1 INTRODUÇÃO
Na dicção do artigo 225 da Constituição Federal, o meio ambiente é bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Conforme esclarece MILARÉ: “Por ser de todos e de ninguém em particular, inexiste direito subjetivo à sua utilização, que, por conseguinte, só pode legitimar-se mediante ato próprio de seu direto guardião – o Poder Público” (2015, p. 787).
Para tanto, a Lei 6.938/1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, previu instrumentos de controle prévio, entre os quais se destaca o licenciamento ambiental, instituído pelo artigo 9º, inciso IV. Trata-se de instrumento importante de gestão ambiental, pelo qual os órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA buscam o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico (Ibid., p. 789).
Para atingir tal fim, o artigo 10 dessa norma federal assim dispõe:
Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.
A partir dos princípios constitucionais e das determinações da Política Nacional do Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA editou diversas normas relativas ao tema, destacando-se a Resolução 237, de 19.12.1997 e a Resolução 01, de 23.01.1986 e, principalmente, a Lei Complementar 140/2011.
O licenciamento ambiental está conceituado no artigo 2º, inciso I, da Lei Complementar 140/2011[1].
Infere-se, portanto, que o licenciamento ambiental deve ser conduzido quando se estiver diante de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
De se notar que a competência para o licenciamento ambiental é primeiramente tratada no artigo 23 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo uma competência comum genérica para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inc. VI), cabendo às normas infraconstitucionais fixar os critérios de cooperação entre as entidades federativas.
A Lei Complementar 140/2011, no propósito de estabelecer esses critérios, adotou, para a definição do órgão licenciador, tal como já preconizado pela Res. CONAMA 237/1997, um critério múltiplo, baseado não só na amplitude dos impactos, como também na localização física, na dominialidade/ocupação, no porte, no potencial e na natureza da atividade ou empreendimento, conferindo o licenciamento a um único nível de competência.
Desta forma, a possível sobreposição de atuação no licenciamento da obra ou atividade sujeitas a supervisão de mais de um ente federativo será evitada com base nas regras dos arts. 8º, XIV e 9º, XIV da LC 140/2011 (MILARÉ, 2015, p. 806).
3 REGULAMENTAÇÃO DAS ATIVIDADES PERTINENTES À INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES SUJEITAS À VERIFICAÇÃO DE LIMITES À EXPOSIÇÃO HUMANA A CAMPOS ELÉTRICOS, MAGNÉTICOS E ELETROMAGNÉTICOS
As Leis Federais 11.934/2009 e 13.116/2015 compõem o arcabouço normativo referente ao processo de licenciamento, instalação e compartilhamento de infraestrutura de telecomunicações e estabelece limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz (trezentos gigahertz), visando a garantir a proteção da saúde e do meio ambiente.
Tais normas retiram seu fundamento de validade dos critérios definidos pela Constituição Federal que define os relativos à competência material e normativa sobre o tema.
A competência para legislar sobre telecomunicações é privativa da União Federal.[2] Por outro lado, a União Federal detém, de forma exclusiva, a competência material, inclusive no tocante ao poder de polícia administrativa (na qual se inclui a fiscalização ambiental), sobre os serviços de telecomunicação.[3]
Desta sorte, toda a regulamentação de tais atividades há que ser feita por normas federais. Além disso, a fiscalização de tais serviços, fundamentada no poder de polícia administrativa (do qual o poder de polícia ambiental faz parte) há que ser exercido por órgãos federais, cuja competência será definida em lei federal. Finalmente, a necessidade de licenciamento ou autorização de qualquer natureza para o funcionamento de tais órgãos haverá que estar prevista em norma federal e há que ser exercida por órgãos federais.
4 A RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA EMITIDA POR ESTAÇÕES RÁDIO BASE E OS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A FIXAÇÃO DOS LIMITES DE EXPOSIÇÃO ESTABELECIDOS NA LEI FEDERAL 11.934/2009
As radiações a que somos expostos podem ser tanto de origem natural (por exemplo, os raios infravermelhos, ultravioletas e radiação visível, propagados pelo Sol), como resultantes de inovações tecnológicas (radiofrequência e micro-ondas utilizadas nas telecomunicações), a radiação não ionizante ou eletromagnética.
Esta última é produzida, por exemplo, por antenas parabólicas ou de telefonia celular, telefones celulares, fornos de micro-ondas, dispositivos de radar, rádio e transmissores de televisão, podendo ser definida como aquela que apresenta nível reduzido de energia e não tem condições de ionizar átomos ou moléculas. Quanto à radiação ionizante, presente nos raios cósmicos, raios x, raios gama e partículas alfa e beta, é uma espécie de radiação com nível de energia capaz de ionizar átomos ou moléculas constituintes da matéria (RAIZER e FIRMINO, 2000, p. 292).
Poluição eletromagnética se dá quando ocorre a ação indesejável dos campos eletromagnéticos sobre os tecidos humanos (CARVALHO, 2000, p. 315) na forma do artigo 3º, inciso III, da Lei 6.938/1981, ou seja, quando essa ação indesejável decorrer de atividade (conduta humana, direta ou indireta).
