RELAÇÕES ECONÔMICAS ENTRE PAIS E FILHOS E O USUFRUTO LEGAL

21/03/2018 às 11:10
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O ARTIGO DISCUTE AS RELAÇÕES ECONÔMICAS ENTRE PAIS E FILHOS E A QUESTÃO DO USUFRUTO LEGAL.

RELAÇÕES ECONÔMICAS ENTRE PAIS E FILHOS E O USUFRUTO LEGAL

Rogério Tadeu Romano

I - O DEVER DE SUSTENTO DOS FILHOS 

Sabe-se que é dever da família, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com prioridade, todos os direitos fundamentais da criança e do adolescente à vida e à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à profissionalização, a teor do artigo 4º § 3 e 69 da Lei 8.069/90.

É dever dos pais sustentar os filhos, com recursos próprios, frutos de seus trabalho, rendimentos comuns do casal.

Os filhos, matrimoniais ou não, têm direito a alimentos.

Por outro lado, os bens do filho são administrados pelo pai e pela mãe, no exercício do poder familiar, como se lê do artigo 1.689, II, do Código Civil. São permitidos atos de mera administração idôneos à conservação dos bens do menor, podendo, para tanto, celebrar contratos de locação, pagar impostos, receber rendimentos, adquirir outros bens, alienar os móveis e defender judicialmente os patrimônio administrado, sem cogitar-se em remuneração. Não podem os pais alienar ou gravar de ônus real os imóveis ou contrair em nome do menor obrigações que ultrapassem os limites quer ato que acarrete diminuição patrimonial ou ônus, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante autorização judicial. Se imprescindível for a venda, esta, para efetivar-se, dependerá de prévia autorização judicial. Serão declarados nulos os atos dos pais que prejudiquem o patrimônio da prole.

Havendo colisão dos interesses dos pais com os dos filhos, o juiz, a requerimento do Ministério Público, nomeará curador especial para gerir os bens durante o conflito, ou para defender o interesse do menor, como se expressa o artigo 1.692 do Código Civil.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 1979, volume V, pág. 289), os pais deverão administrar tais bens como se fossem pessoas de negócios, leais e honestas, defendendo de quem injustamente os detenha. Com a emancipação ou maioridade do filho, deverão prestar contas de sua gerência, devolvendo ao filho os bens, com seus acréscimos, sem receber qualquer remuneração pela sua administração.

II - O USUFRUTO LEGAL EM FAVOR DOS PAIS E AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS 

Os pais têm o usufruto dos bens do filho, enquanto este estiver sob o poder familiar (CC, artigo 1.689, I), retendo os rendimentos sem prestação de contas, utilizando-os para fazer frente aos encargos de família, sendo-lhes lícito até consumi-los ou reinvesti-los em proveito do filho (RT, 527: 81), para atender, por exemplo, gastos com sua alimentação ou instrução.


Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;

II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;

III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;

IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

Conceitua-se usufruto (do latim usus fructus, uso dos frutos), é um direito real de gozo ou desfruto de uma coisa alheia, enquanto temporariamente destacado da propriedade. Pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades. O usufruto de imóveis deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

O usufruto e a administração dos pais perduram até a maioridade dos filhos que é 18 anos ou até a data da emancipação. Na qualidade de usufrutuários, os genitores tem o direito à posse, administração, gozo, uso e percepção dos frutos dos bens dos filhos, enquanto perdurar a menoridade.

Até aos 16 anos de idade, o exercício das titularidades previstas na lei, é exclusivo dos pais. A partir dos 16 anos, usufruto e a administração são compartilhados com o menor, em regime de assistência, até este atingir a maioridade, como dispõe o artigo 1.690 do Código Civil Brasileiro. Se o filho menor tiver sido emancipado aos 16 anos, cessa assim o poder parental e igualmente, a aludida assistência.

A representação ou assistência parental é exercida em conjunto por ambos os genitores. Nesse sentido a lei: os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos. A ideia perseguida pela lei é a de que a atuação conjunta assegura o melhor interesse do menor.

