A vida como direito humano

Sua positivação relacionada com o direito de morrer com dignidade

06/02/2018 às 09:39
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A evolução da ciência tem tornado capaz o prolongamento da vida mesmo em situações em que o paciente não deseja ter a sua vida prolongada, sendo assim, ressurgiu um acirrado debate ético jurídico a respeito de princípios e valores tão consagrados

1.Conceito de vida

O direito à vida é o principal direito garantido a todas as pessoas, sem nenhuma distinção, sendo este o mais importante, já que sem ele os demais ficariam sem fundamento. Na conceituação de Moraes, (2005. p.30), “o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais”.
Desde o início dos tempos o homem vem refletindo os aspectos vinculados sobre a existência da sua pessoa no que se refere a vida em sociedade individual, tais aspectos evoluíram e inovaram com o passar dos tempos, sempre se sujeitando a mudanças estabelecidas por diversas gerações e diferentes povos e culturas. 
O termo vida possui inúmeros significados, podendo dizer também que é tudo aquilo que ocorre entre a concepção e a morte, sendo muitos os direitos que por ela nos garantem, estando expresso nas leis, princípios e doutrinas.
A palavra vida, é conceituada no Dicionário da Língua Portuguesa, sob diferentes aspectos, sendo o que nos consiste ao Direito à Vida, são os seguintes:
 [...] 3 - o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte; existência... 5 - motivação que anima a existência de um ser vivo, que lhe dá entusiasmo ou prazer; alma, espírito... 8 - o conjunto dos acontecimentos mais relevantes na existência de alguém; 9 - meio de subsistência ou sustento necessário para manter a vida [...]. (HOUAISS, 2001, p. 2858.) 

Na concepção de Branco (2010, p.441), em seu livro Direito Constitucional, diz que:
“A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse” (BRANCO, 2010, p.441)

A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, caput, define que todos os brasileiros e os estrangeiros que residam no Brasil tem o direito à vida 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[...]. (: BRASIL, 1988) 

Sustenta Russo, (2009, p. 91), o direito à vida é o bem mais relevante de todo ser humano e a dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil e não há dignidade sem vida. 
Para Tavares, (2010, p. 569.), “é o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado”. 
No mesmo sentido

O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela...Em relação às leis e outros atos, normativos, dos poderes públicos, a incolumidade da vida é assegurada pelas regras jurídicas constitucionais e garantida pela decretação da inconstitucionalidade daquelas leis ou atos normativos...O direito à vida é direito ubíquo: existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supraestatal...O direito à vida é inconfundível com o direito à comida, às vestes, a remédios, à casa, que se tem de organizar na ordem política e depende do grau de evolução do sistema jurídico constitucional ou administrativo...O direito à vida passa à frente do direito à integridade física ou psíquica...o direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica [...]. (MIRANDA, 1971, p.14-29)

Sendo assim o direito à vida se tornou uma matéria muito discutida em todos os aspectos e preceitos que englobam o Direito Brasileiro, não obstante, de suma importância no direito fundamental reconhecido pelo Direito Internacional.

1.1. Direito humano à vida 

O direito à vida é pauta de profundo estudo na doutrina constitucional brasileira dos últimos tempos, a temática tem grande relatividade aos direitos fundamentais, com vários autores se dedicando ao tema. Como já mencionado anteriormente o direito à vida é considerado um dos mais importante dos direitos fundamentais. 
Ainda que pareça natural os direitos fundamentais não eram positivados nas Constituições, sendo que foi ao longo da história da humanidade que ocorreu essa positivação, a qual foi fruto de muita luta e esforços dos povos, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 a vida foi reconhecida como supremacia maior dos direitos.
 Os direitos humanos consistem em direitos naturais garantidos a todos indivíduos, independente da etnia, gênero, nacionalidade, classe social e até mesmo posicionamento político, eles estão determinados no ordenamento jurídico, bem como tratados internacionais e Constituições.
Ao referir-se a tal assunto, na teoria dos direitos fundamentais, conforme sua evolução histórica, é dado destaque à uma perspectiva histórica, reconhecida como gerações ou dimensões; estas dimensões são conhecidas por períodos que marcaram a evolução dos direitos fundamentais.
 Neste sentido

As dimensões dos direitos revelam a ordem cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das condições sociais (CUNHA, 2012, p.623)

Os direitos de primeira dimensão, estão diretamente associados, ao final do século XVIII, quando ocorreu as Revoluções Americana e Francesa, levando em consideração que a Revolução Francesa foi o marco histórico da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os direitos de primeira geração estão relacionados à luta pela liberdade e segurança diante do Estado, diante do abuso de poder deste com o povo, não podendo o Estado desrespeitar a liberdade nem a vida, bem como os direitos civis e políticos.