Os campos eletromagnéticos são divididos em duas categorias principais: a) campos de baixa frequência (aqueles emitidos por equipamentos que utilizam frequência de até 30 kHz); b) campos de alta frequência (acima de 30kHz). Dentre os equipamentos e dispositivos que emitem campos de alta frequência se encontram os rádios de comunicação, aparelhos celulares e estações radio base (ERBs) (Ibid., p. 318).
Os níveis de radiação de campos eletromagnéticos devem ser controlados a fim de evitar riscos à saúde. Uma das melhores formas de controle, inclusive preventivo, é o estabelecimento de padrões de segurança pelos órgãos competentes.
Como bem esclarecem RAIZER e FIRMINO, a poluição eletromagnética não é novidade (2000, p. 290).
Neste passo, cabe-nos esclarecer que optamos por enfocar somente as questões relacionadas ao controle de emissões provenientes de estações radio base em razão da premência do assunto e do interesse que vem despertando nos órgãos legislativos e de polícia administrativa nas várias esferas federativas bem como da própria sociedade que se por um lado quer os serviços de telefonia celular disponíveis e eficientes, por outro lado se assusta com a instalação de diversas estações rádio base em suas comunidades.
Vale lembrar que as estações rádio base utilizam a tecnologia do rádio. Conforme estudo elaborado pelo Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília:
[...] muitos dizem que os efeitos da tecnologia do celular ainda não foram totalmente compreendidos, que estamos realizando uma aposta que somente nossos descendentes poderão pagar. Isso não é verdade. A tecnologia do celular é a tecnologia do rádio. Como todos sabem, já convivemos com essa tecnologia há décadas. O rádio walkie-talkie, o telefone sem fio, o sistema de despacho utilizado em frotas e táxis, são todos provenientes da tecnologia do rádio. (2005, p. 16)
Há, portanto, farto banco de dados e relevantes trabalhos científicos a respeito, capazes de subsidiar, inclusive, os órgãos normativos e fiscalizadores.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), a Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (IARC) e a Comissão Internacional de Proteção às Radiações Não-Ionizantes (ICNIRP) desenvolveram notáveis estudos sobre o tema. Note-se que esta última desenvolveu o padrão de exposição recomendado pela OMS e que prevalece na maior parte dos países.
O Conselho da União Europeia adotou, em 12 de julho de 1999, uma recomendação relativa à limitação da exposição da população aos campos eletromagnéticos (0 Hz a 300 GHz baseada justamente nestes estudos (SILVA, 2000, p. 356-358).
SETZER lembra que a OMS coordena, de forma independente, o Projeto Internacional de Campos Eletromagnéticos (International Electromagnetic Fields Project), que tem por objetivos avaliar a evidência científica de eventuais efeitos à saúde causados por campos eletromagnéticos e harmonizar os padrões internacionais de exposição. No âmbito deste Projeto, que vem sendo desenvolvido desde 1996, a OMS estabeleceu um mecanismo para rever os resultados de pesquisas realizadas e para conduzir avaliações de risco a exposição a radiofrequência de 0 a 300 GHz. (2006).
Diante dos estudos e revisões realizados no âmbito do referido Projeto Internacional de Campos Eletromagnéticos, a OMS concluiu que, atendido o padrão ICNIRP, a faixa de radiofrequências entre 9kHz e 300GHz de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos é segura à saúde e ao meio ambiente (SETZER, 2006).
Atendendo a essa formulação internacional, o Brasil passou a regulamentar as atividades cujo funcionamento pressupõe a criação de campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, a fim de proteger a exposição humana e prevenir danos à saúde e ao meio ambiente eventualmente decorrentes de tais emissões.
Inicialmente, o assunto foi regulamentado pela Resolução 303, de 10.07.2002, da ANATEL, que, em seu anexo, estabeleceu o Regulamento sobre limitação da exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de radiofrequências entre 9kHz e 300GHz, com base nas diretrizes da ICNIRP.
Em um segundo momento, com fundamento na competência normativa acima exposta, a Lei Federal 11.934, de 05.05.2009 passou a dispor sobre o assunto, disciplinando, especificamente, os limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos.
A norma federal seguiu as orientações da Organização Mundial de Saúde acima referidas e consagrou que a exposição dos seres humanos e do meio ambiente nos limites da faixa de radiofrequência entre 9kHz e 300GHz é segura.
O legislador nacional, ao estabelecer tais índices de exposição humana aos campos eletromagnéticos de estações transmissoras de radiocomunicação, trouxe ao texto da Lei 11.934/2009 minúcias próprias das normas técnicas que tiveram a sua adequação atestada em um amplo número de pesquisas realizadas por organismos e instituições nacionais e internacionais especializadas na temática.
A partir desse quadro, é possível se depreender que os critérios utilizados para estabelecer os limites de exposição aos campos eletromagnéticos de radiofrequência fixados na Lei 11.934/2009 tiveram a sua adequação atestada em um amplo número de estudos e revisões realizados por organismos internacionais especializados no assunto ou incumbidos de se manifestar sobre ele.
