Siga sua consciência (mas antes procure convertê-la à verdade e ao bem)

08/01/2018 às 14:50
Leia nesta página:

É dever do homem obedecer a Deus. A lei divina é a norma universal e objetiva da moralidade. Mas quem aplica essa lei a cada caso concreto? A consciência moral. Ela é a norma próxima da moralidade pessoal. É ela que julga se esta ação concreta está ou não de acordo com a lei divina (que é abstrata).

Eis um exemplo de juízo de consciência:

É proibido matar diretamente um inocente.

lei moral objetiva

Ora, expulsar do útero uma criança de três meses é matá-la diretamente.

caso concreto

Logo, eu não posso induzir a expulsão deste bebê prematuro cuja bolsa se rompeu.

ditame da consciência

Sobre a consciência moral, assim se exprime o Concílio Vaticano II:

No fundo da própria consciência o homem descobre uma lei que não impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre está chamando ao amor do bem e à fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus: a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado (cf. Rm 2,14-16)[1].

Segundo São João Paulo II, o trecho acima da Carta aos Romanos, a que o Concílio se refere,

... indica o sentido bíblico da consciência, especialmente na sua conexão específica com a lei: ‘Porque, quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente os preceitos da lei, não tendo eles lei, a si mesmos servem de lei. Deste modo, demonstram que o que a lei ordena está escrito nos seus corações, dando-lhes testemunho disso a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os’ (Rm 2,14-15)[2].

Prossegue o Santo Padre em sua belíssima encíclica Veritatis Splendor:

De acordo com as palavras de S. Paulo, a consciência, de certo modo, põe o homem perante a lei, tornando-se ela mesma ‘testemunha’ para o homem: testemunha da sua fidelidade ou infidelidade relativamente à lei, ou seja, da sua essencial retidão ou maldade moral (VS 57).
[...]
S. Paulo não se limita a reconhecer que a consciência faz de ‘testemunha’, mas revela também o modo como ela cumpre uma tal função. Trata-se de ‘pensamentos’, que acusam ou defendem os gentios relativamente aos seus comportamentos (cf. Rm 2,15). O termo ‘pensamentos’ põe em evidência o caráter próprio da consciência, o de ser um juízo moral sobre o homem ou sobre seus atos: é um juízo de absolvição ou de condenação, segundo os atos humanos são ou não conformes com a lei de Deus inscrita no coração.
[...]
A consciência formula assim a obrigação moral à luz da lei natural: é a obrigação de fazer aquilo que o homem, mediante o ato da sua consciência, conhece como um bem que lhe é imposto aqui e agora. [...]. O juízo da consciência [...] formula a norma próxima da moralidade de um ato voluntário, realizando a ‘aplicação da lei objetiva a um caso particular’ (VS 59).

Ora, não é tarefa de um juiz fazer a lei, mas aplicar a lei a determinado caso. Assim, a consciência não cria a lei moral. Não se pode simplesmente dizer a alguém “siga a sua consciência” sem procurar formar a consciência daquele que está em dúvida.

O juízo da consciência não estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e da razão prática face ao bem supremo, ao qual a pessoa humana se sente atraída e cujos mandamentos acolhe: ‘A consciência não é uma fonte autônoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que fundamenta e condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e proibições que estão na base do comportamento humano’ (VS 60).

São João Paulo II, citando novamente o Concílio Vaticano II, alerta-nos que a consciência não está isenta da possibilidade de erro:

Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem, e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado[3].

A consciência, portanto, “não é um juiz infalível: pode errar. Todavia o erro da consciência pode ser fruto de uma ignorância invencível, isto é, de que o sujeito não é consciente e donde não pode sair sozinho” (VS 62). Neste caso, ensina-nos o saudoso Papa, “o mal cometido por causa de uma ignorância invencível ou de um erro de juízo não culpável não pode ser imputado à pessoa que o realiza” (VS 63).

