NÃO HÁ MAIS CONDIÇÃO DE AÇÃO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO?

17/02/2018 às 17:20
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O ARTIGO DISCUTE TEMA DOUTRINÁRIO SOBRE A APLICAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE AÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.

NÃO HÁ MAIS CONDIÇÃO DE AÇÃO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO?


Rogério Tadeu Romano


O Código de Processo Civil de 1973, na linha dos ensinamentos de Enrico Tullio Liebman(Manuale di diritto processuale civile, volume I, pág. 13), adotava a expressão condições de ação.

Observe-se, para tanto, o que dizia o artigo 267, VI, do CPC de 1973. 

Assim se lia no ordenamento processual civil anterior:

"Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Artigo alterado pela Lei nº 11.232, de 22/12/2005 - DOU 23/12/2005)

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

Vll - pela convenção de arbitragem; (Redação dada pela Lei nº 9.307, de 23.9.1996 - DOU 24/09/1996)

Vlll - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código."

Haveria três momentos de cognição: o exame dos pressupostos processuais, após, a condição de ação, e, por fim, o exame do mérito(lide, causa, pedido).

Fala-se nas condições de ação.

Eram elas: a legitimidade ad causam, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

O interesse de agir, que não se confundia com o interesse substancial ou primário, surgindo da necessidade de se obter através do processo a proteção do interesse substancial. Entende-se que haveria um interesse processual "se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e, daí, resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais. O interesse de agir localiza-se não apenas na utilidade, mas, de forma específica, na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto.
A legitimidade ad causam é a titularidade ativa e passiva da ação; a pertinência subjetiva da ação.
Era conhecido exemplo emblemático da impossibilidade jurídica do pedido: a cobrança de dívida oriunda de mesa de jogo. Era localizada no pedido imediato, na permissão ou não do direito brasileiro a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor.

As condições de ação eram requisitos de ordem processual, intrisecamente instrumentais e existem, em última análise, para se verificar se a ação deverá ser admitida ou não.
Por sua vez, os pressupostos processuais são aquelas exigências legais sem cujo atendimento o processo, como relação jurídica, não se estabelece ou não se desenvolve validamente e, em consequência, não atinge a sentença que deveria apreciar o mérito da causa. São requisitos jurídicos para a existência, validade e eficácia da relação jurídico processual.

Há os  pressupostos processuais  de existência, que são requisitos para que a relação processual se constitua validadamente; pressupostos de desenvolvimento que são atendidos depois que o processo se estabeleceu regularmente, no intuito de que possa ter curso regular.

Os pressupostos de existência válida ou de desenvolvimento regular do processo são subjetivos e objetivos. Os subjetivos se relacionam aos sujeitos do processo: juiz e partes e compreendem: competência do juiz para a causa; capacidade civil das partes; a representação do advogado. Já os requisitos objetivos se relacionam à forma procedimental e com a ausência dos fatos que impedem a regular constituição do processo, segundo a sistemática do direito processual civil, compreendendo: observância de forma processual adequada à pretensão; existência nos autos de instrumento de mandato conferido ao advogado; inexistência de litispendência, coisa julgada, inépcia da inicial; inexistência de qualquer nulidade prevista na legislação processual, como explicou Humberto Theodoro Júnior(Curso de direito processual civil, volume I, 25ª edição).

O novo CPC não mais menciona literalmente a categoria condição da ação.

O inciso VI do art. 485 do CPC autoriza a extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de “legitimidade ou de interesse processual”.

Há duas grandes diferenças em relação ao CPC-1973. O silêncio do novo CPC de 2015 é bastante eloquente.

Primeiramente, não há mais menção “à possibilidade jurídica do pedido” como hipótese que leva a uma decisão de inadmissibilidade do processo. Observe que não há mais menção a ela como hipótese de inépcia da petição inicial (art. 330, § 1º., novo CPC); também não há menção a ela no inciso VI do art. 485 do novo CPC, que apenas se refere à legitimidade e ao interesse de agir; além disso, criam-se várias hipóteses de improcedência liminar do pedido, que poderiam ser consideradas, tranquilamente, como casos de impossibilidade jurídica de o pedido ser atendido.Dir-se-ia: O texto normativo do novo CPC não se vale da expressão “condição da ação”.

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Essa a lição de Fredie Diddier(Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao projeto do novo Código de Processo Civil”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2011, v. 197, p. 255-260).
No mesmo sentido, tem-se: CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Será o fim da categoria condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. E Alexandre Freitas Câmara”. Revista de Processo. São Paulo: RT, agosto 2011, v. 198, p. 227-235. Em sentido diverso, pela preservação da categoria, CÂMARA, Alexandre Freitas. “Será o fim da categoria ‘condição da ação’? Uma resposta a Fredie Didier Junior”. Revista de Processo. São Paulo: RT, julho 2011, v. 197, p. 261-269; ALVES, Gabriela Pellegrina; AZEVEDO, Júlio de Camargo. “Condições da ação e novo Código de Processo Civil”. Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, 2014, n. 14, p. 188 (www.redp.com.br); GALIO, Morgana Henicka. “Condições da ação, direitos fundamentais e o CPC projetado”. Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, 2014, n. 14, p. 464-465

A legitimidade ad causam e o interesse de agir passarão a ser explicados com suporte no repertório teórico dos pressupostos processuais.

A legitimidade e o interesse passariam,  então, a constar da exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo extrínseco; a legitimidade, como pressuposto de validade subjetivo relativo às partes.

Data vênia, a melhor interpretação não é literal, mas lógica e sistemática.

A teoria geral do processo desenvolve-se dentro da trilogia: jurisdição, ação e processo. Não há como fugir.

Os pressupostos processuais são dados reclamados para análise de viabilidade do exercício do direito de ação sob o ponto de vista estritamente processual. Já as condições de ação importam o cotejo do direito de ação concretamente exercido com a viabilidade abstrata da pretensão de direito material. Os pressupostos põem a ação em contato com o direito processual, e as condições de procedibilidade põem em relação com as regras de direito material, como explicou Zanzucchi(Diritto processuale civile, 1946, volume I, pág. 68).

Por certo, elimina-se a chamada possibilidade juridica do pedido que se inclui na chamada condição de ação de interesse de agir.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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