A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH) promoveu um “divisor de águas” em matéria de direitos humanos.
Pode-se afirmar, certamente, com sua implementação, visou a Organização das Nações Unidas elencar um rol mínimo de direitos a serem reconhecidos à pessoa humana por todo o mundo.
Nesse diapasão, Valerio de Oliveira Mazzuoli aludiu:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi delineada pela Carta das Nações Unidas e teve como uma de suas principais preocupações a positivação internacional dos direitos mínimos dos seres humanos, em complemento aos propósitos das Nações Unidas de proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião. Trata-se do instrumento considerado o “marco normativo fundamental” do sistema protetivo das Nações Unidas, a partir do qual se fomentou a multiplicação dos tratados relativos a direitos humanos em escala global. (MAZZUOLI, 2015, p. 60).
Um desses direitos encontra-se ligado ao princípio da presunção de inocência, também chamado de estado de inocência e não culpabilidade.
Referido direito encontra previsão no § 1º do seu artigo 11, de acordo com a versão exposta na biblioteca virtual de direitos humanos da Universidade de São Paulo - USP:
Artigo 11. § 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, p. s.n.).
É de se ressaltar, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1992, por meio da promulgação do Decreto nº 592, no ponto 2 de seu artigo 14, também regulamenta a descrita presunção quando estipula: “Artigo 14. 2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. (BRASIL, 1992, p. s.n.).
No âmbito da Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de inocência encontra-se previsto no Título II, inciso LVII do art. 5º, na espécie direito fundamental individual, pelo qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL, 1988, p. s.n.).
A Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que adentrou no direito brasileiro em 1992 com a promulgação do Decreto nº 678, e foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal norma supralegal, também prevê o instituto em estudo nos seguintes termos: “Artigo 8. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa” [...] (BRASIL, 1992, p. 3).
A ideia basilar da presunção de inocência presente na doutrina pátria1, decorrente dessas previsões, principalmente, da constitucional, se resume ao sentido de que ninguém poderá ser considerado culpado até que o processo se encerre, ou seja, quando de sentença penal condenatória sobre a qual já não caiba recurso.
Diversas são as situações polêmicas que poderiam ser abordadas sobre o assunto envolvendo posicionamentos do Supremo Tribunal Federal relativamente a temas como:
1. A execução provisória da pena a partir da confirmação da condenação penal em segunda instância admita pelo;
2. O não impedimento de que a Lei da Ficha Limpa considere como inelegíveis para determinados cargos eletivos os que forem condenados por qualquer órgão judicial colegiado, pelos crimes nessa lei especificados, independentemente do trânsito em julgado da sentença condenatória;
3. O impedimento de se lançar o nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória;
4. A ausência de impedimento de que processos penais em curso, inquéritos policiais em andamento ou até mesmo condenações criminais ainda sujeitas a recurso sejam considerados para caracterizar maus antecedentes do réu, tampouco para justificar a exasperação da pena ou denegação de benefícios que a própria lei estabelece em favor daqueles que sofrem uma condenação criminal e;
5. O impedimento de que a condenação criminal recorrível (sem trânsito em julgado) seja causa impeditiva da participação de candidato em concursos públicos ou cursos de formação, tendo em vista que o princípio da presunção da inocência, apesar de ser historicamente vinculado ao processo penal, também tem projeção para as esferas cível e administrativa2.
De todo modo, interessa-nos delimitar outros pontos referentes à presunção de inocência, ligados às suas imposições frente aos Três Poderes, ou seja, ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário, conforme aludiu Norberto Cláudio Pâncaro Avena:
Na medida em que a Constituição Federal dispôs expressamente acerca desse princípio, incumbe aos Poderes do Estado torná-lo efetivo – o Legislativo, criando normas que visem a equilibrar o interesse do Estado na satisfação de sua pretensão punitiva com o direito à liberdade do acusado; o Executivo, sancionando essas normas; e o Judiciário, deixando de aplicar no caso concreto (controle difuso da constitucionalidade) ou afastando do mundo jurídico (controle concentrado da constitucionalidade) disposições que não se coadunem com a ordem constitucional vigente. […]. (AVENA, 2017, p. 49).
Dessa maneira, destaquemos, “[...] o reconhecimento da autoria de uma infração criminal pressupõe sentença condenatória transitada em julgado [...]. Somos todos presumivelmente inocentes. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 69).
Então, esse princípio deverá ser considerado, minimamente, quando da instrução judicial, na avaliação da prova e relativamente à necessidade de decretação de eventual prisão provisória. É o que Norberto Cláudio Pâncaro Avena escreveu:
[...] na instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; na avaliação da prova, impondo-se seja valorada em favor do acusado quando houver dúvidas sobre a existência de responsabilidade pelo fato imputado; e, no curso do processo penal, como parâmetro de tratamento acusado, em especial no que concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória (AVENA, 2017, p. 49).
Referências
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
BAHIA, Flávia. Direito constitucional descomplicado. Sabrina Dourado (Coord.). 3. ed. Recife: Editora Amador, 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em julho de 2017.
BRASIL. Decreto nº 592 de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em julho de 2017.
BRASIL. Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em julho de 2017.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declaração-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html. Acesso em 01 de julho de 2017.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2017.
TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
1 Por exemplo: NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015: 456; BAHIA, Flávia. Direito constitucional descomplicado. Sabrina Dourado (Coord.). 3. ed. Recife: Editora Amador, 2017: 188.
2 Sobre os temas abordados nesses itens, ver: PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2017: 186.