5 DAS NORMAS GERAIS PARA A IMPLANTAÇÃO DA INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES E A COMPETÊNCIA PARA LICENCIAR E FISCALIZAR A INSTALAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DAS ESTAÇÕES TRANSMISSORAS, CONFORME A LEI FEDERAL 13.116/2015
Conforme acima exposto, a Constituição Federal estabeleceu que a competência normativa sobre telecomunicações pertence privativamente à União (art. 22, IV).
Por outro lado, cabe à União Federal a competência material sobre os serviços telecomunicações, na forma do art. 21, XI. Tal competência envolve não só o poder-dever de explorar tais serviços, mas também de regular, fiscalizar e licenciar.
Assim é que, a Lei Federal 13.116/2015 estabelece em seu artigo 4º, inciso II que:
[...] a regulamentação e a fiscalização de aspectos técnicos das redes e dos serviços de telecomunicações é competência exclusiva da União, sendo vedado aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal impor condicionamentos que possam afetar a seleção de tecnologia, a topologia das redes e a qualidade dos serviços prestados (grifamos).
Seguindo esses princípios, a norma em apreço define, em seus artigos 18 e 19, que a competência para estabelecer os limites de exposição humana aos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos é federal e que cabe ao órgão regulador federal das telecomunicações fiscalizar e licenciar tais atividades, restringindo-se os órgãos estaduais, distritais e municipais à possibilidade de comunicar o órgão regulador federal, caso identifiquem irregularidades.
Veja-se o texto legal:
Art. 18. As estações transmissoras de radiocomunicação, incluindo terminais de usuário, deverão atender aos limites de exposição humana aos campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos estabelecidos em lei e na regulamentação específica.
§ 1º A fiscalização do atendimento aos limites legais mencionados no caput é de competência do órgão regulador federal de telecomunicações.
§ 2º Os órgãos estaduais, distritais ou municipais deverão oficiar ao órgão regulador federal de telecomunicações no caso de eventuais indícios de irregularidades quanto aos limites legais de exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos.
Art. 19. A avaliação das estações transmissoras de radiocomunicação deve ser efetuada por entidade competente, que elaborará e assinará relatório de conformidade para cada estação analisada, nos termos da regulamentação específica.
§ 1º O relatório de conformidade deve ser publicado na internet e apresentado por seu responsável, sempre que requisitado pelas autoridades competentes.
§ 2º As estações devidamente licenciadas pela Anatel que possuírem relatório de conformidade adequado às exigências legais e regulamentares não poderão ter sua instalação impedida por razões relativas à exposição humana a radiação não ionizante.
A lei em comento dispõe de forma clara que, a competência para licenciar e fiscalizar tais instalações no tocante aos limites de exposição humana aos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos é exclusiva do órgão regulador federal, esclarecendo, inclusive, que não cabe o impedimento da instalação por exposição humana a radiação não ionizante (§ 2º, do art. 19) e que o licenciamento há que se restringir à infraestrutura de suporte (arts. 5º e 7º).
6 O LICENCIAMENTO AMBIENTAL DOS EQUIPAMENTOS DE TELEFONIA MÓVEL CELULAR À LUZ DAS LEIS FEDERAIS 11.934, DE 05.05.2009 E 13.116, DE 20.04.2015
É exatamente dentro desses princípios e diretrizes que devemos enfrentar a questão da competência para licenciar e fiscalizar os equipamentos de telefonia móvel celular.
A Lei 11.934/2009 estabeleceu os limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuários e de sistemas de energia elétrica, tendo sido determinada a faixa de segurança entre 9 kHz e 300 GHz, visando a garantir a proteção da saúde e do meio ambiente, com base nos estudos e diretrizes da Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante – ICNIRP, as quais são reconhecidas e aprovadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Com isso, a referida norma fixou os níveis de emissões eletromagnéticas associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação e de terminais de usuários considerados seguros para a saúde humana e para o meio ambiente.
Em outras palavras, ao estabelecer tais limites de garantia para segurança da saúde humana e do meio ambiente no caso de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos relacionados às atividades em comento, a Lei 11.934/2009 passou a ser o instrumento normativo regulamentador da matéria no País.
Além disso, a referida norma prescreveu como sendo de competência do órgão regulador federal (a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, por força do disposto nos artigos 8º e seguintes da Lei 9.472, de 16.07.1997) a fiscalização do atendimento aos mencionados limites de emissão, bem como a realização de medições prévias às instalações e de medições de conformidade.
Assim, a Lei 11.934/2009 conferiu competência exclusiva à ANATEL para promover as medições das faixas de frequência que garantem a segurança do meio ambiente e da saúde humana.
A Lei 13.116/2015, por sua vez, foi ainda mais explícita quanto à competência para licenciar e fiscalizar a instalação de infraestrutura e de redes de telecomunicações, inclusive no tocante à saúde humana.
