O conceito de tráfico internacional de pessoas amplamente aceito por nosso ordenamento jurídico, atualmente, é aquele que se encontra no Artigo 3º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
A Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo (2003), define tráfico de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”.
O tráfico humano é o comércio de seres humanos, mais comumente para fins de escravidão sexual, trabalho forçado ou exploração sexual comercial, tráfico de drogas ou outros produtos; para a extração de órgãos ou tecidos, incluindo para uso de barriga de aluguel e remoção de óvulos; ou ainda para cônjuge no contexto de um casamento forçado.
O tráfico humano deu mais de 31,6 bilhões de dólares do comércio internacional por ano em 2015 e é pensado para ser uma das atividades de maior crescimento das organizações criminosas transnacionais. O tráfico de pessoas é condenado como uma violação dos direitos humanos por convenções internacionais e está sujeito a uma diretiva da União Europeia.
Embora o tráfico humano possa ocorrer em níveis locais, há implicações transnacionais, como reconhecido pelas Nações Unidas no Protocolo para a Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças (também referida como o Protocolo do Tráfico), um acordo internacional no âmbito da ONU Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que entrou em vigor em 25 de dezembro de 2003. o protocolo é um dos três que completam o tratado. O Protocolo do Tráfico é o primeiro instrumento global legalmente vinculativo sobre o tráfico há mais de meio século, e é o único com uma definição consensual sobre o tráfico de pessoas. Um dos seus objetivos é facilitar a cooperação internacional na investigação e repressão desse tipo de tráfico além de proteger e assistir às vítimas do tráfico humanos, com pleno respeito pelos seus direitos, conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Protocolo do Tráfico, possui 166 partes, e define o tráfico humano como:
(a) [...] o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, rapto, fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração por prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, trabalho forçado ou serviços, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos;
(b) O consentimento de uma vítima do tráfico de pessoas para a exploração descrito na alínea (a), do presente artigo é irrelevante quando qualquer um dos meios previstos na alínea (a) têm sido utilizados;
(c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas", mesmo que isso não envolva qualquer um dos meios referidos na alínea (a), do presente artigo;
(d) “Criança” entende-se qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade.
É possível afirmar que o tráfico de pessoas teve início com a prática do tráfico negreiro, que em 1808, foi considerado um crime contra a humanidade. Com o fim do tráfico negreiro e da escravidão, teve início um novo século, sendo marcado pelo enorme fluxo de diversas nacionalidades em busca de novas perspectivas em todo o mundo.
O Brasil está entre os dez países com mais vítimas do tráfico internacional de pessoas. Atualmente, o tráfico de pessoas, considerado como forma moderna de escravidão, é uma das atividades mais rentáveis do crime organizado no mundo, perdendo em lucratividade apenas para o tráfico de drogas e de armas. Estima-se que da totalidade de vítimas, quase a metade seja subjugada para exploração sexual.
Com o advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, significativas foram às alterações no Código Penal brasileiro, com relação ao tráfico de pessoas. Tais alterações trouxeram um dispositivo legal, sob a nova rubrica, “Tráfico Internacional de Pessoas”, passando assim a ter a seguinte redação:
Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
A referida alteração no dispositivo legal veio com o intuito de atender a nova ideia que surgia, de que não somente mulheres podem ser acometidas como vítimas desse crime. O dispositivo anterior tratava como vítima somente mulheres, pois não se imaginava que homens poderiam exercer a prostituição. Entretanto, com a evolução do crime, também se tornou necessário proteger o sexo masculino como sendo vítimas desse crime, pois a falta de proteção viria a ofender os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Faz-se importante também mencionar, que com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.106/05, o delito de tráfico de pessoas passou a ter um novo qualificativo, sendo esse, “internacional”. Passando assim a constar no Código Penal brasileiro, duas espécies de tráfico de pessoas: o internacional e o interno.
De tal forma, atualmente, o crime de tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual, encontra-se contemplado nos arts. 231 e 231-A do Código Penal brasileiro, já com alterações posteriores à Lei nº 11.106/05, esses introduzidas pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. A referida Lei acabou por assim ampliar a tutela jurídica dos crimes contemplados no Capítulo V, do Código Penal brasileiro, passando a mencionar qualquer outra forma de exploração sexual, não somente a prostituição.
A Lei nº 12.015/09 também passou a se referir ao crime, na forma singular, pois para que esse se configure não há a necessidade da pluralidade de vítimas. Outra inovação foi na expressão do Título VI, passando a tratar tal crime como contra a dignidade sexual, substituindo a expressão “Dos crimes contra os costumes”, alterando, portanto, o foco da proteção jurídica.
É importante salientar, que tendo em vista que o bem resguardado pelos dispositivos legais decorre dos componentes do tipo penal que podem vir a lesar outros bens, é que outros interesses jurídicos não poderão vir a ser objeto da proteção penal.
