Ação civil pública e o controle da constitucionalidade

11/01/2018 às 15:48
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A ação civil pública é inconfundível com a ação direta de inconstitucionalidade. Saiba um pouco mais sobre as peculiaridades destas duas ações, quando estão em jogo direitos e interesses coletivos.

Nos termos do artigo 3º do Código de Processo Civil de 1973, para propor ou contestar a ação, é necessário ter interesse e legitimidade. 

O novo  Código é expresso ao declarar que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” (art. 17).

Acrescenta-se, no artigo 6º do Código de Processo Civil de 1973, que ninguém poderá pleitear, em  nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

Tinha-se presente na doutrina que o interesse de agir deveria se cingir em três acepções: 

a) Necessidade: traduz-se na idéia de que somente o processo é o meio hábil à obtenção do bem da vida almejado pela parte;

b) Utilidade: significa que o processo deve propiciar, ao menos em tese, algum proveito ao demandante;

c) Adequação: por ele, entende-se que a parte deve escolher a via processual adequada aos fins que almeja.

No dia a dia das relações jurídicas, temos os interesses individuais, que são os que dizem respeito à pessoa física ou jurídica, isoladamente considerada, resultantes de relacionamentos sociais.É o processo individual. 

Historicamente, estudam-se a legitimidade e o interesse de agir como condições da ação. 

Há quem entenda que o Código de Processo Civil de 2015 extinguiu, como categoria, as condições da ação. Note-se: o instituto foi extinto, mas seus elementos permaneceram intactos, tendo sofrido, contudo, um deslocamento.

Originalmente, pela teoria liberal, observava-se a legitimidade ad causam, que diz respeito a uma relação, ao contrário da capacidade processual, que diz respeito a uma qualidade. 

O mundo moderno chama a atenção para o surgimento de grupos sociais que possuem interesses coletivos. É o processo coletivo. 

Sabe-se que, a partir de 1974, com os estudos de Mauro CappellettiI[(Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alla justizia civile, Rivista di diritto processuale, v. 30/367),  falou-se numa categoria de direitos coletivos, que são aqueles referentes a toda uma categoria de pessoas, interesses metaindividuais, atingindo grupos de pessoas que têm algo em comum. para ele, a sociedade atual é uma sociedade de massa, onde as principais violações da ordem jurídica seriam violações de interesses de massa tutelados pelo direito, perdendo a significação a dicotomia público e privado, pois os interesses típicos dessa sociedade seriam os interesses difusos, para ele, sendo que isoladamente o cidadão não tem condições de obter a tutela com relação a certos interesses. Chegou a dizer que o Ministério Público, e mesmos os agentes estatais, não poderiam atender à necessidade de tutela de interesses difusos, isso pelo apego conservador da Instituição a formas tradicionais de processo, como narra Ronaldo Cunha Campos(Ação Civil Pública,  Rio de Janeiro,  1989, Aide Editora, pág. 61).

A esse respeito, disse Francesco CarneluttiI( Instituciones del nuevo Proceso Civil Italiano, tradução Jaime Guasp, Bosch, Barcelona, 1942, pág. 41) que pode ocorrer que a pretensão ou a resistência afetem, ao invés de um único conflito de interesses, a uma série indeterminada de conflitos semelhantes. Fala-se numa lide coletiva ou lide de categoria, que se distingue, de muito, de um conflito singular.

Propriamente falaremos no que Campos Batalha (Direito Processual das coletividades e dos grupos, São Paulo, LRT, 1991, pág. 38.) chamava de interesses gerais, que são os que dizem respeito a todos os que, cidadãos ou não, residentes ou não residentes, em caráter definitivo, se acham adstritos a uma realidade política, a um Estado. Todos eles têm interesses de caráter geral, político, social e econômico.

Tais interesses se distinguem dos de mera categoria, onde há a presença de entidades sindicais, nos termos do artigo 8º, III, da Constituição.

Fala-se que a defesa dos interesses individuais é feita por quem tem capacidade postulatória. Temos alguém que tem capacidade de ser parte, por ter direitos e obrigações processuais. Por sua vez, a capacidade processual é a capacidade de atuar no processo, transposição do direito civil para o direito processual civil. Estamos diante de um pressuposto processual, algo inerente à existência e validade de uma relação jurídica processual.

Nos processos coletivos, temos o que a doutrina alemã chama de legitimação para conduzir o processo, onde se nota a legitimação extraordinária, presente o artigo 6º do nosso estatuto processual civil.

