Antevenha-se o leitor que o redator tem formação jurídica. Tal informação se faz necessária diante da aparente boçalidade do título acima. Assim, apesar de algumas fugas universitárias, por certo não desconhece tratar-se o IPVA de imposto, formalmente, pertencente aos Estados da Federação.
E diga-se formalmente porque o tributo em análise, do ponto de vista do percentual repassado aos municípios (50%), assim como das despesas suportadas pelos Estados para sua cobrança, materialmente é um imposto municipal.
Tal situação não pode perdurar dada a penúria das finanças dos entes federativos estaduais.
Passa-se às justificativas.
Considerando que as grandes discussões no que toca ao IPVA residem na guerra fiscal entre Estados (Ex. em Santa Catarina o IPVA varia de 1% e 2%, sendo a menor entre entre os Estados do Sul e São Paulo. No Rio Grande do Sul a alíquota é de 3%; no Paraná, 3,5% ao passo que em São Paulo chega a 4%), bem como na incidência ou não do tributo em determinados automotores (Vide RE 134.509/AM), o debate acerca do repasse aos municípios, em especial no que toca ao percentual, passa ao largo, de modo que tal não chega a ser enfrentado. Contudo, é assunto dos mais relevantes e que merece análise.
O IPVA, no Brasil, restou criado (autorizado) com a Emenda Constitucional 27/85, a qual alterou a Constituição de 1967. Eis a redação do normativo, verbis: "Art. 2º - O art. 23 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes dispositivos: (...) Art. 23 III -propriedade de veículos automotores, vedada a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos (...) § 13 - Do produto da arrecadação do imposto mencionado no item III, 50% (cinqüenta por cento), constituirá receita do Estado e 50% (cinqüenta por cento), do Município onde estiver licenciado o veículo; as parcelas pertencentes aos Municípios serão creditadas em contas especiais, abertas em estabelecimentos oficiais de crédito, na forma e nos prazos estabelecidos em lei federal.".
Já a Constituição Federal de 88, em seu Art. 155, disciplina que "Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) III - propriedade de veículos automotores". Por sua vez o art. 158 do mesmo normativo indica que "Pertencem aos Municípios: (...) III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios.".
Dada a clareza dos normativos, tem-se que 50% daquilo que é arrecadado de IPVA é repassado ao município no qual deu-se o licenciamento. Isso tanto na Constituição de 67 quanto na atual.
Tendo em vista que o imposto em comento foi autorizado por Emenda Constitucional de 1985, sendo, portanto, superveniente ao Código Tributário Nacional, esse não se encontra disciplinado em legislação federal, de modo que os Estados exercem competência legislativa plena, nos termos do art. 24, § 3º, da atual Constituição Federal, o que o torna um tributo bastante singular.
Noutra linha, para que se sustente uma potencial revisão a menor do IPVA repassado aos municípios, é de se indicar o atual quadro das finanças dos Estados.
Segundo dados extraídos do site https://jornalggn.com.br/fora-pauta/a-divisao-dos-recursos-federais-e-a-sua-injusta-distribuicao, "dos 722 bilhões R$ recolhidos (2012) em impostos federais pelos estados apenas 250 bilhões R$ são transferidos da união para os estados, a união subtrai 476 bilhões R$. Cada carioca paga anualmente para a união 7526 R$ em impostos federais, cada gaúcho 1984 R$, já um morador do DF 20, 720 R$, em contrapartida um cidadão de Roraima recebe 3.890 R$ (...) o Rio grande do Sul arrecada 32 bilhões R$ e recebe em transferências da união apenas 10 bilhões em 2012 (em 2011 11 bilhões) uma diferença de 22 bilhões R$, para se ter uma idéia do que isso representa para o Rio Grande do Sul, o orçamento do estado que é tudo que o governo gastou e arrecadou em 2012 foi de 40 bilhões, a perda de impostos para a união corresponde então em 50 % do orçamento.".
Essa realidade é de todas conhecidas, bastando relembrar que há Estados da Federação que sequer conseguem manter em dia a folha do funcionalismo público. Inobstante a isso, segundo prescreve o art. 158, IV, da CF/88, 25% daquilo que é arrecadado, a título de ICMS, é destinado aos municípios, situação que contribui para ao agravamento da crise dos Estados, colocando-os em uma situação bastante singular. Arrecadam, mas não ficam com a receita. Perdem tanto para a União quanto para os Municípios.
Tal situação restou maximizada com a entrada em vigor do Simples Nacional, que, apesar de ser ótimo para a União e para os Municípios, é péssimo para os Estados na medida que seu principal tributo (ICMS) pouco arrecada nessa modalidade. A título exemplificativo, no ano de 2016, a União1, via Simples Nacional, auferiu mais de 54 Bilhões de Reais ao passo que os Estados angariaram 9 Bilhões de Reais, valor irrisório considerado o potencial arrecadatório. Na mesma quadra a criação do MEI (Micro Empreendedor Individual),agrava mais a situação dos Estados dado que, na mesma senda do Simples Nacional, inibe a arrecadação2.
Dito isso, acreditamos que, dada a situação dos Estados, bem como a aparente tranquilidade financeira dos municípios, o percentual a ser repassado, a título de IPVA ao municípios, não poderia ultrapassar 25% sob pena de o imposto em comento continuar sendo, materialmente, um imposto municipal. Demais disso, é de ser considerado os dispêndios que os Estados fazem para proceder na arrecadação do tributo, especialmente no que se refere à estrutura material e de pessoal.
1http://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/arrecadacao/estatisticasarrecadacao.aspx
2Vide lista de atividades em http://mei-microempreendedor.com.br/lista-completa-atividades-mei/
Uma crítica ao percentual repassado aos municípios a título de IPVA.
Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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