A norma define, em seus artigos 18 e 19, que a competência para estabelecer os limites de exposição humana aos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos é federal e que cabe ao órgão regulador federal das telecomunicações fiscalizar e licenciar tais atividades, restringindo-se os órgãos estaduais, distritais e municipais à possibilidade de comunicar o órgão regulador federal, caso identifiquem irregularidades.
Além disso, dispõe de forma clara que a competência para licenciar e fiscalizar tais instalações no tocante aos limites de exposição humana aos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos é exclusiva do órgão regulador federal, esclarecendo, inclusive, que não cabe o impedimento da instalação por exposição humana a radiação não ionizante (§ 2º, do art. 19) e que o licenciamento há que se restringir à infraestrutura de suporte (arts. 5º e 7º).
Finalmente, prevê no artigo 9º que caberá ao CONAMA fixar normas e procedimentos para o licenciamento ambiental que deverá ser integrado ao licenciamento definido pela norma (art. 7º, § 10).
Ou seja, não há dúvidas de que a avaliação do potencial poluidor ou degradador no que tange às emissões de radiofrequência, ao estabelecer os níveis de exposição no âmbito dos quais o meio ambiente e a saúde humana estão seguros é exclusivamente conferido ao órgão regulador federal (no caso, a ANATEL) e que quaisquer outros aspectos de natureza ambiental que tenham que ser avaliados no licenciamento submetem-se ao licenciamento levado a efeito pela ANATEL nos termos da norma em apreço e submetem-se às regras fixadas, de forma específica e especial, pelo CONAMA.
Não há, portanto, espaço algum para o poder normativo dos Estados, Municípios e Distrito Federal, tampouco competência licenciadora ou fiscalizadora relacionada a tais instalações, cabendo-lhes, tão somente, a cooperação com os órgãos federais, na forma do § 2º do art. 18, mediante a comunicação ao órgão regulador federal de eventuais irregularidades de que porventura vierem a ter conhecimento.
De fato, prudente e sábio foi o legislador pátrio ao deixar a cargo da ANATEL a complexa e altamente especializada tarefa de promover a medição de níveis de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, eis que é intuitivo seu corpo técnico deter conhecimento, experiência e acesso aos mais modernos equipamentos e estudos relacionados à matéria, muitas vezes escassos nos órgãos ambientais.
Tais medições, vale dizer, devem englobar o “conjunto das emissões de todas as fontes de campos elétricos, magnéticos ou eletromagnéticos presentes.”
Com efeito, a existência da Lei específica, ao estabelecer os níveis seguros de exposição do meio ambiente e da saúde humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, afasta a aplicabilidade quanto a este aspecto da norma geral (Lei 6.938/1981), que dispõe sobre o licenciamento ambiental de forma genérica.
O licenciamento há que ser feito nos termos da Lei 13.116/2015, atendendo-se aos limites legais fixados na Lei 11.934/09, cabendo ao CONAMA, eventualmente, fixar critérios para o licenciamento e somente no que tange a instalação de infraestrutura de suporte em área urbana, vedada qualquer outra normatização (art. 7º, c. c. o art. 9º, da Lei 13.116/2015).
Segundo o princípio da especialidade das normas, a regra especial, quando regula determinada matéria, se sobrepõe à norma geral, derrogando-a.
De fato, consoante o princípio da especialidade, quando há aparente incompatibilidade entre uma norma geral e outra especial, prevalece esta por ser mais restrita e mais específica. Nas palavras de BOBBIO (1999, p. 96):
O terceiro critério, dito justamente da ‘lex specialis’, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: ‘lex specialis derogat generali’. Também aqui a razão do critério não é obscura: lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória). A passagem de uma regra mais extensa (que abrange um certo ‘genus’) para uma regra derrogatória menos extensa (que abrange uma ‘species’ do ‘genus’) corresponde a uma exigência fundamental de justiça, compreendida como tratamento igual das pessoas que pertencem a mesma categoria. A passagem da regra geral à regra especial corresponde a um processo natural de diferenciação das categorias, e a uma descoberta gradual, por parte do legislador, dessa diferenciação. Verificada ou descoberta a diferenciação, a persistência na regra geral importaria no tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diferentes, e, portanto, numa injustiça. Nesse processo de gradual especialização, operado através de leis especiais, encontramos uma das regras fundamentais da justiça, que é a do ‘suum cuique tribuere’ (dar a cada um o que é seu). Entende-se, portanto, por que a lei especial deva prevalecer sobre a geral: ela representa um momento ineliminável do desenvolvimento de um ordenamento. Bloquear a lei especial frente a geral significaria paralisar esse desenvolvimento.
Nesse passo também é a lição de DINIZ (2002, p. 77):
A norma geral só não se aplicará ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial. Se a lei nova for norma geral, e a antiga, especial, ou vice-versa, ambas poderão ter vigência, desde que uma não venha a colidir com a outra. Dever-se-á, então, averiguar caso por caso se há ou não incompatibilidade; se não houver, ambas as disposições coexistirão. Portanto, quanto ao critério ‘lei especial revoga geral’ conclui-se que não poderá ser acolhido em todo o seu rigor. Para Stolfi nem sempre a lei especial derroga a geral, podendo perfeitamente ocorrer que a especial introduza uma exceção ao principio geral, que deve coexistir ao lado deste.