É o que se tem no poder de conduzir o processo ou direito de conduzir um processo.

É conhecida a classificação de interesses  trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, que aqui se traz:

          a) Difusos: são aqueles que envolvem interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso. São interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (artigo 81, I, do Código de Defesa do Consumidor). É o caso daqueles constituídos na defesa do meio ambiente, da defesa do patrimônio público, do patrimônio histórico e artístico nacional;

           b) Coletivos: que abrangem uma categoria determinada ou pelo menos determinável de pessoas. Em sentido lato, envolvem não só os interesses transindividuais indivisíveis (Código de Defesa do Consumidor, artigo 81, II) e, ainda, os interesses individuais homogêneos (artigo 82, III), como é o caso dos direitos do consumidor, numa sociedade de massa.

Em feliz síntese, Camargo Mancuso(Conceito e legitimação para agir, São Paulo, Ed. RT, 7ª edição, pág. 93) básicas: indeterminação de sujeitos; indivisibilidade do objeto; intensa conflituosidade; duração efêmera, contingencial.

Em verdade, a característica primacial dos interesses difusos é a sua não coincidência com o interesse de uma determinada pessoa. Ela abrange toda uma categoria de indivíduos unificados por possuírem um denominador fático qualquer em comum.

Por sua vez, os interesses difusos são indivisíveis, no sentido de serem insuscetíveis de partição em quotas atribuíveis a pessoa ou grupos preestabelecidos. Há, como concluiu Barbosa Moreira ( A legitimação para a defesa dos interesses difusos no direito brasileiro, RF n. 276, pág. 1), uma espécie de comunhão, tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui lesão da inteira coletividade.

Com relação aos interesses coletivos, strictu sensu, dir-se-á que são transindividuais, superando a dimensão individual, traduzindo interesses comuns vinculados a um grupo, já que visam a satisfação, que é da coletividade como um todo, dentro de uma relação jurídica de base, que dá consistência a um agrupamento.

É o caso da ação ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil em defesa de seus membros, com relação às prerrogativas institucionais da advocacia; dos portadores de talidomida, através de associação para isso conferida, das associações de vítimas de acidente aéreo, etc.. Aliás, para Vigoritti[(Interessi collettivi e processo. Milano, Giuffrè, 1979, pág. 59 e 60 ) o detalhe relevante  vem na organização, uma vez que o interesse coletivo se caracteriza na coordenação da vontade e da atividade dos titulares dos interesses individuais, que organizados resultam no coletivo.

Por outro lado, fala-se em interesses plúrimos homogêneos, conquanto individuais, quando se tem nota característica, pois podem ser exercitados coletivamente. Aqui se tem: as ações ajuizadas pelos aposentados na defesa de seus direitos; as ações promovidas com relação a reajustes indevidos de concessionárias de telefonia, luz e água, etc.

Mas a ação civil pública é inconfundível com a ação direta de inconstitucionalidade. A ação direta de inconstitucionalidade se nota no controle abstrato da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. 

A esse respeito tenha-se:

“DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, "a", da Constituição Federal.

No caso dos autos, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios propôs ação civil pública para impedir a ocupação de área pública na comercial SQS 209 e anular os atos normativos e executivos emanados das autoridades administrativas do Distrito Federal expedidos com fundamento na Lei nº 754, de 1994, requerendo-se a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum da respectiva lei.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios entendeu pela ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com causa de pedir baseada na declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum. Alega-se violação aos arts. 5º, XXXV, 102, I e 129, III, da Carta Magna.

Em face das características especiais que ornam a ação civil pública, seria lícito indagar sobre a sua adequação para o controle de constitucionalidade das leis na modalidade de controle incidental ou concreto. Em outros termos, seria possível que o juiz, ao apreciar pedido formulado em ação civil pública, afastasse topicamente a incidência ou a aplicação de uma dada norma federal ou estadual em face da Constituição Federal?

Qual seria a eficácia dessa decisão? É fácil ver, desde logo, que a ação civil pública não se confunde, pela própria forma e natureza, com os processos cognominados de "processos subjetivos". A parte ativa nesse processo não atua na defesa de interesse próprio, mas procura defender um interesse público devidamente caracterizado. Assim sendo, afigura-se difícil senão impossível sustentar-se que a decisão que, eventualmente, afastasse a incidência de uma lei considerada inconstitucional, em ação civil pública, teria efeito limitado às partes processualmente legitimadas. É que, como já enunciado, a ação civil pública aproxima-se muito de um típico processo sem partes ou de um processo objetivo, no qual a parte autora atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamentalmente, com escopo de garantir a tutela do interesse público (KOCH, Harald. Prozessführung im öffentlichen Interesse. Frankfurt am Main, 1983, p. 01 e s.).