Esta geração seria os direitos de liberdade, individuais, civis e políticos, direitos individuais, de natureza civil e política, e “foram reconhecidos para a tutela das liberdades públicas, em razão de haver naquela época uma única preocupação, qual seja, proteger as pessoas do poder opressivo do estado”. (JÚNIOR, 2012, p.617-618)

As diversas mudanças sociais e intelectuais nos levam aos direitos de segunda geração, não obstante, os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, ligados ao valor e igualdade, entendidos como os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública, direitos de titularidade coletiva e com caráter positivo, pois exigem atuações do Estado. 
Portando o Estado passou a prover a todos, de forma igual e justa, com o objetivo de que toda a sociedade viva de forma digna e justa. 
Já os direitos fundamentais de terceira geração estão ligados ao valor de fraternidade e solidariedade, sendo relacionados ao desenvolvimento da sociedade no que se refere ao meio ambiente e as necessidades a serem atendidas, bem como, à autodeterminação dos povos e patrimônio comum da humanidade.
Em suma, vale ressaltar que esta geração é caracterizada por direitos transindividuais, que não pertencem a ninguém isoladamente, e sim a várias pessoas.

1.2. Direito a vida e sua historicidade
 
Para que se compreenda melhor o processo histórico da positivação do direito à vida, é importante reiterar que o valor da vida sofreu grandes alterações no decorrer dos séculos, houve momentos históricos em que a vida deixou de ter valor, como nas guerras e genocídios. 
Exemplo disso é na Babilônia no ano de 1780 A.C, onde a Lei do Talião, expressa no Código de Hamurabi, preceituava o seguinte: ‘olho por olho, dente por dente’ que significava dizer que qualquer crime cometido seria punido com o mesmo dano que lhe causou, tornando o ser humano passível de tortura e pagando o crime com a própria vida. 
Na Grécia Antiga, só permitiam que determinadas classes de membros possuíssem direitos, dessa forma Azambuja (1968, p. 158) explica que “quando Aristóteles diz que Atenas em tal época era uma democracia, não esqueçamos que mais da metade da população das cidades gregas era formada por escravos, sem direito algum; eram, pois, oligarquias”.
O respeito à vida humana na Roma, era apenas para os seus cidadãos, sendo que naquela época mulheres, estrangeiros e crianças não eram considerados cidadãos. É importante ainda destacar que eram realizados espetáculos em arenas, onde a atração eram lutas, onde vidas eram mutiladas e perdidas em meio a aplausos do público. Só a partir de 450 a.C., foi elaborado a da famosa Lei das Doze Tábuas, que assegurava aos plebeus uma maior participação política e com isso as conquistas no que se refere direito à vida.
Na concepção de Sarlet: 

A doutrina estóica greco-romana e do cristianismo, surge a doutrina de que a imagem do homem é semelhante da de Deus, contudo, deu início à uma ideia de igualdade a todos os homens. Foi na idade média o marco importante para o reconhecimento do valor à vida. (SARLET, 2009, p.38)

Neste cenário é importante destacar que

De particular relevância, foi o pensamento de Santo Tomás de Aquino que, além da já referida concepção cristã da igualdade dos homens perante Deus, professava a existência de duas ordens distintas, formadas respectivamente pelo direito natural, como expressão da natureza racional do homem, e pelo direito positivo, sustentando que a desobediência ao direito natural por parte dos governantes poderia, em casos extremos, justificar até mesmo o exercício do direito de resistência da população. (LUÑO apud SARLET, 2009, p.38)

Porém as atrocidades naquela época eram justificadas em nome de Jesus Cristo, foi com o surgimento do primeiro documento chamado Magna Carta Libertatum, de 1215, que limitou a autoridade da nobreza, pelas mãos do João Sem Terra, na Inglaterra, que nesta carta em seus respectivos artigos 39 e 40 estavam os primeiros direitos fundamentais.