Ou seja, fica bastante claro que, além de ser posterior, a Lei 11.934/2009 é especial em relação à aludida Lei 6.938/1981, eis que regula, de modo exclusivo, os limites à exposição humana e ambiental a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, o que, consequentemente, exclui a aplicação da norma geral quanto a este aspecto.
7 A COMPETÊNCIA NORMATIVA E MATERIAL SOBRE O TEMA E A INCONSTITUCIONALIDADE DE LICENCIAMENTO ESTADUAL E MUNICIPAL
Cumpre-nos aqui trazer à baila, assunto que vem preocupando os órgãos fiscalizadores, as empresas operadoras de telefonia móvel, os usuários do sistema e mesmo o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Trata-se da possibilidade de os órgãos estaduais e municipais emitirem normas e procederam à fiscalização das estações radio base instaladas em todo o território nacional.
Durante algum tempo debateu-se a possibilidade de os entes federativos estaduais e municipais, valendo-se das normas pertinentes à competência concorrente e comum em matéria ambiental, emitirem normas e procederam ao exercício do poder de polícia no tocante às estações de rádio base.
A despeito das normas constitucionais acima referidas, a ausência regulatória em relação a tais atividades e equipamentos, aliada à rápida expansão dos serviços de telecomunicações (inclusive de telefonia móvel), levou à edição de legislação estadual e mesmo municipal estabelecendo limitações quando da instalação de novos sistemas de telecomunicações ou de equipamentos que utilizem campos eletromagnéticos (CARVALHO, 2000, p. 323).
Ocorre que tais normas excedem, em muito, as competências constitucionais estabelecidas nos arts. 22, IV e 21, XI e afrontam diretamente a legislação federal de regência.
Conforme já exposto acima, no tocante aos serviços de telefonia móvel, a competência para normatizar acerca de seu funcionamento e instalação, limites para exposição humana e licenciamento ambiental pertencem, exclusivamente, à União Federal. É o que se depreende não apenas da inteligência dos dispositivos constitucionais já referidos mas também das Leis Federais 11.934/2009 e 13.116/2015.
O artigo 9º da Lei 13.116/2015 expressamente define que, mesmo havendo possibilidade de se considerar passível de licenciamento ambiental as atividades reguladas nas normas aqui citadas, cabe ao CONAMA, e apenas ao CONAMA, definir as atividades potencialmente poluidoras e os critérios para o licenciamento ambiental.
Assim, não cabe aos Estados, aos Municípios ou ao Distrito Federal definirem tais atividades como potencialmente poluidoras e passíveis de licenciamento ambiental, tampouco normatizarem o licenciamento e, muito menos, exigirem licenças ambientais no caso.
Portanto, normas que definam licenciamento ambiental ou municipal para os serviços de telefonia móvel são ilegais e inconstitucionais e a exigência por parte dos órgãos estaduais e municipais atinentes a tais licenças são indevidas, inexigíveis e, portanto, passíveis de anulação inclusive judicial.
8 da INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 60 DA lEI FEDERAL 9.605/1998 FACE À AUSÊNCIA DE LICENÇA ESTADUAL OU MUNICIPAL À LUZ DO SISTEMA DE LICENCIAMENTO DEFINIDO PELAS LEIS FEDERAIS 11.934, DE 05.05.2009 E 13.116, DE 20.04.2015
Finalmente, cabe-nos trazer à discussão a questão da possível incidência do tipo previsto no artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais quando, à luz de normas estaduais ou municipais que definam licenciamento ambiental nestas esferas, a estação radio base não conte com tais licenças, mas tão-somente com aquela emitida pela ANATEL.
Trazemos tal assunto ao debate em razão do fato de que os Estados e Municípios brasileiros vêm, sistematicamente, editando normas com esse conteúdo e exercendo poder de polícia com fundamento nelas.
Mais. Em virtude do que prevê o tipo penal acima referido[4], diversas ações penais vêm sendo propostas tendo como causa de pedir a suposta infração à norma criminal.
Tal situação é fruto da equivocada aplicação da legislação criminal e da edição indevida de normas estaduais e municipais eivadas de inconstitucionalidade.
Com efeito. A análise da tipicidade da conduta daquele que faz funcionar estação radio base sem licença ambiental prevista em norma estadual ou municipal e exigida por órgãos dessas esferas prende-se, essencialmente, à precisa delimitação do alcance do tipo penal previsto no artigo 60 da Lei 9.605/1998.
Por se tratar de norma penal em branco, cuja complementação há que ser buscada em outros diplomas normativos, necessário se faz definir exatamente que normas são estas a fim de se saber, com a segurança requerida para a incidência das normas penais, se a conduta analisada subsume-se ou não ao tipo penal no caso concreto.