Não foi por outra razão que o legislador, ao disciplinar a eficácia da decisão proferida na ação civil, viu-se compelido a estabelecer que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes". Isso significa que, se utilizada com o propósito de proceder ao controle de constitucionalidade, a decisão que, em ação civil pública afastar a incidência de dada norma por eventual incompatibilidade com a ordem constitucional, acabará por ter eficácia semelhante à das ações diretas de inconstitucionalidade, isto é, eficácia geral e irrestrita. Já o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que essa espécie de controle genérico da constitucionalidade das leis constituiria um afazer político de determinadas Cortes realça a impossibilidade de utilização da ação civil pública com esse escopo.

Em verdade, ainda que se pudesse acrescentar algum outro desiderato adicional a uma ação civil pública destinada a afastar a incidência de dada norma infraconstitucional, é certo que o seu objetivo precípuo haveria de ser a impugnação direta e frontal da legitimidade de ato normativo. Não se trataria de discussão sobre aplicação de lei a caso concreto, porque de caso concreto não se cuida. Ao revés, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de um interesse específico, mas exatamente de um interesse genérico amplíssimo, de um interesse público.

Ter-se-ia, pois, uma decisão (direta) sobre a legitimidade da norma. Deve-se acrescentar, ademais, que o julgamento desse tipo de questão pela jurisdição ordinária de primeiro grau suscita um outro problema, igualmente grave, no âmbito da sistemática de controle de constitucionalidade adotada no Brasil. Diferentemente da decisão incidenter tantum proferida nos casos concretos, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, cuja eficácia fica adstrita às partes do processo, a decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pelo juiz de primeiro grau haveria de ser dotada de eficácia geral e abstrata. Nem poderia ser diferente: como as partes na ação civil pública atuam não na defesa de interesse jurídico específico, mas, propriamente, na proteção do interesse público, qualquer pretensão no sentido de limitar a eficácia das decisões proferidas nesses processos apenas às partes formais do processo redundaria na sua completa nulificação. Em outros termos, admitida a utilização da ação civil pública como instrumento adequado de controle de constitucionalidade, tem-se ipso jure a outorga à jurisdição ordinária de primeiro grau de poderes que a Constituição não assegura sequer ao Supremo Tribunal Federal. É que, como visto, a decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pela Excelsa Corte no caso concreto tem, necessária e inevitavelmente, eficácia inter partes, dependendo a sua extensão de atuação do Senado Federal. É certo, ademais, que, ainda que se desenvolvam esforços no sentido de formular pretensão diversa, toda vez que na ação civil pública ficar evidente que a medida ou providência que se pretende questionar é a própria lei ou ato normativo, restará inequívoco que se trata mesmo é de uma impugnação direta de lei. Nessas condições, para que se não chegue a um resultado que subverta todo o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, tem-se de admitir a completa inidoneidade da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade, seja porque ela acabaria por instaurar um controle direto e abstrato no plano da jurisdição de primeiro grau, seja porque a decisão haveria de ter, necessariamente, eficácia transcendente das partes formais. Afigura-se digno de referência acórdão no qual o Supremo Tribunal Federal acolheu reclamação que lhe foi submetida pelo Procurador-Geral da República, determinando o arquivamento de ações ajuizadas nas 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, por entender caracterizada a usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a pretensão nelas veiculada não visava ao julgamento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade de lei em tese (Rcl no 434, Relator: Ministro Francisco Rezek, DJ de 09.12.94.). A propósito, mencione-se a seguinte passagem do voto do eminente Relator, Ministro Francisco Rezek: "A leitura do acervo aqui produzido faz ver que o objeto precípuo das ações em curso na 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo é, ainda que de forma dissimulada, a declaração de inconstitucionalidade da lei estadual em face da Carta da República. As requerentes, ao proporem a providência cautelar, preparatória da ação principal, deixam claro que esta visa a '... decretar a ilegalidade da medida ...'(fls. 34). Ocorre que a 'medida' tida por ilegal é a própria lei. E o juízo de inconstitucionalidade da lei só se produz como incidente no processo comum - controle difuso - ou como escopo precípuo do processo declaratório de inconstitucionalidade da lei em tese - controle concentrado.(Rcl no 434, cit., DJ de 09.12.94.)"

