AÇÃO RESCISÓRIA DE DIVÓRCIO E O CASAMENTO PUTATIVO

20/03/2018 às 11:44
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O ARTIGO DISCUTE DIANTE DAS LIÇÕES DE PONTES DE MIRANDA A SENTENÇA DE DIVÓRCIO E A AÇÃO RESCISÓRIA.

AÇÃO RESCISÓRIA DE DIVÓRCIO  E O CASAMENTO PUTATIVO 

Rogério Tadeu Romano

I - AÇÃO RESCISÓRIA E O DIVÓRCIO 

Como explicou Pontes de Miranda (Tratado da ação rescisória, 5ª edição, pág. 543), questão delicada é a de se saber se a rescisão da sentença de divórcio, deixa válido o segundo casamento.

Se for rescindida a sentença que anulou o casamento vale o segundo, celebrado quando aquele estava anulado em virtude da res iudicata?

Explicou Pontes de Miranda, que, em contraposição a G.Plank e Heinrich Dernburg, que atendiam à eficácia ex tunc da sentença rescindente, adotou Konrad Hellwig a opinião contrária; em vez de admitir o primeiro, como queriam aqueles, pugnou ele pela validade do segundo casamento.

Essa polêmica, na Alemanha, iniciou-se, em 1889, com Karl Friedrichs. Parecia-lhe que, rescindida a sentença dissolutiva do primeiro casamento, ficava a pessoa duas vezes casada. G. Plank, em 1901, já havia considerado nulo o segundo, e veio discutir a tese de Karl Friedrichs: sendo ex tunc a eficácia, a verdadeira situação foi restaurada pelo julgado, uma de cujas consequências teria de ser, em virtude da validade do primeiro casamento, a nulidade do segundo. Konrad Hellwig, como explicou Pontes de Mirada (obra citada) contestou ambas as opiniões. Para ele, vale o segundo, e a ação de restituição(a nossa rescisória) nã pode trazer a vida o primeiro casamento que foi dissolvido. As suas razões foram as seguintes: o ato de divórcio é ato de estado, constitutivo, opera diante de todos. A sentença rescindente tem dois elementos: um, relativo ao pleito inter partes, e outro, que é o ato constitutivo; e o ato extinto não reaparece com a rescisão. Por sua vez, Friedrich Oetker (Gültigkeit der zweiten Ehe triotz Aufhebung des Scheidungsurteils) respondeu a Konrad Hellwig, colocando-se com argumentos reforçados ao lado de G.Plank, Davidsohn, J. Erler, O. Lehmann, A.B. Schmidt, dentre outros, ficaram ao lado de G. Plank e Waldeckeer veio engrossar-lhes a fileira: chamou a atenção para o fato de não ter importância para o foro criminal a sentença de divórcio, a que se seguiu, no prazo, a rescisão. Se a primeira sentença foi constitutiva de estado, não no é menos a segunda.

Entendeu Pontes de Miranda que o segundo casamento passa a ser atacável, mas pode ser declarado putativo Desconstitui-se a eficácia da sentença constitutiva negativa, e agora, há dois casamentos, um dos quais não pode subsistir. A putatividade é a solução, como ensinou no Tratado de Direito Privado, VII, § 819, 3.

II - O CASAMENTO PUTATIVO 

O casamento putativo pode ser entendido como o casamento “imaginado válido”. Conceitua-se mais formalmente como o matrimônio que, embora padeça de algum vício capaz de torná-lo nulo ou anulável, produz efeitos legais, em respeito à boa-fé de um ou de ambos os consortes.

Putativo significa reputado ser o que não é, imaginário, fictício. 

As raízes do casamento putativo estão no século XII, devendo-se à igreja católica essa útil e inestimável descoberta de técnica jurídica. 

As raízes vão até as Setentiae de Pedro Lombardo. Na Summa ad Decretum de Hugúcio, já aparecia a teoria do casamento putativo; sem o nome, que remonta apenas a Raimundo de Penaforte e ao Hostiense, mas ainda em sentido não técnico. Na Summa de matrimoniio do Cardeal de Luca a construção chegou as suas linhas mais precisas: idem operatur matrimoniun putativum ac verum. 

Por sua vez, Coelho da Rocha(Instituições de direito civi português, tomo I, § 225) via suas origens no direito romano, na mesma linha de Lafayette Rodrigues Pereira. 

O direito canônico havia induzido cnsiderável numero de impedimentos matrimoniais. Como muitas pessoas, de boa-fé, por ignorância ou erro, infringiam a tais impedimentos, fez-se necessário atenar o rigor da pena de nulidade, ao menos em benefício dos contraentes de boa-fé e da prole. Daí ter surgido a concepção de casamento. 

Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, volume VIII, § 824, 2) observou que o casamento putativo nasceu de um problema de consciência, pois não se compreenderia que alguém se dispusesse a um casamento e, sem qualquer culpa sua, não o obtivesse, tendo acreditado em sua obtenção. 

Entretanto, no passado, o casamento putativo reclamava presssupostos mais rigorosos do que o faz o direito atual. Com efeito, enquanto modernamente se demanda apenas a boa-fé de um dos cônjuges, o direito canônico exigia, além desse requsiito, a celebração in facie ecclesiae e a publicação dos editais. 

O direito luso-brasileiro, de longa data, acolhe a concepção de casamento putativo. Coelho da Rocha dedicou-lhe um parágrafo e Corrêa Telles consolidou regra semelhante àquela em vigor: 

"Quando o matrimônio putativo foi contraído em boa-fé por ambos os cônjuges, opera todos os efeitos civis como se fora válido até o ato de ser julgado nulo"(Digisto Português, Livro II, art. 332). 

Autores vêem na dissolução do casamento putativo ocorrência que se poderia equiparar, quanto à seus efeitos, à dissolução por morte de um dos cônjuges; outros, como Lafayette Rodrigues Pereira, aos que decorreriam do divórcio. 

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A boa-fé é o único e essencial pressuposto para que o casamento seja julgado putativo quando celebrado legalmente. A boa-fe consiste na ignorância por parte de ambos os esposos ou de um só deles, da existência da causa impeditiva. São então pressupostos: a) a existência do casamento; b) a boa-fé de um dos cônjuges ou a boa-fe de ambos os cônjuges. É cônjuge de boa-fé o que desconhece a causa da nulidade, ou de anulação, que se vai decretar, embora tenha pensado, erradamente, ser nulo, ou anulável, por outra causa, o casamento. A putatividade se declara em sentença. Essa boa-fé não se presume e tem de ser provada. 

Para que reste caracterizada a putatividade do matrimônio, é indispensável a verificação da boa-fé. O artigo 1.561 do Código Civil, em seu caput, menciona a boa-fé de ambos os cônjuges. Todavia, o § 1º do referido artigo assegura a preservação dos efeitos do casamento nos casos em que há boa-fé de apenas um dos consortes, a exemplo da bigamia. A boa-fé, em opinião que se generalizou, é a do momento do casamento. 

Esse erro seria de fato ou de direito?

Clóvis Beviláqua entendia ser o erro de direito indesculpável, uma vez que a ninguém é dado ignorar a lei. 

Segundo a opinião de Aubry e Rau, deve-se distinguir, para efeito da prova, a hipótese de erro de fato, da hipótese de erro de direito. No primeiro caso, de erro de fato, deve-se presumir a boa-fé dos cônjuges, enquanto no caso de erro de direito compete aos cônjuges, que pretendem a declaração da putatividade, provar a sua boa-fé, como informou Silvio Rodrigues(Direito Civil, volume VI, 6ª edição, pág. 113). 

Ainda Silvio Rodrigues(obra citada, pág. 113), cita pensamento de Lafayette Rodrigues Pereira no sentido de que a validade do casamento putativo é como a do casamento verdadeiro, indivisível. 

São efeitos do casamento putativo, no caso de ambos os cônjuges estarem de boa-fê: 

a) são válidas as convenções antenupciais, que operam até a data da anulaçã; assim sendo, ao se proceder a partilha de bens, atender-se-á ao que aí se houver ajustado; 

b) se a dissolução é decretada depois da morte de um dos cônjuges, o outro herda integralmente o patrimônio do falecido, se não houver descendentes ou ascendentes; 

III - O DIVÓRCIO CONSENSUAL E SUA ANULAÇÃO 

No caso de divórcio consensual, é inapropriado falar em ação rescisória para desconstituição. É caso de ação anulatória, que já era versada no artigo 486 do CPC de 1973. A sentença proferida nesses casos teve natureza meramente declaratória, por ter se limitado a ratificar os termos do acordo firmado pelo casal, não sendo apta a produzir coisa julgada material, impossibilitando, desta forma, a  ação rescisória.

A ação que vinha no artigo 486 do CPC de 1973, no tocante ao "ato judicial" é ação correspondente a ação sobre invalidade. 

Na separação amigável, a cláusula de acordo sobre bem é atacável por erro, violência, dolo, simulação e fraude contra credores. Da mesma forma, tratando-se de partilha, ou de divisão, a decisão foi meramente homologatória. 

A sentença de homologação é ato jurídico processual transparente. Se é decretada a nulidade ou anulado o negócio jurídico de transação, por alguma das causas que o direito material prevê, cai a homologação, porque a eficácia anulatória, por dentro do ato jurídico global(homologação é negócio jurídico homologado), cinde, rescinde o ato jurídico envolvente, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 412). 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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