Ora, o tipo em apreço apresenta como elementares as expressões “estabelecimentos, obras e serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes”.
Portanto, para se aferir se, no caso concreto, ocorreu ou não a prática do delito, é necessário que se observe: (i) se a atividade ou estabelecimento foi licenciado (ou autorizado); (ii) que órgão é o competente para expedir a licença ou autorização para aquela atividade e; finalmente, (iii) se a atividade é potencialmente poluidora nos termos das normas competentes para reger o assunto.
Conforme visto acima, se a Constituição Federal de 1988 já definia a competência da União Federal, quer normativa, quer material, em relação às telecomunicações, com o advento das Leis Federais 11.934/2009 e 13.116/2015, tais competências ficaram absolutamente claras.
Não cabe, portanto, aos órgãos estaduais, municipais ou distritais licenciar a instalação e a operação de estações rádio base (ou quaisquer equipamentos de infraestrutura de telecomunicações).
Até se poderia discutir a possibilidade de licenciamento ambiental na forma do art. 7º da Lei 13.116/2015. Nada obstante, para que tal licenciamento pudesse ser exigido, haveria que existir os seguintes pressupostos: (i) a existência de resolução do CONAMA disciplinando o licenciamento (art. 9º da norma em apreço); (ii) o estabelecimento normativo do potencial poluidor de tais atividades por norma federal, a saber, resolução do CONAMA.
Todavia, até o momento não há qualquer norma emitida pelo órgão normativo competente, no caso o CONAMA, definindo qualquer tipo de licenciamento ambiental para tais atividades.
O único licenciamento previsto é aquele definido pelas Leis Federais 11.934/2009 e 13.116/2015, de competência exclusiva do órgão regulador federal – a ANATEL.
Ou seja, as normas em vigor não entendem que a instalação e a operação de estações rádio base possuam potencial para ocasionar degradação ambiental, não sendo, desta forma, atividade passível de licenciamento ambiental.
Assim, não sendo cabível o licenciamento ambiental, já se afasta a tipicidade na espécie porque o tipo penal em comento prevê como elementos do tipo não apenas a ausência de licença ou autorização, mas que estas sejam exigíveis e que sejam expedidas por órgãos ambientais e, ainda, que tais órgãos sejam competentes.
Destaque-se que a ANATEL não é um órgão ambiental, integrante do SISNAMA. Ainda que seja, em tese, possível que futuramente o CONAMA venha a definir critérios para um licenciamento ambiental dessas atividades, o fato que subsiste é que, no momento, tais atividades não são passíveis de licenciamento ambiental por ausência de normas e critérios que as definam como potencialmente degradadoras ao meio ambiente.
Desta forma, a conduta de instalar ou fazer funcionar estações de radio base sem licenças ambientais estaduais ou municipais é atípica (desde que, evidentemente, se esteja agasalhada pelo licenciamento, esse devido, levado a efeito pela ANATEL), face à inexigibilidade de tais licenças à luz da legislação em vigor.
Neste sentido é a doutrina de COSTA NETO, BELLO FILHO e CASTRO E COSTA (2000, p. 298):
Não caracteriza o delito a instalação de loja para a qual não seja exigido qualquer licenciamento, mesmo que o aplicador da lei conclua que a atividade é potencialmente poluidora. Não se trata de elemento normativo do tipo, mas de norma penal em branco que permite a caracterização do delito somente quando houver a caracterização em outra norma como atividade potencialmente poluidora, exigindo-se, para este caso, a prévia licença ambiental.
De se notar que a inexigilibilidade do licenciamento ambiental decorre ainda da falta de comprovação do potencial poluidor da atividade. Não há nas normas federais incidentes sobre o assunto, em especial, na Res. CONAMA 237/97, que define as atividades passíveis de licenciamento, qualquer menção da atividade em questão como potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente e, portanto, sujeita a licenciamento ambiental.
Conforme comentado, a Lei Federal 13.116/2015 abre a possibilidade de, futuramente, ser definido em norma a necessidade de licenciamento ambiental. Mas, para tanto, há que se contar com a definição e fixação de critérios por resolução emanada do CONAMA e não de outro órgão qualquer, mesmo que também integrante do SISNAMA.
Desta forma, a conduta aqui analisada não é típica, eis que a atividade em questão não é considerada potencialmente poluidora, excluindo-se, portanto, a incidência do tipo previsto no art. 60 da Lei 9.605/98.
Neste passo, interessante é a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (Apelação 0816841-73.2013.8.12.0001, Rel. Des. Marco André Nogueira Hanson, 3ª Câmara Cível, julgado em 07.03.2017. v.u, DJe de 13.3.2017. Disponível em: <http://www.tjms.jus.br>. Acesso em: 15 jan. 2017). Ainda que se trate de uma causa cível, o debate acerca do potencial poluidor das instalações de telefonia móvel como exclusão da ilicitude da conduta aplica-se às causas penais. Ainda mais em se considerando os princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade que informam o Direito Penal – se a conduta é lícita perante o Direito em geral, não pode ser ilícita perante o Direito Penal.
