decidiu o Plenário do STF, no julgamento do "H.C." nº 69.657, que não é inconstitucional o parágrafo 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, quando impõe o regime integralmente fechado, no cumprimento de penas por crimes hediondos, nela definidos. 5. "H.C." indeferido, por maioria, nos termos do voto do Relator."(34)

Ou seja, apesar de flagrante inconstitucionalidade da lei 8.072/90, o Supremo continuou mantendo sua posição, afirmando que não poderia modificar o texto legislativo sob pena de usurpar a competência de um outro Poder.

E, apesar das diversas vozes doutrinárias seguirem na contramão, o Supremo continuou a se manifestar pela nefasta continuidade da possibilidade da não progressão:

RE 237846 / DF - "Recurso extraordinário. Regime de cumprimento de pena. A Lei 9.455/97, que admite a progressão do regime de cumprimento da pena para o crime de tortura, não se aplica aos demais delitos a que se refere a Lei 8.072/90, não sendo correto o entendimento de que o artigo 5º, XLIII, da Constituição deu tratamento unitário a todos esses crimes, inclusive quanto a regime de cumprimento de pena. Precedentes do STF Recurso extraordinário conhecido e provido."(35)

Muitos pensamentos jurídicos já foram corrigidos graças ao trabalho incansável de advogados, promotores, juízes e demais operadores do direito, que muitas vezes lutaram arduamente contra teses que muitas vezes pareciam intransponíveis.

Qual a perspectiva que um detento tem em tentar voltar ao convívio social, se o próprio aparato estatal não lhe proporciona mecanismos de reinserção. É fato notório que na grande maioria das cidades brasileiras os presos são submetidos a tratamento degradante, cruel e desumano em absoluto contraste com nossa ordem constitucional. Misturam-se, ainda, presos provisórios com condenados definitivos, violando-se o texto Constitucional e a Lei de Execução Penal, que em seu artigo 88 assim dispõe: "O condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório".

Acreditamos que é chegado o momento para mudanças estruturais, tanto da legislação, como na execução das penas. Deve o Estado, através de seus agentes, proporcionar meios de ressocializar o preso. Não podemos "lavar as mãos" achando que o problema está resolvido.

Manter os presos sem a perspectiva de progressão em seus regimes prisionais é aniquilar totalmente suas esperanças de retorno ao convívio social. Cada detento traz consigo características próprias de sua personalidade, formação, convívio familiar e social etc., não podendo o aparelho estatal trata-los como se fosse uma única pessoa criminosa.(36)

Encarcerar um criminoso sem perspectivas de progressão no regime prisional não significará sua total aceitação e cumprimento da pena. Acreditamos que este se verá com dois caminhos a seguir:

1º - cumprir todo o regime, sem a esperança de melhorar para antecipar sua saída e tentar uma nova vida; (uma verdadeira utopia)

2º - rebelar-se contra o sistema imposto e tentar fugir. Afinal, em sua mente, não terá nada a perder. (causa mais provável, além do preso "aprender" novas técnicas delituosas na "escola" do crime).

Cremos que a segunda hipótese será a mais procurada por quase todos os criminosos, pois sabemos o quão deficiente é o nosso sistema prisional.

Sobre o autor
Alexandre Pontieri

Advogado com atuação nos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST e TSE), no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e, especialmente, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aluno Especial do Mestrado em Direito da UNB – Universidade de Brasília.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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