Por uma leitura sistemática da Constituição

11/02/2018 às 13:25
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A interpretação sistemática da Constituição é o mais importante método hermenêutico no sentido de assegurar a segurança jurídica do processo constitucional decisório e das relações sociais.

Introdução

Temos defendido em nossos textos, diante de um descrédito do processo político majoritário, o Poder Judiciário, sobretudo, na figura do Supremo Tribunal Federal, tem sido convocado a se manifestar sobre temas até então discutidos na seara política.

A evidência tem atraído fortes críticas, sobremaneira, quanto aos desígnios seguidos pelo Pretório Excelso quando de diversas decisões.

Argumenta-se, para tal, principalmente, que o Guardião da Constituição estaria exorbitando suas funções e se agigantando perante o poder político, o qual seria exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, praticando o mesmo, logo, ativismo judicial e fomentando a judicialização da política.

Essas considerações nos remetem a uma reflexão acerca da legitimidade da atuação do Poder Judiciário em temas atribuídos, prima facie, ao poder político, tendo em vista a síndrome de inefetividade das normas constitucionais, com ênfase naquelas consagradoras dos direitos fundamentais.

Por meio deste texto pretendemos a leitura sistemática da Constituição como o paradigma a ser seguido para se alcançar a segurança jurídica do processo decisório a fim de se efetivar os anseios sociais.

1. Os métodos e princípios constitucionais interpretativos

O intérprete, no exercício de suas funções deverá fazer uso de certos princípios e métodos hermenêuticos.

Dentre referidos princípios pode-se citar o princípio da unidade da Constituição, por meio do qual se deve entender a Constituição como um todo, como um sistema único, repleto de princípios e regras.

Referido princípio é associado, por vezes, ao do efeito integrador, o qual transmite a ideia de que, na atividade hermenêutica, devem-se priorizar os critérios que favoreçam a integração política e social quando da resolução de problemas jurídico-constitucionais.

Isso porque o princípio da máxima efetividade denota a imprescindível tarefa de se dar à norma constitucional a mais ampla efetividade social.

Nesse contexto, compreende-se que as normas constitucionais devam ser interpretadas harmoniosamente, logo, na hipótese de eventual conflito entre elas deve-se evitar o sacrifício de uma em relação à outra, entrando em evidência o princípio da concordância prática ou harmonização.

Logo, o texto constitucional tem que ser interpretado de modo que as normas nele contidas não estejam em desacordo com a realidade política e social, pois, obviamente, quando da existência de antinomias, pelo princípio da força normativa da constituição, impõe-se dar prevalência aos pontos de vista que levarem em conta os pressupostos e os limites da Constituição, para que esta esteja contextualizada ao mundo fático.

O conflito aparente de normas reivindica, igualmente, a observância do princípio da interpretação conforme a Constituição diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas.

Para que se resolva essa problemática, argumenta-se que o intérprete deve, quando da decisão entre reconhecer a constitucionalidade ou não de uma norma infraconstitucional, preferir por aquela que esteja em consonância com o texto constitucional.

É bom lembrar também, neste contexto, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, o qual detém três requisitos/”momentos”.

O primeiro, necessidade ou exigibilidade, reivindica que a medida a ser tomada só deva ser considerada legítima se for necessária à resolução do problema em questão.

O segundo, adequação, pertinência ou idoneidade, fornece o entendimento de que o meio escolhido seja o mais adequado ao deslinde do caso concreto.

Já do terceiro, proporcionalidade em sentido estrito, resulta que a medida esteja sendo tomada na exata proporção do problema que envolve o fato objeto de questionamento jurídico.

Quanto aos métodos hermenêuticos, necessário pontuar, pelo clássico, a Constituição deve ser encarada com uma lei, fazendo o intérprete, no exercício do seu labor, uso dos métodos hermenêuticos tradicionais, carreados por elementos gramaticais ou filológicos, lógicos, sistemáticos, históricos, teleológicos ou sociológicos, populares, doutrinários e evolutivos.

No método tópico-problemático ou método da tópica o intérprete vai do problema para a norma.

Contrariamente ao anterior, o método hermenêutico-concretizador pressupõe três vertentes. A subjetiva, que leva em conta o ponto de vista do próprio interprete, e a objetiva, pela qual se entende o hermeneuta como um mediador entre a norma e o caso concreto. Já pelo chamado círculo hermenêutico, aquele que pratica a atividade interpretativa produz um movimento de permuta entre os pressupostos subjetivos e objetivos, sendo a compreensão da norma o paradigma.