Essa orientação da Suprema Corte reforçava, aparentemente, a idéia desenvolvida de que eventual esforço dissimulatório por parte do requerente da ação civil pública haveria de restar ainda mais evidente, porquanto, diversamente na situação aludida no precedente referido, o autor aqui pede tutela genérica do interesse público, devendo, por isso, a decisão proferida ter eficácia erga omnes. Assim, eventual pronúncia de inconstitucionalidade da lei levada a efeito pelo juízo monocrático teria força idêntica à da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no controle direto de inconstitucionalidade. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, julgou improcedente a Reclamação nº 602-6/SP, de que foi relator o Ministro Ilmar Galvão, em 03.09.1997, cujo acórdão está assim ementado: "Reclamação. Decisão que, em Ação Civil Pública, condenou instituição bancária a complementar os rendimentos de caderneta de poupança de seus correntistas, com base em índice até então vigente, após afastar a aplicação da norma que o havia reduzido, por considerá-la incompatível com a constituição. Alegada usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, prevista no art. 102, i, a, da cf. Improcedência da alegação, tendo em vista tratar-se de ação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo Reclamado em sede de controle in abstracto de ato normativo. Quadro em que não sobra espaço para falar em invasão, pela corte reclamada, da jurisdição concentrada privativa do Supremo Tribunal Federal. Improcedência da Reclamação." No mesmo dia (03.09.97), e no mesmo sentido, verificou-se o julgamento da Reclamação nº 600-0/SP, relatada pelo Ministro Néri da Silveira, estando a decisão asssim resumida, verbis:

"Reclamação. 2. Ação Civil Pública contra instituição bancária, objetivando a condenação da ré ao pagamento da 'diferença entre a inflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índice aplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimento entre 14 a 30 de abril de 1990, mais juros de 0,5% ao mês, correção sobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se em liquidação de sentença'. 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Corte reclamada, ao manter a sentença, estabeleceu "uma inconstitucionalidade no plano nacional, em relação a alguns aspectos da Lei nº 8.024/1990, que somente ao Supremo Tribunal Federal caberia decretar". 5. Não se trata de hipótese suscetível de confronto com o precedente da Corte na Reclamação nº 434-1-SP, onde se fazia inequívoco que o objetivo da Ação Civil Pública era declarar a inconstitucionalidade da Lei no 7.844/1992, do Estado de São Paulo. 6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica decorrente de contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcançada por norma legal subseqüente, cuja aplicação levaria a ferir direito subjetivo dos substituídos. 7. Na Ação Civil Pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei nº 8.024/1990, por via difusa. Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle do Supremo Tribunal Federal, desde logo, à vista do art. 102, III, letra b, da Lei Maior, eis que decisão definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas de controle de constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade, quer, em abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF (CF, art. 102, I, a), quer na via difusa, incidenter tantum, ao ensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erqa omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16, da Lei nº 7.347/1997, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordinário, relativamente ao qual, em situações graves, é viável emprestar-se, ademais, efeito suspensivo. 10. Em Reclamação, onde sustentada a usurpação, pela Corte local, de competência do Supremo Tribunal Federal, não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na Ação Civil Pública (Lei nº 7347/1985, art. 16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cassando-se a liminar." Essa orientação do Supremo Tribunal Federal permite, aparentemente, distinguir a ação civil pública que tenha por objeto, propriamente, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo daqueloutra na qual a questão constitucional configura simples questão prejudicial da postulação principal. De qualquer sorte, não se pode negar que a abrangência que se empresta - e que se há emprestar à decisão proferida em ação civil pública - permite que com uma simples decisão de caráter prejudicial se retire qualquer efeito útil da lei, o que acaba por se constituir, indiretamente, numa absorção de funções que a Constituição quis deferir ao Supremo Tribunal Federal. Confrontado novamente com esse tema no julgamento da Rcl n° 2460-RJ, o STF enfrentou a questão da existência ou não de usurpação de sua competência constitucional (CF, art. 102, I, a), em virtude da pendência do julgamento da ADI n° 2950-RJ e o deferimento de liminares em diversas ações civis públicas ajuizadas perante juízes federais e estaduais das instâncias ordinárias, sob o fundamento de inconstitucionalidade da mesma norma impugnada em sede direta (Cf. Decreto n° 25.723/1999-RJ, que regulamenta a exploração da atividade de loterias pelo Estado do Rio de Janeiro.). Na espécie, o Tribunal entendeu que, ainda que se preservassem os atos acautelatórios adotados pela justiça local, seria recomendável determinar a suspensão de todas as ações civis até a decisão definitiva em sede da ação direta. Ressaltou-se, no ponto, que a suspensão das ações decorria não da sustentada usurpação da competência (Decisão na MCRcl no 2460, Rel. Ministro Marco Aurélio , de 21.10.2003, DJ de 28.10.2003.), mas sim do objetivo de coibir eventual trânsito em julgado nas referidas ações, com o conseqüente esvaziamento da decisão a ser proferida nos autos da ação direta (Cf. Em julgamento da MCRcl no 2460, de 10.03.2004, DJ de 06.08.2004, o Tribunal, por maioria, negou referendo à decisão concessiva de liminar e determinou a suspensão, com eficácia ex nunc, das ações civis públicas em curso.

