UM IMPEDIMENTO À PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRÁS

12/01/2018 às 11:11
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O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO ENVOLVENDO AJUIZAMENTO DE AÇÃO POPULAR PARA IMPEDIR PRIVATIZAÇÃO DE ENTIDADE PARAESTATAL.


UM IMPEDIMENTO À PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRÁS

 

Rogério Tadeu Romano

 

 

O juiz Cláudio Kitner, da 6ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, decidiu suspender os efeitos de um artigo da medida provisória (MP) 814 que autoriza a venda da estatal e de suas subsidiárias.

A medida provisória foi publicada pelo presidente Michel Temer no fim de dezembro de 2017. Ela retira de uma lei que trata do setor elétrico a proibição de privatizar a Eletrobras e as suas controladas — Furnas, Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf ), Eletronorte, Eletrosul e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).

O governo anunciou, em agosto de 2017, um plano para privatizar a Eletrobras até o fim deste ano. O modelo proposto pelo governo, que prevê a diluição da participação da União por meio de um aumento de capital, precisa passar pelo Congresso. Antes de enviar esse projeto, porém, o governo editou a MP 814 para permitir que a estatal contrate os estudos necessários para a privatização, com o objetivo de agilizar o processo e concluir a operação ainda em 2018.

A medida provisória, além de retirar da lei a proibição para privatizar a holding Eletrobras, trouxe mudanças legais para viabilizar a venda da seis distribuidoras de energia da empresa que operam no Norte e no Nordeste do país. O juiz de Pernambuco não suspendeu os demais artigos da MP, que tratam das distribuidoras.

O governo avalia que tem elementos para caracterizar a urgência na discussão, uma vez que, se o processo não for concluído neste ano, haveria graves consequências fiscais para o governo e dificuldades para a própria Eletrobras. A privatização é fundamental para o governo fechar as contas em 2018.

A decisão foi tomada em uma ação popular apresentada por Antonio Ricardi  Accioly Campos, irmão do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em acidente aéreo em 2014.

A ação popular, que tem sede constitucional desde a Constituição de 1934, tem os seguintes pressupostos: ser ajuizada por um cidadão, na defesa dos interesses da sociedade; ter como causa petendi ato lesivo ao patrimônio público, cultural, ambiental, ser o ato oriundo da Administração um ato ilegal.

A ação popular não substitui a ação direta de inconstitucionalidade e nem pode ser usada em seu lugar.

Para tanto, a decisão ajuizada deve ser objeto de suspensão de liminar, em respeito à saúde financeira do Erário, e ainda ser considerada inadequada, por falta de interesse de agir.

No passado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 100.354 - SC, Relator ministro Néri da Silveira, enfrentou a matéria.

No caso em tela não há uma mera declaração incidenter tantum pela inconstitucionalidade da norma, mas um julgamento em que a norma em seu vício de afronta à Constituição, é a própria causa petendi próxima e remota e pedido formulado. Nâo há um fato concreto que tenha sido formulado naquela exordial.

O controle da constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido.

Tem-se o entendimento de Rui Barbosa, desde a Constituição de 1891, quando se falou da ação que tenha por objeto diretamente um ato inconstitucional do poder legislativo ou do Executivo, mas se refira à inconstitucionalidade dele apenas como fundamento e não alvo do libelo, como lembrou Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, pág. 409).

A ação popular visa a invalidar atos normativos ou não, inconstitucionais ou ilegais, lesivos ao patrimônio público, visando a uma ação condenatória.

Por sua vez, a representação que já era prevista no artigo 119, I, L  da E.Constitucional n. 1/69,  só referia a lei ou atos normativos em tese. Tal a ideia  que veio desde a Emenda Constitucional n. 16/65, à Constitução de 1946, e que chegou à Constituição de 1988, com o chamado controle concentrado e abstrato da norma constitucional.

Os pressupostos de relevância e urgência da medida provisória devem ser objeto de discussão pelo Supremo Tribunal Federal, em sede própria, no controle da constitucionalidade. 

No passado, sob o império da Constituição de 1967, o STF manifestou-se no sentido de que "os pressupostos de urgência e relevante interesse público escapavam ao controle do Poder Judiciário(RTJ 44/54 e 62/819). 

Data vênia, os pressupostos deflagradores da Medida Provisória são passíveis de análise pelo Poder Judiciário, uma vez que se encontram sistematicamente descritos na Constituição Federal.O Tribunal Constitucional da Espanha já decidiu, em 31 de maio de 1982, em recurso de inconstitucionalidade promovida contra o real Decreto-lei de 19 de junho de 1981, que, "em princípio e com razoável margem de discricionariedade, é competência dos órgãos políticos determinar quando a situação, por consideração de extraordinária e urgente necessidade, requer o estabelecimento de uma norma por via de decreto-lei". Entretanto, admite sua competência para, "em hipótese de uso abusivo ou arbitrário, rejeitar a definição que os órgãos políticos façam de uma situação determinada como caso de extraordinária e urgente necessidade, de tal natureza que não possa ser atendida pela via de procedimento legislativo de urgência, (....) as razões de extraordinária e urgente necessidade". 

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No Brasil, admite-se esse controle judicial dos pressupostos da autorização das medidas provisórias. Nesse sentido, se pronunciaram Celso Antônio Bandeira de Mello, Eros Roberto Grau, Marcelo Figueiredo, dentre outros. 

Mas, parece-nos que a ação popular em discussão alcança os objetivos que são, no processo constitucional, próprios de uma ação direta de inconstitucionalidade. 

No passado, já se disse: 

 "não há alusão alguma a uma relação jurídica concreta ou a eventual quadro empírico de violação de direitos que tenha sido causado pelas normas constitucionais, legais e regulamentares cuja constitucionalidade ali se questiona.Noutras palavras, há sérios indícios de que a ação civil pública tem como objetivo único a obtenção da declaração de inconstitucionalidade das normas nela apontadas, o que caracterizaria, em princípio, usurpação da competência do Supremo Tribunal" (cf. Rcl 2.224, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ 20.02.2003).        

Ora, a ação popular não pode fazer, por óbvio, esse papel da Ação Direta de Inconstitucionalidade de cunho eminentemente declaratório.A ação popular tem sabidamente efeitos constitutivos negativos, no sentido de desconstituir o ato ilegal, contrário a moralidade e ofensivo ao patrimônio público e ainda condenatório. 

Caso assim se dê, a resposta a ser dada pelo Poder Judiciário ao jurisdicionado que age no interesse da sociedade, como substituto processual, é a da inadequação da via eleita com a carência de ação.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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