Discute-se se pode ser ajuizado pelo filho uma ação de prestação de contas contra os pais na medida em que se tenha indícios suficientes de que há abuso por parte deles nessa administração.

É certo que Silvio Rodrigues(Direito Civil, volume VI, 6ª edição, pág. 362), analisando o artigo 389 do Código Civil de 1916, dizia que "o usufruto dos bens dos filhos é inerente ao exercício do pátrio poder, aos pais, pertencem as rendas produzidas pelo patrimônio dos filhos. Assim, a sua administração dispensa a prestação de contas relativamente aos rendimentos produzidos, porque o administrador, por mandamento legal, faz seus, desde logo, esses rendimentos." 

 Prosseguiu Silvio Rodrigues, naquele comentário: 

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"Funda-se o art. 389 na ideia de que os rendimentos produzidos pelos bens dos filhos compensam-se com as despesas que o pai deve efetuar com sua criação e educação. Se é verdade que aos pais incumbem as despesas com a criação dos filhos quando estes não as possam atender, justo e também que tendo os filhos bens para criar-se e educar-se, usem as rendas dos mesmos bens para tal fim. 

Tal usufruto, em virtude de encontrar a sua origem no direito de família, desobriga o usufrutuário de dar a caução de que cuida o art. 729 do Código Civil, pois, para garantir a devolução dos bens dos filhos ao fim da menoridade, o legislador recorre à hipoteca legal"(Código Civil de 1916, artigo 827, n. II). 

Excluem-se desse usufruto: 

a) o viúvo ou a viúva que se casa sem fazer inventário do casal e sem dar partilha dos bens aos herdeiros, perderá o direito ao usufruto dos bens dos filhos do casamento anterior; 

b) os bens deixados ou doados ao filho com a expressa menção de que os pais não terão o usufruto; 

c) os bens deixados ao filho para fim certo e determinado, como na deixa testamentária em que os bens são destinados à educação do menor. Neste caso, o desvio da renda torna impossível alcançar o fim almejado pelo testador. 

Dir-se-ia, pois, que uma eventual ação de prestação de contas por parte do filho encontraria o óbice da falta de interesse de agir e não poderia prosperar.  

O poder dos pais em relação ao usufruto a à administração dos bens dos filhos menores não é absoluto. Em caráter excepcional, é possível o ajuizamento de ação de prestação de contas pelo filho, quando o pedido for fundamentado na suspeita de abuso de direito por parte dos pais.

O entendimento foi manifestado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso que teve origem no pedido de um filho para que sua mãe adotiva prestasse contas do período em que administrou a pensão por morte recebida desde o falecimento de seu pai até o atingimento da maioridade.

È o que se lê do site do STJ, em 21 de março de 2018.

Segundo o filho, mesmo o benefício tendo sido depositado em conta corrente durante cinco anos, a mãe o deixou abandonado e ele não recebeu nenhum valor para custear alimentação, vestuário e outras necessidades, fato que configuraria abuso de direito.

De acordo com o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso no STJ, o pai e a mãe, “enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade”, nos termos do artigo 1.689, incisos I e II, do Código Civil.

“Por esse motivo, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar, porquanto há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros”, afirmou o ministro Bellizze.

Entretanto, o ministro esclareceu que o fato de os pais serem usufrutuários e administradores dos bens dos filhos menores “não lhes confere liberdade total para utilizar, como quiserem, o patrimônio de seus filhos, o qual, a rigor, não lhes pertence”.

A sentença que julga procedente o pedido de prestação de contas tem natureza condenatória, mas com força mandamental, sendo o réu condenado a prestá-la em 48 horas no prazo da lei processual anterior. Se o réu apresentasse as contas, o autor seria ouvido em cinco dias, no que determinava o artigo 915, parágrafos primeiro e terceiro, do CPC 1973.

Não apresentadas as contas pelo réu em 48 horas, poderá o autor fazê-lo nos dias seguintes ao encerramento do prazo que era contado em horas.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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