De acordo com o caput do art. 144 da Constituição brasileira, a “segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. (BRASIL, 1988, p. s.n.).
Tais funções são exercidas dentre outros, pelas polícias federal e civis, nos termos dos incisos I e IV, respectivamente, do dispositivo constitucional ora apontado.
À polícia federal:
Art. 144. § 1º instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (BRASIL, 1988, p. s.n.).
A Polícia Federal age como polícia judiciária na apuração das infrações penais de competência da Justiça Federal e, também, nos âmbitos estadual e distrital, no deslinde de infrações com repercussão interestadual ou internacional e exijam repressão uniforme, nos moldes da Lei nº 10.446/2002, que assim regulamenta:
Art. 1º Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação. V - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal). VI - furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação. Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça. (BRASIL, 2002, p. s.n.).
Nathalia Masson (2016) lembra, ainda, competir à Polícia da União promover investigações conduzidas por Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça e atuar no âmbito da justiça eleitoral.
Vale conferir as palavras da autora, inclusive, para melhor entender a atuação investigatória do Ministério Público e suas relações com aquela Polícia. In verbis:
Igualmente vale frisar que nas investigações conduzidas por um Ministro relator do STF e do STJ (para os crimes que sejam de competência originária de referidos Tribunais), é a Polícia Federal que instrumentaliza as diligências requisitadas. Também é a Polícia Federal quem age como polícia judiciária da justiça eleitoral, sendo importante destacar que o TSE (pelas resoluções nº 11 .494/1982 e n° 23.222/2010) determinou às polícias civis dos Estados a atuação supletiva na aferição dos crimes eleitorais realizados em locais em que não haja órgãos da polícia federal. No mais, cumpre noticiar que a 2ª Turma do STF27 se manifestou no sentido de que a cláusula de exclusividade decorrente da formulação do art. 144, § 1°, IV, CF/88 não impede a atividade investigativa do Ministério Público, e tem por única finalidade conferir à Polícia Federal primazia investigativa na apuração dos crimes, ou seja, preferência na investigação dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União. (MASSON, 2016, p. 1214-1215).
Já às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira: “Art. 144 [...] § 4º, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL, 1988, p. s.n.).
Tanto à polícia federal quanto à civil compete, nesses temos, promover atos investigatórios a fim de colher indícios suficientes de autoria e materialidade do delito para que o titular da ação penal, pública ou privada, dela faça uso no intuito de responsabilizar o suposto autor da infração penal.
Esses atos investigatórios ocorrerão com a abertura do inquérito policial, com a observância do disposto no Código de Processo Penal brasileiro e na Lei nº 12.830 de 20 (vinte) de junho de 2013 que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, seja ele federal ou civil.
Para corroborar mencionados dizeres, interessa colar:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. § 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. § 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos. [...] § 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. (BRASIL, 2013, p. s.n.).
É de se pontuar, em caráter especial, tratar-se o inquérito de uma fase preliminar, pré-processual, de natureza administrativa, precedendo o exercício da atividade jurisdicional, conforme Eugênio Pacelli elucida:
A fase de investigação, portanto, em regra promovida pela polícia judiciária, tem natureza administrativa, sendo realizada anteriormente à provocação da jurisdição penal. Exatamente por isso se fala em fase pré-processual, tratando-se de procedimento tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento (opinio delicti) do responsável pela acusação. O juiz, nessa fase, deve permanecer absolutamente alheio à qualidade da prova em curso, somente intervindo para tutelar violações ou ameaça de lesões a direitos e garantias individuais das partes, ou para, mediante provocação, resguardar a efetividade da função jurisdicional, quando, então, exercerá atos de natureza jurisdicional. (PACELLI, 2017, p. 43).
O inquérito policial é iniciado, de acordo com o que prevê o Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941).
Em conformidade com a hipótese, será resultado da inciativa do próprio Delegado de Polícia (de ofício); mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo ou; pelo próprio ofendido. Vejamos a seguinte previsão do diploma processual penal brasileiro:
Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1º O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. § 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia. § 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. § 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado. § 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. (BRASIL, 1941, p. s.n.).
Em sendo essa espécie investigatória legalmente iniciada, deverá o delegado de polícia, então, realizar todos atos relativos sua à finalidade e natureza, nos devidos termos normativos.
Posto isso, deverá encerrá-lo com um minucioso relatório a fim de descrever o que foi apurado, destinando-o ao juiz competente, sob a égide do art. 10 do Código de Processo Penal.
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. [...] § 1º A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. (BRASIL, 1941, p. s.n.).
É de se salientar, é defeso ao delegado de polícia emitir juízo de valor no referido relatório, como aludiu Nestor Tavora:
O inquérito policial é encerrado com a produção de minucioso relatório que informa tudo quanto apurado. É peça essencialmente descritiva, trazendo um esboço das principais diligências realizadas na fase preliminar, e justificando eventualmente até mesmo aquelas que não foram realizadas por algum motivo relevante, como a menção às testemunhas que não foram inquiridas, indicando onde possam ser encontradas. Não deve a autoridade policial esboçar juízo de valor no relatório, afinal, a opinião delitiva cabe ao titular da ação penal, e não ao delegado de polícia, ressalva feita à Lei no 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), prevendo que, na elaboração do relatório, a autoridade policial deva justificar as razões que a levaram à classificação do delito (art. 52). (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 182).
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em julho de 2017.
BRASIL. Lei nº 12.830 de 20 de junho de 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em julho de 2017.
BRASIL. Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10446.htm. Acesso em julho de 2017.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm. Acesso em julho de 2017.
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.