Desse modo, mesmo que se considerasse que a recorrida praticou conduta ilícita e imprópria ao optar pela operação da torre de telefonia móvel sem as licenças ambientais pertinentes, tai fato isolado, por si só, não seria capaz de gerar o dano moral coletivo, mormente porque não há, até o presente momento, comprovação científica, idônea a ser averiguada pelo Judiciário, da existência de ameaça concreta à saúde e ao bem-estar dos cidadãos, em decorrência da instalação das antenas segundo os limites de referência recomendados pela OMS.”
Desse modo, por não ser exigível a obtenção de qualquer licença de natureza ambiental nos termos das normas em vigor, é certo que, atualmente, a instalação e a operação de estações rádio base não configuram crime ambiental, já que afastada a possibilidade de incidência no artigo 60 da Lei 9.605/1998.
Outra questão que deve ser enfrentada é a possibilidade de a norma penal descrita no artigo 60 da Lei 9.605/1998 poder ser complementada por normas emanadas do poder normativo estadual.
Em outras palavras, é necessário definir se os elementos do tipo “potencialmente poluidores” e “licença ou autorização dos órgãos competentes” poderiam ter seu alcance e significado definidos em normas estaduais ou municipais.
Como já registrado acima, o artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais, é um caso de norma penal em branco, assim entendida como aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, necessitando da complementação de outro dispositivo normativo para sua integração.
Sobre o tema das normas penais em branco, PRADO (2007, p. 179) elucida que:
[...] a hipótese legal ou prótase é formulada de maneira genérica ou indeterminada, devendo ser colmatada/determinada por ato normativo (legislativo ou administrativo), em regra de cunho extrapenal, que fica pertencendo, para todos os efeitos, à lei penal. Utiliza-se assim do chamado procedimento de remissão ou de reenvio a outra espécie normativa, sempre em obediência à estrita necessidade.
Tem-se, dessa forma, que na lei penal em branco o comportamento prescrito vem apenas enunciado, sendo a parte integradora elemento indispensável à conformação da tipicidade penal.
Compreendido, portanto, que a norma contida no artigo 60 da Lei 9.605/1998 deve ser complementada por outra e que, por sua vez, esta norma integradora ao conformar a lei penal em branco passa também a incluir este âmbito das ciências jurídicas, cumpre demandar quais normas são passíveis de colmatar o referido artigo 60.
Pois bem. Diante desse raciocínio, pergunta-se: qualquer norma ambiental, independentemente de sua fonte originária, pode ser utilizada como norma complementadora do artigo 60 da Lei 9.605/1998?
A resposta é simples e passamos a apresentá-la.
Com efeito, o caráter dinâmico e extraordinariamente cambiante das questões ambientais vem implicando a aceitação (perigosa) da teoria da acessoriedade do direito penal, segundo a qual, as normas penais em branco podem ser complementadas por normas emanadas pelo Poder Executivo (Portarias, Regulamentos, dentre outros).
No entanto, a possibilidade de acessoriedade deve ser utilizada com parcimônia, tendo em vista ter o condão de colocar em risco todo o sistema de garantias do Estado Democrático de Direito, na medida em que faculta à Administração a possibilidade de editar normas que, ao complementarem leis penais, também passam a ser caracterizadas como tais.
Nessa linha, ZAFFARONI e PIERANGELLI (1999. p. 450) alertam que “o Poder que completa a lei em branco deve ter o cuidado de respeitar a natureza das coisas, porque, do contrário, através de tal recurso, pode ser mascarada uma delegação de competências legislativas penais.”
Decorre daí que a acessoriedade do direito penal pelas normas administrativas é admitida no limite necessário à conformação do tipo penal e à necessidade frequente de revisão das ações permitidas e proibidas, devendo, no entanto, sempre respeitar os princípios que orientam aquele ramo das ciências jurídicas.
A corroborar o que ora se aduz, SILVA (2006, p.) assim se posiciona:
Por outro lado, ao retirar as garantias do Direito Penal em geral, fazendo uso, aliás, de um efeito simbólico, será eliminada a sua potência jurídica protetora e se terão instrumentos que não servirão para nada ou tão somente ao arbítrio punitivo. Representativo neste sentido é justamente o emprego abusivo, arbitrário e desvinculado de preceitos constitucionais de leis penais em branco, as quais apresentam-se como instrumentos oportunos para se regular as situações complexas que caracterizam a moderna criminalidade (a exemplo da legislação ambiental brasileira). O que se verifica já no âmbito da União Européia onde expressões como Blankettstrafgesetzgebung (legislação penal em branco) e Blankettstrafrecht (Direito Penal em branco) são de uso corrente, e em face disso se instruem diretrizes de caráter comunitário para o uso de tal técnica.