Art. 39 - Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser pelo julgamento legal de seus pares, ou pela lei da terra. Art. 40 – A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos, direito ou justiça. (AZAMBUJA, 1968, p. 176)

Somente no século XV foi quando o valor fundamental da dignidade humana assumiu especial relevância, fruto de um longo caminho histórico influenciado pelos ingleses nas lutas contra o despotismo do rei. 

Também o valor fundamental da dignidade humana assumiu particular relevo no pensamento tomista, incorporando-se a partir de então, à tradição jusnaturalista, tendo sido o humanista italiano Pico della Mirandola que, no período renascentista, e baseado principalmente no pensamento de Santo Tomás de Aquino, advogou o ponto de vista de que a personalidade humana se caracteriza por ter um valor próprio, inato, expresso justamente na ideia de sua dignidade de ser humano, que nasce na qualidade de valor natural, inalienável e incondicionado, como cerne da personalidade do homem. (SARLET, 2009, p. 38)

Porém somente apenas no século VXII que surgia a ideia de que os direitos naturais do homem eram inalienáveis, sendo difundindo em várias obras e autores de grande relevo como holandês Hugo Grócio, o alemão Samuel Pufendorf (1632-1694) e dos ingleses John Milton (1608-1674) e Thomas Hobbes (1588-1679). Que, inclusive, influenciaram também os autores iluministas daquele século. 

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O primeiro a reconhecer aos direitos naturais e alienáveis do homem – vida, liberdade, propriedade e resistência – uma eficácia oponível, inclusive aos detentores do poder, este, por sua vez, baseado no contrato social, ressaltando-se, todavia, a circunstância de que, para Locke, apenas os cidadãos (proprietários, já que identifica ambas as situações) poderiam valer-se do direito de resistência, sendo verdadeiros sujeitos, e não meros objetos do governo. (SARLET, 2009, p.40)

Bobbio, argumenta que os direitos humanos só ganham afirmação com a passagem da teoria à prática:

No momento em que essas teorias são acolhidas pela primeira vez por um legislador, o que ocorre com as Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos e da Revolução Francesa (um pouco depois), e postas na base de uma nova concepção de Estado - que não é mais absoluto e sim limitado, que não é mais fim em si mesmo e sim meio para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria existência – a afirmação dos direitos do homem não é mais expressão de uma nobre exigência, mas o ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos no sentido estrito da palavra, isto é, enquanto direitos positivos e efetivos. (BOBBIO, 1992, p.28)

Seguindo a linha de pensamento do mesmo autor os direitos fundamentais nas Constituições a partir do século XVII ganharam reconhecimento, porém perderam a universalidade pois só tinham forças dentro dos Estados que os reconhecia, sendo estas positivações incapazes de dar proteção a direitos fundamentais como à vida nos casos de guerras que vieram acontecer. Exemplo disso foi a 1ª Grande Guerra Mundial (1914-1917) que foi uma guerra global centrada na Europa, marcada pela duração e atrocidades, indicando que deveria ser feito algo em razão da vida humana para garantir eficácia do reconhecimento e respeito da pessoa humana, passíveis de direitos.
No pós-guerra ocorreu a necessidade de uma ação internacional de fato mais eficaz para a proteção dos direitos humanos, dessa forma, a Organização das Nações Unidas (ONU), órgão que foi criado após a 2ª Guerra Mundial, impulsionou, então estes direitos, já que no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, marcou a perspectiva universal aos direitos humanos a serem protegidos e garantidos.
Desta forma, pode-se dizer que várias Declarações Internacionais trataram do direito à vida, iniciando na Declaração Universal dos Direitos dos Homens em 1948 que traz tal direito expresso em seu artigo 3º, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 que traz este direito no artigo 6 e por fim o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de que traz este direito expresso em seu artigo 10º:
Art. 10 – Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que: Deve-se adotar medidas especiais de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de filiação ou outra condição. Deve-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O emprego de crianças e adolescentes, em trabalho que lhes seja nocivo à moral e à saúde, ou que lhes faça correr perigo de vida, ou ainda que lhes venha prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil. Art. 11 – 1. Os Estados partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua das suas condições de vida. (ONU, 1966)

Na Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica – 1969, temos também a previsão do direito à vida:
Artigo 4º - Direito à vida
1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. (OEA, 1969)

Levando em consideração esses aspectos, Mayer e Boas aborda que:

Os instrumentos internacionais de prevenção e proteção aos direitos humanos, em relação ao direito à vida, sofreram significativas modificações desde a declaração francesa, na qual a palavra vida sequer foi citada, até as convenções regionais e específicas em que sua proteção se torna cada vez mais incisiva. Importante destacar que tanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos quanto a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) excepcionam o direito à vida frente à pena de morte, deixando a liberdade de sua adoção aos países que ainda não a aboliram, impondo-lhes, porém, um regramento internacional com vistas a limitar tal prática. (MAYER E BOAS, 2012, p.13) 

Faz-se oportuno, portanto, ressaltar que em relação ao direito à vida, quase todos os documentos internacionais positivam o direito à vida e consequentemente tornando-os fundamentais. 

1.3. Princípios e garantias fundamentais 

Os direitos fundamentais nasceram com a ideia de limitar o poder centralizado e garantir soberania, efetivado pelos direitos individuais, sociais e políticos. A história e evolução constitucional destes direitos se associa diretamente ao avanço dos direitos e garantias fundamentais. As garantias constitucionais foram conquistadas ao decorrer do tempo.
Entretanto, vale ressaltar que direitos e garantias não são sinônimos. Direitos são as normas de conteúdo declaratório (por exemplo, direito à honra, locomoção), enquanto as garantias são normas de conteúdo assecuratório, preservando o direito declarado (por exemplo, indenização por dano à honra, habeas corpus para garantir a locomoção), enquanto o direito se presta a declarar, a garantia, por sua vez, busca preservar. 
Progressivamente os direitos fundamentais foram conquistando seu espaço, Novelino (2014, p.402), ressalta que “o reconhecimento e declaração de um direito no texto constitucional são insuficientes para assegurar a efetividade, são necessários mecanismos capazes de protegê-los contra potenciais violações”. 
Nesse sentido Bonavides (2001, p. 237) afirma que “as Constituições promulgadas detonam a hegemonia axiológica dos princípios que são convertidos em pedestal normativo sobre qual assenta todo o edifício jurídicos dos novos sistemas constitucionais”.  Neste contexto reconhecendo aos princípios constitucionais como uma força normativa essencial. 

1.3.1. Dignidade da pessoa humana 

A dignidade da pessoa humana é um conceito extremamente extensivo, desta forma sua definição é extensa, integrando diversas concepções e significados. Plácido e Silva alude que:

dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida: compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa pelo qual se faz merecedor do conceito público; em sentido jurídico, também se estende como a dignidade a distinção ou a honraria conferida a uma pessoa, consistente em cargo ou título de alta graduação; no Direito Canônico, indica-se o benefício ou prerrogativa de um cargo eclesiástico.(PLACIDO E SILVA, 1967, p.526)

O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso na Constituição Federal, tendo o legislador atrelado ele a todos os atos da sociedade, sendo eles públicos ou não.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. (grifos nossos) (BRASIL, 1988)

Para Moraes 
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas. Sendo este valor invulnerável devendo todo estatuto jurídico assegurar, de modo que, somente em excepcional a alguns fatos que possam ser feitas determinadas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, porém sempre será necessário respeitar a estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2002, p.128)


Dessa forma, percebe-se a importância que o legislador deu aos direitos fundamentais na Constituição de 1988, principalmente ao direito da dignidade da pessoa humana, já que o mesmo é um dos fundamentos da sociedade e do Estado.
Advém que o respeito à dignidade da pessoa humana compõe princípio fundamental do Estado, sendo este vinculado em todas as relações sociais. Este princípio é intrínseco à pessoa humana e o direito à vida.
Por fim, insta salientar que o princípio mencionado acima vai além do ‘ser pessoa’, vez que ele representa a base a sustentação de todos aqueles que compõem a esfera social; portanto, vale ressaltar que nenhum princípio é tão importante quanto o da dignidade da pessoa humana, devido ao seu valor absoluto e pôr o mesmo ser norteador de todo o ordenamento jurídico.

