Na tradução mais simples do inglês para o português da expressão common law, temos que a referida expressão significa direito comum.
O direito era comum, pois decorria dos Tribunais de Westminster, sendo que as decisões proferidas por esse tribunal vinculavam toda a Inglaterra, no que se refere aos direitos particulares de cada tribo.
Common law significa o direito comum a todo o Reino da Inglaterra, comum justamente porque se decidia de maneira centralizada pelas Cortes Reais de Justiça de Westminster. Desse modo, o common law se opunha a todos os direitos locais que se baseavam nas tradições e eram distintos de um local para outro. Mais tarde, o common law passou a fazer contraste com o statute law e com a equity. (BARBOZA, 2014, p. 41).
A doutrina mais tradicional divide a história do common law em 04 (quatro) períodos, os quais serão tratados a seguir de forma geral e simplificada, tendo em vista que o presente texto não conseguiria, mesmo se quisesse, esgotar o tema.
O primeiro período, é o período anglo-saxônico. Onde o direito era predominantemente costumeiro, não existindo nenhuma espécie de direito comum, cada tribo delimitava suas regras. Esse período ocorreu por volta do ano de 1066, antes dos Normandos invadirem a Inglaterra.
Quanto ao segundo período, a doutrina mais tradicional o chama de período de formação do common law. Com a invasão dos Normandos, inicia-se o período feudal, entretanto, havia a necessidade de manter a ordem, ocorrendo concentração de poder e, consequentemente a extinção das tribos e do direito tribal. Nesse período, a imposição da norma jurídica se deu através da soberania, o direito foi imposto pelo Monarca e era comum a toda Inglaterra.
A conquista normanda constitui, na realidade, um acontecimento capital na história do direito inglês, porque traz para a Inglaterra um poder forte, centralizado, rico de uma experiência administrativa posta à prova no ducado da Normandia. Com a conquista pelos normandos, a época tribal desaparece; o feudalismo instala-se na Inglaterra. (DAVID, 1972, p. 358).
Já no terceiro período, ocorreu a rivalidade com a equity. Devido ao aspecto estritamente formalista do common law, fez-se necessário o surgimento de um mecanismo corretivo de insuficiências processuais e injustiças que, frequentemente, eram cometidas. Buscando-se, então, soluções mais justas na aplicação do direito ao caso concreto e a aceitação das decisões pelas partes afetadas, nascendo a equity.
No decorrer do desenvolvimento do common law, ocorreu outra forma de jurisdição, aplicada nos Tribunais Reais de Justiça (Royal Courts of Justiçe), também chamados de Tribunais de Westminster. Diante das formalidades excessivas adotadas no sistema inglês, não esporadicamente os casos não eram solucionados. A excessiva formalidade impedia que os jurisdicionados tivessem um acesso efetivo a justiça. A equity é um ramo do direito não positivado, constituído na justiça e no equilíbrio entre os particulares. Utilizando-se da equity o objetivo era uma solução mais justa dos litígios.
A equity não pode ser traduzida por equidade, pura e simplesmente. São normas que se superpõem ao common law. A equity origina-se de um pedido das partes da intervenção do rei em uma contenda que decidia de acordo com os imperativos de sua consciência. Tem por escopo suprimir as lacunas e complementar o common law. As normas da equity foram obras eleboradas pelos Tribunais de Chancelaria. O chanceler, elemento da coroa, examinava os casos que lhe eram submetidos, com um sistema de provas completamente diferente do common law. O procedimento aí é escrito, inquisitório, inspirado no procedimento canônico. (VENOSA, 2003, p. 41-42).
Há ainda o quarto período, denominado pela doutrina mais tradicional de período moderno. Nesse período surgiu o denominado stare decisis, mecanismo que obrigatoriamente vincula a observância das decisões proferidas, em casos futuros.
Precedentes judiciais são decisões judicias a serem aplicadas em casos futuros. Levando-se em consideração os aspectos semelhantes do caso concreto. Diante da enorme demanda de processos que abarrota o judiciário, faz-se necessária aplicação de tal instituto. Entretanto, a aplicação do instituto da teoria dos precedentes vem sendo negligenciada quanto a sua aplicação no direito brasileiro.
O precedente é uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzida e seguida pelos tribunais inferiores, entretanto, sua condição de precedente dependerá de ele ser efetivamente seguido na resolução de casos análogos-similares. Ou seja, não há uma distinção estrutural entre uma decisão isolada e as demais que lhe devem “obediência hermenêutica”. Há, sim, uma diferença qualitativa, que sempre exsurgirá a partir da applicattio. (STRECK, 2013, p. 42-43).
O precedente judicial é um instituto que teve sua origem no common law. Entretanto, a expressão “precedente” foi utilizada pela primeira vez no ano de 1557, surgindo como forma de vincular o direito substancial a cada caso concreto no futuro, a fim de viabilizar a equidade nos julgamentos dos casos, uniformizando as decisões.
O termo precedente foi utilizado pela primeira vez em 1557. A doutrina dos precedentes consiste em teoria que alça as decisões judiciais como fonte imediata do Direito junto à equidade e legislação. Dessa maneira, a doutrina dos precedentes vincula as Cortes no julgamento de casos análogos. Essa doutrina, para ser aplicada, demanda dos juízes a avaliação de quais razões jurídicas foram essenciais para o deslinde das causas anteriores. (STRECK, 2013, p. 40).