Pelo método normativo-estruturante, existe uma relação necessária entre a norma e a realidade, devendo o teor literal da norma ser analisado e concretizado à luz da realidade social.

O método da comparação constitucional refere-se à comparação de vários ordenamentos de maneira a buscar a melhor interpretação dos institutos.

Por último, cabe destacar, dentre os métodos de interpretação, o método científico-espiritual que, nos dizeres de Pedro Lenza, parte da:

análise da norma constitucional não se fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição. Assim, a Constituição deve ser interpretada como algo dinâmico e que se renova constantemente, no compasso das modificações da vida em sociedade” (LENZA, 2011, p. 169-170).

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2. A interpretação sistemática da Constituição

Postas as considerações anteriores, passemos a uma breve análise da interpretação sistemática da Constituição.

É preciso reafirmar, o contexto histórico-político-social-econômico-jurídico contemporâneo possibilitou a ascensão da pessoa humana ao centro de todo o sistema normativo, ocupando as normas constitucionais protagonismo no sentido de possibilitar a realização das mais diversas necessidades humanas, o que somente será possível a partir da aplicação harmônica das normas jurídicas, cerne em que a devida atividade hermenêutica se apresenta como principal condição de possibilidade.

Para bem entender esse método de interpretação deve-se ter em mente, primeiramente, tratar-se o sistema jurídico de um todo único e indissociável. Logo, quando na análise de um caso concreto, o intérprete deverá investigar o significado da norma em coerência com o conjunto normativo e não de forma isolada, ou seja, em sintonia com a Constituição e com as normas infraconstitucionais.

Ressalte-se, também, tanto o ato de criação quanto o de aplicação do direito devem levar em conta a coerência do sistema jurídico, ou, noutras palavras, as suas conexões lógicas, as quais venham, objetivamente, atender às necessidades coletivas e individuais de dada sociedade, por mais que, aparentemente, haja um conflito entre normas.

De tal maneira, fazendo uso das palavras de Paulo Bonavides, temos que a interpretação lógico-sistemática é um:

[...] instrumento poderosíssimo com que averiguar a mudança de significado por que passam velhas normas jurídicas. Sua atenção recai sobre a norma jurídica, tomando em conta, como já evidenciara Enneccerus, “a íntima conexão do preceito, do lugar em que se acha e da sua relação com os demais preceitos”, até alcançar “o laço que une todas as regras e instituições num todo coerente” (BONAVIDES, 2006, p. 445).

Considerações finais

A título de considerações finais, reafirmamos o que já dissemos noutros textos, o viés jurídico contemporâneo exige uma reestruturação da teoria da tripartição dos poderes no sentido de requerer que cada Poder exerça sua função no estrito cumprimento das normas constitucionais.

Se os Poderes Legislativo e Executivo não cumprem seus papeis, caberia ao indivíduo reivindicar, no Poder Judiciário, a efetividade da Constituição, pois este diálogo faz parte do processo democrático, não se podendo mencionar, de plano, ativismo judicial na hipótese.

Se o Poder Judiciário, quando provocado pelo indivíduo, prolata suas decisões em desrespeito à Constituição, pratica ativismo judicial. Portanto, ativismo nada mais é do que um ato que extrapola o que está posto nas normas, entendidas como princípios e regras previstos na Carta Magna. Se tal poder, na sua atividade judicante, nesta hipótese (quando provocado), se pauta em normas constitucionais, não se pode falar em ativismo, em nada violando, igualmente, a teoria da tripartição de poderes.

Os Poderes Legislativo e Executivo, tal como o Poder Judiciário, podem agir arbitrariamente, ou seja, com ativismo no sentido de extrapolar suas funções constitucionais, justamente por isso, não se pode ignorar a necessidade da construção de mecanismos de controle das decisões (dever de accountability).

Por derradeiro, o paradigma epistemológico e axiológico a ser seguido atualmente deve se basear na dignidade da pessoa humana e na afirmação e efetividade dos direitos fundamentais à mesma inerentes, pois esse fundamento estatal surge no ordenamento jurídico com vistas à positivação de uma ordem espiritual e material dos valores, a qual não se coaduna com uma interpretação isolada das normas envolvidas, quiçá das constitucionais.

Referências

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

Sobre o autor
Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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