1.4. Direito à vida

Na atual legislação brasileira o direito à vida é tido como o alicerce para a prerrogativa jurídica da pessoa, motivo pelo qual o Estado tem por dever resguarda a vida humana, desde a concepção até a morte.
Já mencionado no anteriormente, o direito à vida é primordial para que todos os outros sejam fundamentados. Diniz (2006) afirma que 

dele deriva a dignidade humana, o princípio da liberdade, a integridade física e psíquica. Sendo o primeiro e mais importante direito fundamental que rege o ser humano desde o nascer ao morrer, sobretudo com direito a uma vida digna. (DINIZ, 2006) 

O Pacto Internacional dos Direitos Políticos, em seu artigo 6, item 1 declara que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”
 A Constituição Federal, em seu artigo 5º, caput, protege o direito à vida, como direito fundamental, consagrando a sua inviolabilidade, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, consagrado como o mais fundamental de todos os direitos
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]. (BRASIL, 1988)

A Constituição Federal ressalta ainda que quanto ao direito à vida, cabe ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência, nem tampouco poderá ser renunciado esse direito e pretender a própria morte.
Nessa perspectiva, Diniz menciona que 

a legislação não pode apreciar norma que atende contra a vida humana, sendo considerada inconstitucional, uma vez que, a vida deve ser protegida contra qualquer um ou qualquer coisa que o ameace, pois se trata de um direito personalíssimo, ou seja intransferível e inalienável. (DINIZ, 2009) 

Diante de sua importância o direito à vida é uma cláusula pétrea. Para Chimenti (2008, p.60) “O direito à vida é o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela morte espontânea e inevitável”. Considerando então a morte como um processo natural da vida.
Soares e Moura, destaca na publicação do seu artigo sobre direito à vida que:

Quanto a sua abrangência, o direito à vida se apresenta em duas facetas: o direito de defesa e o dever de proteção. No âmbito de defesa, o direito à vida se impõe aos poderes públicos e aos demais indivíduos no sentido de não agredir tal bem jurídico. Por outro lado, o dever de proteção à vida se impõe ao Estado, cabendo a este tomar as providências apropriadas para garantir a proteção a esse bem. (MOURA, 2015)

Cretella Júnior identifica que o termo direito à vida possui dois sentidos:

Direito a continuar vivo, embora se esteja com saúde” e “o direito de subsistência”, sendo primeiro, ligado a segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência; o segundo, ligado ao “direito de prover à própria existência, mediante trabalho honesto. (JUNIOR, 2008)

Amparando-se no fundamento Diniz aborda em outras palavras que:

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto ‘erga omnes’, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer [...]. Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea, que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar...tem eficácia positiva e negativa...A vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes...Estamos no limiar de um grande desafio do século XXI, qual seja, manter o respeito à dignidade humana.( DINIZ, 2001, p. 22-24)

No bojo desta discussão Lenza (2011, p.872) menciona que “O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto do direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também de ter uma morte digna”. A vida sempre será considerada o supremo direito de todos, protegido por todas as constituições e tratados.
Em virtude do que foi mencionado, torna-se necessário dizer que, o Estado não permite a praticada da morte provocada, assim chamada de Eutanásia, posto que este procedimento é visivelmente tratado como uma ameaça a este direito tão consagrado. 
Sarlet (2006) menciona que os princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana não podem e nem devem ser interpretados ou aplicados de forma isolada, tendo tratamento hermenêutico sempre como meio de harmonizar os princípios entre si.

1.5. Direito à morte digna

A Constituição Federal defende o direito à vida, e entende que também é necessária a verificação do princípio da dignidade da pessoa humana, assim afirmando Pessini (2007) que até mesmo no instante da morte do indivíduo, tem-se o direito da morte digna. Neste ínterim, pode-se conceituar que o direito a uma morte digna é um eufemismo que é utilizado para designar o direito que o outro nos dê a morte, sob o pretexto de não seguir nenhuma forma de tratamento. 
O conceito de morte teve sua evolução ao longo da história, segundo a obra Arq Neuropsiquiar afirma que:

O conceito tradicional de morte, que se encontra profundamente enraizado em cada um de nós, baseia-se principalmente em duas fortes influencias históricas culturais: a influência da filosofia grega da antiguidade, que estabelece o coração como órgão sede da alma e, portanto, de todas as emoções humanas (como a coragem e o amor) e a influência religiosa judaico-cristã, muito forte durante a Idade Média, que estabelece a respiração como processo vital fundamental, uma vez que "Deus criou o homem do barro da terra e soprou-lhe pelas narinas o Sopro da Vida, e o homem tomou-se um ser vivente" (Gen 2.7)2 - 10 . O próprio Código Civil Brasileiro (Art. 4* CC) define pessoa natural como todo aquele "nascido de mulher" com vida. Considera-se a respiração como sendo a melhor prova do nascimento com vida7 (daí a importância médico-legal das docimásias respiratórias) *. Os critérios médicos tradicionais para o diagnóstico de morte foram também influenciados por esses conceitos, ressaltando a ausência de função cardiocirculatória e respiratória como premissa básica para esse diagnóstico. (DANTA, COSTA, EIRAS, ARAÚJO, GIUSEPPE, 1996) 

