INTRODUÇÃO
O jus puniendi, direito de aplicar a punição, é exarado principalmente por meio de lei penal e pronunciado a priori, ou seja, o Estado determina a proibição de práticas e condutas nocivas aos bens jurídicos relevantes, antecipadamente ao fato.
Nessa linha, Wilhelm Sauer (SAUER, 1956 p.39) sustenta que o direito penal raciocina por meio de tipos, o que significa que faz-se necessário que a conduta tida como nociva caiba num tipo penal e seja antecipadamente prevista em lei.
Essa premissa protege o princípio fundamental penal nullum crimen sine lege, que determina que não existe crime sem que haja lei que o defina.
Por meio do ordenamento jurídico, o Estado pode considerar uma conduta humana: indiferente ou benéfica e, portanto, protegida; ou prejudicial e, portanto, proibida.
As condutas consideradas proibidas podem ser comissivas, quando se pratica a ação proibida pela norma ou omissivas, quando o individuo deixa de agir quando deveria ou não impede um resultado que tinha o dever de evitar. Como conseqüências a essas condutas, temos sanções ou punições.
Assim, nossas ações diárias geram consequências jurídicas efetivadas através das sanções ou punições. As sanções penais, são as mais importantes pois protegem os bens mais valiosos para a vida em sociedade. As sanções penais não podem restabelecer a ordem ou as condições existentes antes da conduta irregular, assim, elas vem perdendo o caráter inicial de compensação jurídica e ganhando cunho de medida reeducativa.
Essa medida reeducativa, ou seja, a sanção penal somente poderá ser aplicada ao individuo culpado pela prática de um fato típico e antijurídico.
Para que haja a definição de um fato típico e antijurídico, é necessário que esse fato se encaixe perfeitamente na descrição individualizada da conduta humana penalmente relevante e coibida.
Quando isso ocorre, temos a tipicidade.
1. CONCEITOS
Têm-se comumente uma descrição objetiva, segundo Cezar Roberto Bitencourt (BITENCOURT, 2012 p.129) do comportamento proibido, entretanto, para alguns delitos, o legislador utiliza-se de recursos como elementos normativos ou subjetivos do tipo, que carregam em si um juízo de valor.
Assim, é importante entender o conceito causal da ação, defendido por Von Liszt (VON LISZT, Franz. 1914. p. 128) e os degraus que atribuem valor aos crimes e determinam a responsabilidade penal.
Portanto, para entender mais profundamente o instituto em questão, é de grande importância, determinar os conceitos mais importantes relativos a Tipicidade.
Uma definição importante para o entendimento do instituto é a conceituação de tipo.
Para Claus Roxin (ROXIN, 1997 p.45) é através da convergência da ação típica com a antijuridicidade que se tem o tipo injusto
Cezar Roberto Bitencourt ensina que (BITENCOURT, 2012 p.130), tipo é o conjunto de elementos do fato punível descrito na lei penal e exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. Cada tipo possui características e elementos próprios que os tornam inconfundíveis. A falta de correspondência entre uma conduta e um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva. Segundo ele, é uma figura puramente conceitual.
Para Franz Von Lizt (VON LISZT, Franz. 1914. p. 128), segundo a teoria causalista, conduta é ação ou omissão humana voluntária que produz resultado no mundo exterior.
Sob a teoria finalista, defendida por Hanz Welzel (WELZEL, 2001 p. 76) a conduta é o comportamento humano voluntário e consciente, dirigido a um fim. Portanto, a conduta é para ele um acontecimento final e não um procedimento puramente casual.
Prosseguindo, passamos a compreender o fato típico, segundo a mesma linha de entendimento, como o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal.
Podemos reconhecer quatro elementos do fato típico, a saber, a conduta dolosa ou culposa; o resultado nos crimes materiais; o nexo causal também nos crimes materiais e finalmente a tipicidade.
Como já mencionado anteriormente, encontramos a tipicidade quando uma conduta subsume-se perfeitamente com o modelo incriminador abstrato previsto em lei.
É a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora.
3. TIPICIDADE E ANTIJURIDICIDADE
Compõem o crime o fato típico e a ilicitude. A culpabilidade é o elemento de ligação entre o crime e a pena.
Ainda que conceitualmente muito diferentes, os limites entre a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade não são rígidos. Não pode se falar em antijuridicidade penal sem a tipicidade assim como não se pode falar em ilicitude penal sem que o fato seja previsto como infração por lei.