Restou mantida a tutela antecipada nelas deferida, tendo em vista a existência de tramitação de ação direta de inconstitucionalidade perante o STF.).

Essa decisão revelou a necessidade de abertura de um diálogo ou de uma interlocução entre os modelos difuso e abstrato, especialmente nos casos em que a decisão no modelo difuso, como é o caso da decisão de controle de constitucionalidade em ação civil pública, acaba por ser dotada de eficácia ampla ou geral. As especificidades desse modelo de controle, o seu caráter excepcional, o restrito deferimento dessa prerrogativa no que se refere à aferição de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal em face da Constituição Federal apenas ao Supremo, a legitimação restrita para provocação do Supremo - somente os órgãos e entes referidos no art. 103 da Constituição estão autorizados a instaurar o processo de controle -, a dimensão política inegável dessa modalidade, enfim, tudo leva a se não recomendar o controle de legitimidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição, no âmbito da ação civil pública. No quadro normativo atual, poder-se-ia cogitar, em hipóteses de controle de constitucionalidade em ação civil pública, de suspensão do processo e remessa da questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal via Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Simples alteração da Lei nº 9.882/99 e da Lei nº 7.347/85 poderia permitir a mudança proposta, elidindo a possibilidade de decisões conflitantes, no âmbito das instâncias ordinárias e no âmbito do Supremo Tribunal Federal, com sérios prejuízos para a coerência do sistema e para a segurança jurídica. Não obstante, é certo que, tal como demonstrado, a jurisprudência desta Corte caminhou para reconhecer a legitimidade do controle de constitucionalidade incidental, praticado em ação civil pública. Não há dúvida, assim, de que o acórdão recorrido extraordinariamente divergiu da mencionada jurisprudência desta Corte, bem como do julgamento do RE 227.159, 2ª T., Rel. Néri da Silveira, DJ 17.05.02:

"EMENTA: - Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade.

2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal.

3. Entendimento desta Corte no sentido de que "nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local."

4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública(CF, arts. 127 e 129, III).

5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público."

Assim, conheço e dou provimento ao recurso para declarar a legitimidade do Ministério Público do Distrito Federal e Território para propor a referida ação civil pública (art. 557, §1º-A, do CPC).

Publique-se. Brasília, 04 de outubro de 2005.

Ministro GILMAR MENDES Relator (RE 452678,

Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 04/10/2005, publicado em DJ 13/10/2005 PP-00070)”

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Trago ainda à colação outra decisão que versou sobre a matéria:

RECLAMAÇÃO Nº 3237 

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, em face de decisão, proferida pelo relator do Agravo de Instrumento 2005.03.00.002473-5 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, no bojo de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, concedeu a tutela antecipada que fora negada pelo juízo de primeira instância.   

A ação civil pública, ajuizada na Justiça Federal da Seção Judiciária de São Paulo, objetiva a declaração de inconstitucionalidade do art. 201, IV, da CF/1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional 20/1998, bem como do art. 13 da referida emenda, no que tange ao termo baixa renda relativamente ao auxílio-reclusão, e, por conseguinte, a concessão de tal benefício a todos os segurados reclusos, independentemente do valor de sua renda mensal.   

A antecipação da tutela foi negada (fls. 70-72), em razão da possível irreversibilidade do provimento antecipado.  Inconformado, o Parquet interpôs agravo de instrumento para o TRF da 3ª Região. O juiz federal convocado - relator do agravo - concedeu a tutela antecipada e, acolhendo os termos da inicial, determinou ao INSS que efetuasse o pagamento (quando postulado e desde que atendidos os demais requisitos legais), do auxílio-reclusão aos dependentes dos segurados, independentemente de qualquer fator determinante da renda destes últimos.