Nesse sentido Bento (2008) reitera que “o conceito de morte evoluiu até 1960, com a constatação da morte por parada cárdica e respiratória, que atualmente não se resulta somente nisto”, entretanto, hoje os sinais vitais são diferentes dos verificados antigamente. 
Pessini (2007) afirma através dos seus estudos que:
na antiguidade para se constatar a morte, a aparência das pessoas, como por exemplo palidez e falta de respiração, e outros requisitos. Nos tempos atuais o diagnostico parte de um exame de eletroencefalograma, que verifica os estímulos cerebrais, considerando morte, a inércia de vibração do cérebro. (PESSINI, 2007)

Na 22º Assembleia Médica Mundial, em Sidney, no ano de 1968, foi conceituado pelos médicos como morte encefálica quando o cérebro não tem mais funções eletroquímicas, tornando irreversível o findar da vida.
Com a evolução da morte humana deve o princípio da dignidade da pessoa humana ser assegurado do início da vida até o momento da morte, pois com o avanço da tecnologia, a ciência tenta prevenir ou reverter a morte de qualquer maneira. Entretanto é necessário compreender que a utilização da ciência deve ser limitada quando contrariar os princípios e direitos fundamentais.
Em relação a promover a legislação da eutanásia o que deve ser levado em conta é o direito a morrer com dignidade, sendo este a base para se formular leis que permitem a prática de tal ato. De acordo com o que diz Monteiro (2000, p. 464) “O direito a que o outro nos dê a morte”, é o principal eufemismo que se utiliza a esse contexto.  
Montero explica que 
os partidários da eutanásia referem-se à apelação pela “qualidade de vida”, levando em consideração que certas vidas perderam o seu valor em algumas circunstâncias, afirmando que o ato da eutanásia fica longe de aparentar-se com o homicídio, perfila-se como ajuda prestada para quem perdeu toda dignidade na vida. Circunstância esta utilizada para os defensores da prática de eutanásia. (MONTERO, 2000, p.466)

O conceito deste princípio é taxativo no quando se debate o direito à vida e a o direito à morte digna.

1.6. Direito a liberdade e a autonomia privada 

Autonomia da vontade é a liberdade de agir que a pessoa exerce para satisfazer seus anseios, entretanto, na concepção de liberdade não deve estar ligada ao ato de que se pode fazer qualquer coisa a qualquer momento. 
Nesta perspectiva, o direito à liberdade é citado nas mais diversas formas, sempre considerando o indivíduo como parte de um grupo, sendo este influenciado por diversos fatores, ou seja, torna-se necessário à vida em sociedade a definição de regras claras, escritas ou não, para um convívio harmonioso entre as pessoas.
Na nossa Magna Carta, encontram-se diversos direitos ligados à liberdade, como por exemplo, liberdade de expressão (art. 5º, IX), liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), entre outros. Sendo que este direito à liberdade não pode ser ofensivo ao direito do outrem. 
De acordo com Meirelles (1991), “a liberdade é inerente ao homem, e anterior à sociedade, ao direito e ao Estado, este princípio foi concebido ao homem desde a sua formação, ou seja, é inerente à natureza humana.”
Contudo, o direito à liberdade está associado ao direito da autonomia privada, que é considerado sinônimo de autonomia da vontade. Sendo este o exercício que regula a vontade própria do indivíduo. 
Em relação a eutanásia, deve-se ter respeito em relação à autonomia dos pacientes terminais ao optarem pela decisão de morrer de forma digna, seguindo seus valores, crenças e convicções. 
Os cuidados demorados e a promoção do bem-estar físico, psicológico e espiritual são fundamentais, onde a conduta do médico é importante para que o paciente se sinta pessoa, e não objeto de terapias, que lhe trazem mais dores e sofrimentos.

Referencias   

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

Brasil.Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em 01/10/2017.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Coimbra [Portugal]: Livraria Almedina, 2000.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,1998. ISBN 8573480696.

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