Teoricamente todo fato típico é antijurídico, salvo quando o agente possuía uma cláusula de exclusão da antijuridicidade prevista no artigo 23 do Código Penal. Assim, na pratica o fato pode ser típico, mas não antijurídico, assim como um fato pode ser antijurídico e não típico. A conduta pode ser ilícita, mas a antijuridicidade não interessar ao Direito penal pois não se encontra em concreto em um tipo.
3.1 Conceito de Tipo Legal
O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva, como descreve Cesar Roberto Bitencourt (BITENCOURT, 2012 p.133). A lei penal tem a responsabilidade de descrever os crimes de forma detalhada, delimitando em termos precisos, específicos e delimitadores o fato criminoso para que a relação tipo – conduta (a tipicidade) seja bem identificada.
O tipo é o que realiza e garante o princípio da reserva legal. É a descrição abstrata e pormenorizada da conduta humana, descrita pela lei penal e correspondente a um fato criminoso quando tipo incriminador com a função de garantir o direito à liberdade.
4. ADEQUAÇÃO TÍPICA
A adequação típica caracteriza-se quando uma conduta se subsume ao tipo penal. A adequação típica é um exame mais aprofundado do que a simples correspondência objetiva. Ela investiga se houve vontade, e ai então efetua o enquadramento. A teoria finalista exige para essa adequação o comportamento doloso ou culposo, e a teoria social além da vontade de produzir um dano relevante social. Assim, se alguém mata um outro indivíduo por força maior, haverá tipicidade, pois é o que descreve o artigo 121 do Código Penal, porém não haverá adequação típica, devido a ausência de dolo ou culpa.
Assim, como solução, temos duas formas de adequação típica.
A adequação típica de subordinação imediata, em que o fato se enquadra no modelo legal imediatamente, sem que seja necessária outra disposição.
A adequação típica de subordinação mediata, em que o tipo se aplica a um fato sem que este contenha todos os elementos daquele. O fato não se enquadra imediatamente à norma penal incriminadora, sendo necessário para isso que concorra também outra disposição.
A adequação típica de subordinação mediata, quando comparando o tipo e a conduta, não se verifica entre eles perfeita correspondência. Precisa-se recorrer a uma outra norma que faça a extensão do tipo para que alcance a conduta.
Para Cesar Roberto Bitencourt (BITENCOURT, 2012 p135 ) os conceitos de tipicidade e adequação típica são idênticos. Segundo ele se não há dolo ou culpa, não existe conduta, e sem conduta não se fala em tipicidade ou adequação típica, porque esta pressupõe aquela.
4. ELEMENTOS DO TIPO
Os elementos do tipo podem ser basicamente objetivos e subjetivos.
Os elementos subjetivos, são os de fundo psicológico do agente. Como o dolo e a culpa.
Os elementos objetivos nos oferece a imagem mais simples de uma espécie de delito. É o que se localiza no caput de um artigo e contêm os componentes essenciais do crime.
Quando alem de elementos objetivos, a definição possui elementos relativos à antijuridicidade e ao estado psicológico do agente, o tipo é chamado de anormal ou de derivados.
São os que se formam a partir do tipo fundamental, destacando-se as circunstâncias agravantes ou atenuantes. Quando a agravação consistir em um dos novos limites abstratos de pena, maior, temos o tipo qualificado. Se o aumento for percentual, temos a chamada causa de aumento. Quando se dá a atenuação, surge o tipo privilegiado.
São elementos objetivos do tipo as que se referem ao aspecto material do fato. Os elementos subjetivos, são os que se referem ao estado anímico ou psicológico do agente. Já os normativos, referem-se em regra à antijuridicidade.
4.1 Elementos objetivos ou descritivos
São os elementos que existem concretamente no mundo, não é necessário realizar nenhum juízo de valor. É a ação indicada pelo núcleo do tipo penal.
4.2 Elementos normativos do tipo
São componentes que dependem de interpretação, é necessário avaliar o seu significado jurídico ou social.
4.3 Elementos subjetivos do tipo
Quando o legislador inclui no tipo elementos que se referem ao estado anímico do sujeito, que o encoraja a execução do fato temos os elementos subjetivos do tipo ou do injusto.