Cumpre esclarecer que, no common law, a fundamentação de uma decisão judicial não está condicionada a coisa julgada. De maneira que a decisão judicial proferida no common law não interessa somente as partes litigantes. Interessam, também, ao julgador, cabendo a este julgar com coerência ao aplicar o direito ao caso concreto e a todos os jurisdicionados afetados pela decisão judicial na organização judiciária, tendo em vista que, ao criar um precedente, o princípio da segurança jurídica deve ser observado. Criando-se uma espécie de previsibilidade quanto à aplicação do direito a casos idênticos futuros.
Ratio decidendi na melhor tradução significa razões de decidir, podemos considerar que é o motivo pelo qual levou o julgador a chegar a determinado entendimento para prolatar a decisão. A princípio, a ratio decidendi vale para julgamentos futuros. É exatamente nos fundamentos de uma decisão que encontraremos o que vinculará a decisão a casos futuros. Então, podemos afirmar que o precedente deriva da ratio decidendi. Portanto, é a razão de decidir que vincula o precedente aos casos futuros.
Obter dictum são os comentários realizados pelo juízo, que realiza o caminho necessário para que a construção da decisão judicial seja realizada, não fazendo parte das razões de decidir. Na melhor tradução, obter dictum (plural) ou obter dicta (singular) significa em passagem ou ainda por falar nisso. A obter dicta é uma espécie de argumentação retórica que revela a opinião do julgador. De maneira que a obter dicta do caso concreto não estará vinculada aos outros precedentes judiciais.
O overruling é um mecanismo de revisão dos precedentes, de maneira que um precedente não deve ser ad aeternum, vez que, diante de uma necessidade de alteração significativa na sociedade, seja ela moral, ideológica, política ou social o precedente deve e necessita ser superado, a fim de se adequar à constante mutação da sociedade.
Não menos importante é o distinguishing que, na melhor tradução do inglês, significa distinção. Quando não for verificada identidade entre o precedente e o caso futuro, de maneira que as situações são parecidas, entretanto, se não estiver presente a identidade exata entre causa e efeito, temos o distinguishing. Ou seja, o caso concreto em análise, embora seja parecido com o precedente, na verdade é distinto, portanto, o precedente não deve ser aplicado.
A criação de técnicas de julgamento em massa, partindo de uma suposta semelhança entre casos concretos, devido ao grande número de processos que abarrota o poder judiciário e a constante busca de justiça numérica. Comparando-se qual julgador julga mais que o outro. Tais técnicas não podem se sobrepor aos direitos fundamentais dos jurisdicionados, sob a justificativa de que é melhor para o Estado funcionalmente e financeiramente.
A preocupação com julgamentos uniformes para casos similares sempre existiu em todos os ordenamentos e épocas e interessa à ordem jurídica hígida e justa, mais do que alhures, a erradicação da incerteza quanto ao direito aplicável às lides. (ASSIS, 2011, p. 805).
A aplicação da teoria dos precedentes como é realizada hoje, prejudica o jurisdicionado, ferindo o Estado Democrático de Direito, e demasiados princípios construídos na evolução do constitucionalismo, vez que busca-se uma justiça numérica, utilizando de técnicas de julgamento em massa, deixando de lado a aplicação de um processo efetivamente justo.
O intuito de aplicação da teoria dos precedentes judiciais no Brasil visa estabelecer uma espécie de racionalização das decisões judiciais, de maneira que ocorra uma harmonização entre os poderes executivo, legislativo e judiciário.
A sistematização da teoria dos precedentes está elencada no livro III, título I, capítulo I da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), dos artigos 926 a 928 do referido diploma legal:
LIVRO III - DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
TÍTULO I – DA ORDEM DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS
CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§1° Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§2° Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Art. 927.Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores
Art. 929. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I - incidente de resolução de demandas repetitivas;
II - recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.
Diante da análise desses dispositivos legais, podemos afirmar que existem 05 (cinco) espécies de precedentes judiciais no direito brasileiro, quais sejam: I) As decisões em controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal; II) Súmulas vinculantes; III) Incidente de Assunção de Competência ou Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em Recurso Especial repetitivo; IV) Súmulas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça e, V) Orientações do órgão judicial ou do plenário ao qual a autoridade judicial estiver vinculada.
A aplicação da diretriz fixada em um precedente judicial, deve ser fundamentada, tendo em vista que, não obstante ser previsão expressa na Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), é também um mandamento constitucional nos termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal de 1988.
Diante da análise do instituto do precedente, originário do common law, constatamos que a aplicação dessa teoria no direito brasileiro é uma técnica de resolução de demandas em massa, ficando de lado o princípio maior do direito, que é a aplicação efetiva de um processo justo.
De maneira que, conforme a sistemática da teoria dos precedentes judicias estabelecida no Código de Processo Civil, entre os artigos 926 a 928, fica evidenciado que o objetivo maior da aplicação dessa teoria é o julgamento em massa. Utilizando-se dessa teoria para “supostamente” desafogar o poder judiciário.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual de Recursos. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BARBOZA, Estefânia Maria Queiroz. Precedentes Judiciais e Segurança Jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014.
DAVID, Rene. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Trad. Hermínio A. Carvalho. 2ª ed. Lisboa: Meridiano, 1972.
Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 de ago. 2017.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? - 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.