De tal modo, o que se tutela é a dignidade da pessoa, sob a vértice do aspecto moral, e os direitos assim inerentes. Também se busca a proteção da moralidade pública, que por mais que a prostituição não seja crime, sua prática põe em risco os valores familiares, daí mais uma razão para que o Estado procure evitar a disseminação dessa por meio do tráfico. Em meio a tal discussão, Alice Bianchini, doutora em Direito Penal, posiciona-se de maneira contrária ao que a nova redação propõe, afirmando que:
Trata-se, portanto, de conceito de acentuada contingência, e como tal não pode ser objeto de norma incriminadora, por não se coadunar com o preceito de Direito penal que obriga a que a criminalização das condutas seja realizada de forma a não deixar dúvidas quanto ao seu conteúdo (princípio da taxatividade).
Uma análise consentânea com o Direito penal constitucional não mais permite que um tal bem jurídico (costumes) possa ser objeto de tutela penal. Representa característica comum às constituições de cunho democrático o não albergar disposições que versem sobre questões de ordem moral.
Um Estado de Direito pressupõe o respeito às opções de vida de casa pessoa, sem se prestar a perseguir concepções de vida de cada pessoa, sem se prestar a perseguir concepções ideológicas, ou privilegiar pregações religiosas ou moralistas. Nem mesmo seria legítima uma sua atuação no sentido de aplicar corretivos morais, por meio da autoridade, a pessoas adultas, ainda que suas opções não sejam de bom trânsito nos costumes estabelecidos. As condutas meramente imorais não podem se constituir, portanto, em objeto da tutela penal.
Sendo assim, define-se como o grande desafio do novo dispositivo, que é delimitar o que pode ser considerado como crime de tráfico de pessoas. Ao direito penal, compete a função social de tutelar bens jurídicos, visando à preservação da sociedade e seu desenvolvimento pacífico e sadio.
É importante ressaltar que não é porque o legislador veio adotar a rubrica de “crimes contra a dignidade sexual”, que os outros interesses jurídicos não poderão ser resguardados.
Tomando-se a dignidade humana como base, o direito penal, ao dispor sobre os crimes dos arts. 231 (tráfico internacional de pessoa para fins de exploração sexual) e 231-A (tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual) do Código Penal brasileiro vem intervir na hipótese de fundamental importância para a sociedade.
Durante toda a história do Brasil, sempre houve crises econômicas e socioculturais. O tráfico de seres humanos faz parte da história de formação do país, incialmente em decorrência do tráfico de negros e posteriormente em razão da chegada de imigrantes vindos da Europa na época da primeira guerra mundial, buscando refúgio e melhores condições de vida.
Há muitos anos, o Brasil deixou de ser um país destino e passou a ser um fornecedor para o tráfico, pois a prática de tal atividade acompanha os motivos que deram ensejo à sua origem.
Embora ainda não existam valores especificados, dados de um estudo realizado pelo departamento dos Estados Unidos45, sobre as vítimas do tráfico afirmam que são numerosos os casos. Segundo um estudo de 2003 da fundação Helsinque para os Direitos Humanos, mais de 75 mil mulheres brasileiras estariam envolvidas no tráfico sexual na União Europeia.
O mesmo estudo do departamento americano constatou que na mesma época, em 2003, havia um número considerável de brasileiras traficadas na Espanha, Itália, Portugal, Alemanha, Suíça e Inglaterra, além de Israel, Japão, Estados Unidos e Paraguai.
A Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescente para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (PESTRAF), afirma que o tráfico de pessoas envolve vítimas da área rural para as cidades, de áreas menos desenvolvidas para as mais industrializadas e de países subdesenvolvidos para os países desenvolvidos.
Um levantamento feito pela Policia Federal constatou que o Estado de Goiás é o principal exportador de vítimas, seguido pelo Rio de Janeiro e de São Paulo. As regiões Norte e Nordeste, por teres altos índices de desigualdade social e pobreza, são regiões onde há maior concentração de rotas de tráfico de pessoas.
Ao relatar um perfil sobre o crime de tráfico no Brasil, a PESTRAF identificou que a maior parte das vítimas é designada para a exploração sexual, tendo como alvo, mulheres e garotas negras e morenas com idade entre 15 e 27 anos, oriundas de classes populares, que moram em zonas periféricas, com carência de saneamento, transporte, que moram com a família e que geralmente tenham filhos e exerçam atividade laboral de baixa exigência. Quando se fala do perfil masculino das vítimas de tráfico no Brasil, os traficantes visam homossexuais menores que vivem nas ruas.
O “tráfico de pessoas” é definido na legislação internacional como o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. Vale ressaltar que, no caso de crianças e adolescentes, mesmo sem o emprego desses meios coercitivos, o simples recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento para fins de exploração será considerado tráfico de pessoas.