Diante deste panorama, é mister ter em vista as palavras de Ferrajoli, ao ressaltar o fato de que uma lei em branco é comparável ‘a uma espécie de caixa vazia preenchível de volta a volta com conteúdos muito arbitrários’, típicos de um ‘estado de policia que consente intervenções punitivas livres de qualquer vinculo, principalmente porque disso se deduz que as leis penais em branco não possuem per se um conteúdo arbitrário. Porém, à medida em que o seu emprego por parte do legislador se faz livre de qualquer vínculo e sem a observância dos limites quanto ao uso desta técnica, ou seja, tanto das garantias fundamentais dos cidadãos como das garantias jurídico-penais que as asseguram, configuram um meio arbitrário de punição.
A bem ver, dentre os princípios orientadores do Direito Penal está aquele disposto no artigo 22, inciso I da Carta Magna, o qual estabelece ser competência privativa da União Federal legislar sobre matéria penal.
Assim, em que pese se admitir, ainda que com ressalvas, a possibilidade de complementação da norma penal em branco por outra emanada pelo Poder Executivo, não se pode deixar de atentar que tal norma complementadora deve ser editada pela União, não sendo possível ao intérprete valer-se de norma estadual ou municipal para tal finalidade. Explicamos.
Como sabido, a Constituição Federal consagra a República como forma de Governo do Brasil, estabelecendo o Federalismo como nossa forma de Estado. Sob este aspecto, vale recordar que a formação do Estado Federal Brasileiro deu-se através de uma força centrífuga (do centro para a periferia), ou seja, a União que detinha o poder de forma centralizada, disseminou-o pelas diversas unidades federadas (estados e municípios), descentralizando, dessa forma, o poder, passando de Estado Unitário a Estado Federado.
Em face de sua origem, a federação brasileira é marcadamente centralizada. Por tal razão o legislador constituinte entendeu por bem conferir, privativa ou exclusivamente, à União a competência legislativa sobre diversas matérias, dentre as quais o Direito Penal.
Ao determinar competência privativa da União para legislar sobre Direito Penal, o Constituinte mostrou de forma cristalina sua intenção de vedar a descentralização dessa matéria. Isso porque não se coaduna com o formato de Estado eleito pela Carta da República que um determinado fato seja considerado como crime em um Estado, não o sendo em outro.
No Brasil, o sistema criminal é centralizado, não admitindo exceções, em razão do que resta disposto no inciso I, artigo 22 da Constituição Federal.
Assim sendo, é inadmissível que normas estaduais ou municipais sejam utilizadas para complementar as normas penais em branco, pois, ao exercerem seu caráter integrador, a estas se igualam em seu teor sancionatório penal e, portanto, só poderiam ser emanadas pela União Federal, que detém, com exclusividade, a competência para legislar em matéria penal.
Não se está a discutir, aqui, a competência concorrente dos Estados e Municípios para legislar sobre matéria ambiental, pois esta é consagrada no artigo 24, inciso VI da Carta Magna. O que se quer frisar é que tais normas não podem ser utilizadas como complemento das normas penais em branco, sob pena de se afrontar o artigo 22, inciso I da Lei Maior.
Tampouco se discute a possibilidade de as especificações do processo de licenciamento, assim como os limites técnicos, serem definidos em normas estaduais ou municipais.
O que se afirma, neste passo, é que para haver relevância penal, ou seja, para que as atividades possam ser consideradas potencialmente poluidoras em face do Direito Penal, a definição há que ser dada pela norma federal. Do contrário, a insegurança jurídica seria absurda e o caráter unitário e nacional do Direito Penal violado.
Assim, temos que apenas normas federais podem complementar o artigo 60 da Lei 9.605/1998, razão pela qual entendemos que a sentença em comento afronta diretamente o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, ao invocar o Decreto Estadual 7.967/2001 como norma complementadora do artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais.
Ora, se as normas estaduais não podem ser aplicadas para sequer se exigir o licenciamento ambiental e impor sanções administrativas, com muito maior razão não podem servir para complementar tipos penais, não apenas em face do caráter nacional do Direito Penal, mas, ainda, diante dos inafastáveis princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade, basilares do Direito Penal Democrático, informado pelo Estado de Direito.
3 Conclusão
Ao final da análise aqui empreendida, concluímos que a instalação e o funcionamento de estações rádio base submetem-se a regime de licenciamento bastante peculiar.
Diante do arcabouço normativo relativo aos serviços de telecomunicação, é incabível ao poder normativo dos Estados, Municípios e Distrito Federal disciplinar tais serviços, inclusive no tocante ao licenciamento ambiental.
Desta forma, não apenas é incabível exigirem-se licenças que não aquelas previstas nas normas federais aqui tratadas, mas constitui grave inconstitucionalidade cometida por parte dos poderes legislativo estadual e municipal editarem normas sobre o assunto.
Portanto, inaplicável o tipo previsto no artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais ante a falta de tipicidade da conduta daquele que não se submete ao licenciamento municipal ou estadual, porventura previstos (indevidamente).
Referências
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[1] Art. 2º. Para os fins desta Lei Complementar, consideram-se: I - licenciamento ambiental: o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.
[2] Artigo 22, inciso IV, da Constituição Federal.
[3] Artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal.
[4] Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.