De início, cabe ressaltar que o direito agrário não pode ser confundido com o direito fundiário, embora este possa fazer parte daquele. Entretanto, o âmbito daquele é muito maior, uma vez que este se reduz a regulação de posse e propriedade. Já o direito agrário trata de todas as relações jurídicas que envolvem a exploração da atividade agrícola e pecuária.
O direito agrário surge, segundo alguns autores, na antiguidade, quando constatamos a existência de leis como o Código de Hamurabi, na Babilônia, e o Pentateuco, na civilização hebreia. Não obstante a isso, temos que o surgimento como ciência jurídica, se dá na modernidade, na Europa, na década de 20, e no Brasil, na década de 60, quando da entrada em vigor da Lei Federal n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, o nosso Estatuto da Terra.
Temos nessa legislação específica, uma ruptura com as normas do direito privado, mais precisamente com o então Código Civil Brasileiro, que era de 1916, na parte que tratava do direito de propriedade e das obrigações, que eram utilizadas para regular os negócios jurídicos que envolviam a exploração agrária. Passou-se, a partir de então, a se analisar tais relações sob a ótica do “bem comum” da sociedade, e não mais da propriedade individual como um direito absoluto, com muito pouca relativização. E esse “bem comum” está ligado diretamente à produção de alimentos e matéria-prima para a indústria, que é, sem dúvida, a vocação do produtor rural.
Podemos assim afirmar, que o direito agrário surge como um ramo autônomo no nosso país com esse importante Diploma Legal, sucedendo, inclusive, uma Emenda Constitucional promulgada naquele mesmo ano de 1964, a EC n. 10, que outorgou a União à competência para legislar sobre essa matéria. E, passados mais de meio século, ainda se mostra hábil para regular as relações agrárias, especialmente porque foi inteiramente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que apenas lhe deu uma nova roupagem, redefinindo seus contornos e fundamentos.
Sem dúvida, a produtividade foi o principal mote para o surgimento do Estatuto da Terra, uma vez que, naquele momento social, havia uma preocupação com as transformações que a sociedade estava atravessando, pois com a mutação de uma sociedade rural para urbana em razão do êxodo no campo, aliado ao aumento da demanda pelos seus produtos, o Estado precisava dar uma resposta. Outro fator de somenos importância fora o avanço das ideias comunistas e socialistas naquela década na América latina que visava extinguir a propriedade individual por meio de uma reforma agrária.
Assim, o Estatuto da Terra acabou visando precipuamente regular a reforma agrária que se pretendia fazer, bem como definir uma política agrícola para o país. A então nova lei tinha a finalidade de facilitar o surgimento de novos proprietários de terras, resolvendo o problema que estava sendo gerado pela improdutividade dos latifúndios, minifúndios e terras devolutas. A intenção era de que os latifúndios se tornassem empresas rurais, e não mero objeto de especulação imobiliária, e os minifúndios se tornassem propriedades familiares capazes de assegurar a subsistência de seus membros, com forte incentivo para o cooperativismo. Assim, a ideia principiológica de “função social” da propriedade seria atingida, mantendo-se níveis satisfatórios de produtividade da terra e conservação dos recursos naturais.
Essa lei mostrou-se bastante avançada, completa e inovadora, pois acabou criando diversos institutos e novidades até então inexistentes, como o módulo rural, critérios de definição de propriedade familiar, latifúndio e minifúndio, o Incra, o cadastramento de imóveis rurais, o processo de descriminação de terras devolutas, ITR progressivo, regulação jurídica de contratos agrários como o de arrendamento e parceria rural, a desapropriação para fins de reforma agrária com indenização por meio de TDA, entre outras.
O Estatuto da Terra sofreu pouquíssimas alterações até hoje, e continua servindo como parâmetro para a edição de outras leis, decretos e normas administrativas de natureza instrutória e regulamentatória. Não podemos esquecer que ainda no contexto de 1988, quando da elaboração da nossa Lei Maior, esse Diploma foi considerado mais avançado que a própria Constituição, daí a sua permanência e atualidade até os dias atuais.
Não obstante a isso, não podemos renegar que o conteúdo do nosso direito agrário é bastante amplo dado às especificidades dos problemas que nosso país ainda enfrenta e que o setor agrícola vive em constante evolução, razão pela qual têm surgido situações de toda a ordem que merecem regulação e interpretação. Temas que envolvem meio ambiente, financiamento rural, contratos de comercialização de produtos, produção orgânica e geneticamente modificadas, segurança alimentar, e outros mais, têm contribuído para a ampliação do objeto de seu estudo.
Em razão disso, cremos que o nosso direito agrário, a semelhança do que ocorrera na Europa, caminha no sentido adotar como ênfase o empresário rural ou sua empresa rural, deixando um pouco de lado as questões relativas à propriedade e posse, que gradualmente vão se consolidando com o tempo. Entretanto, até que isso não ocorra questões como sobreposição de títulos e áreas indígenas precisam de uma atenção especial, pois geram instabilidade e impedem o avanço nas questões mais atuais.
Tudo isso, por certo, exige uma preparação e adequada especialização de todos aqueles que militam nesse ramo, uma vez que certamente serão convocados pelos produtores e empresas rurais em qualquer fase da cadeia produtiva - “antes da porteira”, “dentro da porteira” ou “depois da porteira” - para uma consultoria ou mesmo adoção de medidas administrativas e até judiciais.
“Antes da porteira”, que é a fase preparatória da cadeia produtiva, uma atuação firme pode ser de grande utilidade na análise dos contratos de crédito que financiarão a atividade agrária, dos títulos de crédito, das garantias reais exigidas, dos contratos de arrendamento e parceria rural, etc. “Dentro da porteira”, quando são aplicadas técnicas de produção, poderão surgir problemas de toda a ordem, que vão desde a não germinação de grãos, que exige uma colheita de provas antecipada, até aqueles de natureza previdenciária, trabalhista e ambiental. E “fora da porteira”, já na fase da comercialização e industrialização, inúmeros problemas contratuais e de pagamento poderão demandar uma intervenção rápida e oportuna, impedindo assim que o produtor não nade e morra na praia.
Portanto, para que a exploração agrária ocorra de forma sustentável, e seja viável economicamente e socialmente, não há como deixar de lado a preocupação e o cuidado com todas essas fases que envolvem a produção, pois as variáveis que regulam o setor são muitas e as exigências legais se avolumam a cada dia, fugindo muitas vezes do controle e do conhecimento até mesmo do produtor.