Percebe-se que o tráfico de pessoas nutre estreita relação com o trabalho forçado, pois sua principal finalidade é fornecer mão de obra para o trabalho forçado, seja para a exploração sexual comercial, econômica, ou para ambas. Trabalho forçado, na definição da Organização Internacional do Trabalho, significa todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente.
A questão do tráfico de pessoas tem permeado todo o direito internacional do último século. O mais recente e mais importante instrumento internacional que trata de tráfico de pessoas é a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e seus dois protocolos (que ficaram conhecidos como Protocolos de Palermo). O tráfico internacional de seres humanos é um fenômeno que pode ser contextualizado dentro do avanço e desenvolvimento do crime organizado transnacional. Tendo o crime organizado como plano de fundo, foi a partir dos anos 90 que esse tipo de crime transnacional se expandiu, auferindo além de lucros econômicos, força política sem precedentes. Força esta que influencia fortemente a dinâmica local onde estão baseadas as células criminosas, exercendo pressão direta ou indireta sobre os sistemas nacionais de segurança pública de diversos países.
Apesar de o tema ser reconhecido pelo direito internacional como um problema desde o início da década de 90, por quase todo o século XX o tráfico era considerado uma esfera limitada que concernia principalmente mulheres, sendo assim, objeto de análise apenas pelo sistema internacional de Direitos Humanos. Foi com o início do movimento pelos direitos femininos, no início da década de 90, que a atenção para a questão do tráfico foi levantada. Simultaneamente estava ocorrendo outro fenômeno, o do início da migração de trabalhadores em massa.
O Protocolo da ONU acerca do tráfico de pessoas pode ser considerado como um instrumento único, na medida em que foi criado como um instrumento de enforcement, o que em teoria, dá mais influência do que a outros acordos anteriores. Disposições nesse Protocolo indicam que os Estados membros devem: agir para penalizar o tráfico, proteger as vítimas e garantir às vítimas com residência temporária ou permanente no país de destino desta. Um Estado, que seja parte da Convenção e de seus Protocolos, possui obrigatoriedade de criar uma legislação que suporte essas questões em âmbito doméstico.
Banco de dados da ONU oferece estatísticas sobre o número de processos e condenações, mas também dados qualitativos de casos das pessoas traficadas como documentado pelos tribunais. A metodologia empregada para a criação e a alimentação do Human Trafficking Case Law Database é a coleta de casos junto às autoridades competentes de cada país (no Brasil, por exemplo, a autoridade competente é o Ministério Público Federal), sendo exigida para a inclusão do caso no banco de dados a condição de que todos os três elementos constitutivos na definição de tráfico de pessoas do Protocolo de Palermo estejam presentes, mesmo que o caso não tenha sido processado nos termos da legislação nacional específica do tráfico (os três elementos constitutivos do tráfico de pessoas são o ato, os meios e os fins de exploração).
O tráfico de pessoas é uma prática criminosa mundial e sem fronteiras. É uma espécie de máfia altamente rentável, movimentando bilhões de dólares por ano em todo o mundo, chegando a atingir milhões de pessoas, forçadas a trabalhos escravos e sexuais.
Uma das mais importantes legislações internacionais que tendem a abordar o tema citado é o Protocolo de Palermo, o qual visa o combate dos mais diversos crimes organizados, entre eles, o tráfico de pessoas, que por sua vez é considerado um crime contra a humanidade.
A constituição de uma rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil e no mundo continua sendo um desafio, pois se trata de fenômeno complexo e multifacetado. Impulsionadas pela globalização, a pobreza e a consequente violação dos direitos humanos contribuem decisivamente para a vulnerabilidade a qualquer tipo de exploração. Além dos mecanismos nacionais de prevenção, assistência às vítimas e repressão, o combate ao tráfico de pessoas exige a reorientação da política internacional para uma “globalização ascendente”, no sentido de progredir para uma melhor distribuição de riquezas em nível global e uma maior proteção dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Alberto Jr., PERRONE-MOISÉS, Cláudia (Orgs.). O legado da Declaração Universal e o Futuro da Proteção Internacional dos Direitos Humanos in O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: Edusp, 1999.
BARBOSA, Cíntia Yara Silva. Significado e abrangência do “novo” crime de tráfico internacional de pessoas: perspectivado a partir das políticas públicas e da compreensão doutrinária e jurisprudencial. Rio Grande do Sul.
JESUS, Damásio Evangelista de. Tráfico internacional de mulheres e crianças - Brasil: aspectos regionais e nacionais. São Paulo: Saraiva, 2003.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: Acesso em: 24 fev. 2018.
VENSON, Anamaria Marcon e PEDRO, Joana Maria. Tráfico de pessoas: uma história do conceito. Revista Brasileira de História. São Paulo, 2013.