Para que a conduta seja contrária ao Direito, é necessário que além dos característicos externos do fato, que existam determinados momentos psíquicos estranhos ao dolo.
Podemos dividir os tipos ainda em permissivos ou pacificadores, quando não descrevem fatos criminosos, mas hipóteses em que estes podem ser praticados. São os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude, ou cláusulas de justificação.
5. TIPICIDADE CONGLOBANTE
Segundo Eugenio Raul Zaffaroni (ZAFFARONI, 2002 p.145) é um corretivo da tipicidade legal, e dessa forma,muda a forma como a tipicidade legal ou penal deve ser analisada.
A teoria de que o fato típico pressupõe que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado. Assim, quando algum ramo do direito, civil, trabalhista, administrativo, processual ou qualquer outro, permitir o comportamento, o fato será considerado atípico.
Seria contraditório permitir a prática de uma conduta por considerá-la lícita e, ao mesmo tempo, descrevê-la em um tipo como crime.
Se o fato é permitido expressamente, não pode ser típico. Com isso, o exercício regular do direito deixa de ser causa de exclusão da ilicitude para transformar- se em excludente de tipicidade, pois, se o fato é um direito, não pode estar descrito como infração penal.
O estrito cumprimento do dever legal exclui a tipicidade, pois o que é um dever imposto por lei não pode ser crime definido por essa mesma lei (ordenamento é um só). Somente no caso da legítima defesa e do estado de necessidade é que não se pode falar em exclusão da tipicidade, mas da ilicitude, uma vez que nessas duas hipóteses o fato não é prévia e expressamente autorizado, dependendo da análise das peculiaridades do caso concreto.
No caso da a tipicidade conglobante, somente a conduta expressa e previamente consagrada como um direito ou um dever será sempre atípica, pouco importando a subsunção formal.
A tipicidade legal consiste apenas no enquadramento formal da conduta no tipo, o que é insuficiente para a existência do fato típico. A conglobante exige que a conduta seja anormal perante o ordenamento como um todo.
O nome conglobante decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal.
Considerando que a tipicidade formal (ou legal) não é suficiente, podemos substituir com vantagem a tipicidade conglobante pela exigência de que o fato típico, além da correspondência à descrição legal, tenha conteúdo do crime, fazendo-se incidir os já estudados princípios constitucionais do Direito Penal, a fim de dar conteúdo material ontológico ao tipo penal. Deste modo, se a lesão for insignificante, se não houver lesão ao bem jurídico, se não existir alteridade na ofensa, se não for traída a confiança social depositada no agente, se a atuação punitiva do Estado não for desproporcional ou excessivamente interventiva, dentre outros, o fato será materialmente atípico, sem precisar recorrer à tipicidade conglobante.
CONCLUSÃO
Determinadas as principais características das tipicidades formal, material e conglobante, concluímos que, a tipicidade penal é composta pela tipicidade formal (enquadramento do fato à norma) e tipicidade material ( efetiva lesão ao bem jurídico tutelado).
A tipicidade é instrumento de garantia que assegura ao cidadão mecanismo de prevenir a atuação inescrupulosa do Direito Penal, face uma desobediência a norma, acaso inexista a imputação objetiva do resultado.
O Direito Penal não visa meramente a proibir condutas, mas pretende a proteção de bens jurídicos de ações que se revistam de relevância para ofendê-lo
Ocorrida a desobediência à norma, mas inocorrida a lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico, não há interesse ao direito penal.
Se o resultado não for considerado imputável ao agente, por lhe faltar um dos critérios da imputação objetiva, não haverá resultados jurídicos.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral – 17 ed. – São Paulo. Saraiva 2012
CAMARGO, Antonio Luis Chaves de, Tipo penal e linguagem, Rio de Janeiro, Forense, 1982
LISZT, Franz Von, Direito Penal Alemão. PEREIRA, José Hygino Duarte.
MESTIERI, João , Teoria Elementar do Direito Criminal; Parte Geral, Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1990
TAVAREZ, Juarez, Teorias do delito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1980
SAUER, Wilhelm Derecho Penal – Parte General. Tradução Juan Del Rosal e José Cerezo. Barcelona: Bosch, 1956
ROXIN, Claus Derecho Penal – parte general 2 ed. Madrid: Civitas 1997
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Derecho Penal. Parte general. 2 ed Buenos Aires : Ediar 202