Para ilustrar o que diz a encíclica, imaginemos que alguém viva em um ambiente em que todos julgam que a eutanásia é um ato de misericórdia. Um homem, imerso nessa “cultura da morte”, vê a sua mãe debatendo-se em dores por causa de uma doença incurável. Ele não tem a menor dúvida de que é lícito aplicar uma injeção de veneno na mãe a fim de que ela morra e deixe de sofrer. Sua consciência – invencivelmente errônea – julga que é até um dever filial matar a mãe em tais circunstâncias. Ao praticar a eutanásia em sua mãe, tal pessoa não cometeu pecado. No entanto, um homicídio ocorreu: uma desordem objetiva. Explica-nos São João Paulo II:

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Também neste caso, aquele não deixa de ser um mal, uma desordem face a verdade do bem. Além disso, o bem não reconhecido não contribui para o crescimento moral da pessoa que o cumpre: não a aperfeiçoa nem serve para encaminhá-la ao supremo bem. Assim, antes de nos sentirmos facilmente justificados em nome da nossa consciência, deveríamos meditar as palavras do Salmo: ‘Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas’ (Sl 19,13). Existem faltas que não conseguimos ver e que, não obstante, permanecem culpáveis, porque nos recusamos a caminhar para a luz (cf. Jo 9,39-41) (VS 63).

Essas palavras fazem-nos lembrar as de São Paulo: “Verdade é que a minha consciência de nada me acusa, mas nem por isso estou justificado; meu juiz é o Senhor” (1Cor 4,4).

Daí a necessidade de “formar a consciência, fazendo-a objeto de contínua conversão à verdade e ao bem” (VS 64). [...] “Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos, na Igreja e no seu Magistério” (VS 64).

A autoridade moral da Igreja, que se pronuncia sobre as questões morais, não lesa de modo algum a liberdade de consciência dos cristãos:

● não apenas porque a liberdade de consciência nunca é liberdade ‘da’ verdade, mas sempre e só ‘na’ verdade;

● mas também porque o Magistério não apresenta à consciência cristã verdades que lhe são estranhas, antes manifesta as verdades que deveria já possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé (VS 64).

S. João Paulo II adverte contra o erro de reconhecer um “duplo estatuto da verdade moral”. Haveria uma verdade moral doutrinal e abstrata e outra verdade moral mais concreta. “Esta – diz o Papa – tendo em conta as circunstâncias e a situação, poderia legitimamente estabelecer exceções à regra geral, permitindo desta forma cumprir praticamente, em boa consciência, aquilo que a lei moral qualifica como intrinsecamente mau” (VS 56).

Ilustremos essa posição com um exemplo.

Uma senhora pergunta a um sacerdote se é lícito usar algum anticoncepcional. Ela desejaria ter filhos, mas seu marido, que não compreende o valor da família numerosa, fica furioso a cada gravidez. O sacerdote sabe que todo ato conjugal deve ser aberto à vida. Logo, sua resposta deve ser negativa. Mas ao dizer “não” à anticoncepção, o sacerdote deve assumir a obrigação de formar a consciência daquele casal. Será necessário conversar com o marido para fazê-lo ver que “os filhos são uma bênção do Senhor” (Sl 126,3). E se o padre constatar que há alguma razão séria para que eles posterguem uma nova gravidez, deverá procurar alguém que os instrua em algum método natural de regulação da procriação. Tudo isso é muito trabalhoso e gera oposições. Para evitar esse fardo, o sacerdote adota uma solução cômoda e simplista: explica a doutrina da Igreja contrária à anticoncepção, mas acrescenta que, levando em conta aquela situação concreta, o casal deve apenas “seguir sua consciência”. Dá a entender assim que o casal pode, em boa consciência, contrariar a lei moral objetiva. Se o casal, confiando na ciência e na honestidade do padre, praticar a anticoncepção, obviamente não cometerá pecado. O sacerdote, porém, será responsável pelo mal, pela desordem objetiva que, podendo e devendo evitar, permitiu.

O que aqui se disse sobre a anticoncepção, vale, com gravidade ainda maior, para as permissões concedidas à laqueadura e à vasectomia (que são esterilizações diretas), e para todo aborto diretamente provocado, ainda que se afirme (por desconhecimento médico ou por desonestidade) que ele é necessário para salvar a vida da gestante. Como é grande a culpa dos pastores que, em vez de apontarem a porta estreita que conduz à vida, apontam a porta larga do pecado como uma opção moralmente aceitável! E tudo isso em nome das “circunstâncias concretas”, da “prática pastoral”, da “misericórdia” e da “consciência”.


NOTAS

[1] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 16.

[2] JOÃO PAULO II, Veritatis Splendor, n. 57. Doravante esta encíclica será citada pela sigla VS. Os destaques são e serão sempre do original.

[3] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 16.

Sobre o autor
Luiz Carlos Lodi da Cruz

Sacerdote. Presidente do Pró-Vida de Anápolis. Advogado. Estudante de Licenciatura em Bioética no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum - Roma

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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