Por fim, declarou a validade da decisão em todo o território nacional (fls. 97-130). O reclamante afirma, em síntese, que há usurpação da competência desta Corte Suprema, visto que a ação ajuizada pelo Ministério Público Federal tem como único objetivo ver reconhecida a inconstitucionalidade de dispositivos da Constituição e da Emenda Constitucional 20/1998, com eficácia erga omnes, o que só poderia ser obtido pela via de controle abstrato de constitucionalidade perante esta Corte.     

Sustenta ainda a necessidade de evitar dano de difícil reparação ao erário, consubstanciado nos cofres da Previdência Social, uma vez que a decisão reclamada determinou a imediata concessão do benefício de auxílio-reclusão em todo o território nacional.       

É o relatório.     

Decido.

A decisão reclamada, proferida em ação civil pública, concluiu pela inconstitucionalidade do art. 201, IV, da Constituição e do art. 13 da Emenda Constitucional 20/1998, no que se refere ao termo baixa renda relativamente ao auxílio-reclusão, bem como do art. 116 do Decreto 3.048/1999, e determinou que o INSS efetuasse o pagamento de auxílio-reclusão a todos os dependentes dos segurados, sem considerar sua renda mensal, em todo o território nacional. Em exame preliminar dos termos da petição inicial da ação civil pública no bojo da qual se concedeu a antecipação de tutela objeto de impugnação nesta reclamação, observo que nela não há alusão alguma a uma relação jurídica concreta ou a eventual quadro empírico de violação de direitos que tenha sido causado pelas normas constitucionais, legais e regulamentares cuja constitucionalidade ali se questiona.Noutras palavras, há sérios indícios de que a ação civil pública tem como objetivo único a obtenção da declaração de inconstitucionalidade das normas nela apontadas, o que caracterizaria, em princípio, usurpação da competência do Supremo Tribunal (cf. Rcl 2.224, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ 20.02.2003).        

Por outro lado, o periculum in mora parece-me evidente.     

Valho-me das judiciosas considerações feitas pela juíza federal Vera Cecília de Arantes Fernandes Costa ao negar em primeira instância a antecipação de tutela requerida:    

Em se concedendo a tutela para se determinar que o réu, em todo o território nacional, passe a conceder o auxílio-reclusão aos que fizerem jus ao mesmo sem a verificação do valor da renda recebida pelo segurado antes do encarceramento, por certo ensejará uma situação irreversível dada a natureza alimentar e irrepetível do benefício.   Note-se que, diferentemente do caso em que se concede tutela para concessão de benefício, numa ação individual, aqui haverá, de fato, repercussão de grande vulto que alcançará um número indeterminado de pessoas e, por conseguinte, um dispêndio elevado de valores que, em caso de suspensão da medida, não poderão retornar ao cofre público.   É de se ressaltar, outrossim, que não se está aqui simplesmente a defender o patrimônio da autarquia ré. Isso porque, antes de pertencer à pessoa jurídica da administração descentralizada do Estado, trata-se de patrimônio pertencente a todos os que contribuem para o Sistema de Seguridade e que se encontram por ele protegidos. (Fls. 71-72) Do exposto, e reservando-me o direito de uma apreciação mais detida por ocasião da análise do mérito, defiro a liminar para suspender a eficácia da decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento 2005.03.00.002473-5, que concedeu a antecipação da tutela na ação civil pública 2004.61.83.005626-4, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo.

Comunique-se, com urgência.    

Solicitem-se as informações. Decorrido o prazo regimental, abra-se vista imediatamente ao procurador-geral da República.    

Publique-se.

Brasília, 07 de abril de 2005.

Ministro JOAQUIM BARBOSA

Relator [grifos não constantes do original]. 

E, por fim:

Não se admite ação que se intitula ação civil pública, mas, como decorre do pedido, é, em realidade, verdadeira ação direta de inconstitucionalidade de atos normativos municipais em face da Constituição Federal, ação não admitida pela Carta Magna. 

Agravo a que se nega provimento”. 

(AG REG em AI n.ºº 189.601-2 – GO – Primeira Turma do STF – Rel. Min. MOREIRA ALVES, publicada na LEX Jurisprudência do STF n.ºº 233, ano 1998, pág. 99). 

O artigo 485, VI, do CPC de 2015, determina que o juiz não resolverá  o mérito quando verificar a ausência de legitimidade e de interesse processual. Será esse o caso se o juiz  entender que se trata de ação direta de inconstitucionalidade e não de ação civil pública.   

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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