DIREITOS HUMANOS
Em um primeiro momento precisamos compreender o que são os direitos humanos.
O conceito que traz André de Carvalho Ramos, dispõe que os direitos humanos são um conjunto de direitos considerados indispensáveis, essenciais para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade (RAMOS, 2014, p.23).
A eminente Flávia Piovesan entende os direitos humanos como uma ética a ser seguida em detrimento do outro:
A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento (PIOVESAN, 2015, p. 129).
São previstos em tratados internacionais que assegura a proteção dos seres humanos, contra violações estatais, tanto como indivíduo, tanto em sua coletividade, inclusive aos direitos das minorias que em todo seu histórico foram alvos de desigualdades.
Foi em 10 de dezembro de 1948 que os direitos humanos teve seu marco, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela resolução da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas.
Para Antonio Rulli Neto:
A evolução dos direitos humanos deve atingir as pessoas, gerando a cada um e à coletividade o bem-estar geral, constituído por um núcleo de direitos fundamentais, ensinando a cada individuo, não apenas pela imposição legal, mas enraizando o respeito ao próximo como respeito a si mesmo, até mesmo como fundamento para a existência de uma sociedade justa. (NETO, 2002, p.56, apud ROSTELATO, 2009, p. 61)
Apesar de diversos documentos em âmbito internacional foi com a Declaração Universal do ano de 1948 que houve o entendimento dos direitos humanos.
A priori para se compreender a proteção dos direitos humanos, é fundamental saber que eles são construídos ao longo do tempo. Em toda a historicidade é perceptível a violação a estes direitos, como exemplo o nazismo, a escravidão, a exclusão das pessoas com deficiências, entre várias outras práticas de repressão.
A pós-guerra resultou na perda dos direitos humanos que negava o valor da pessoa humana. A partir de então começa-se a luta para sua reconstrução.
Conforme Thomas Buergenthal:
O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse (BUERGENTHAL, apud PIOVESAN, Flávia, 2007, p.117).
Os direitos humanos têm como característica a universalidade, pois são previstos na ordem internacional (tratados), como direitos que têm a validade em todos os lugares do mundo, valem em quaisquer sociedade do planeta, aonde quer que a pessoa esteja ou more.
Logo no preâmbulo e no Artigo 1º da Declaração de 1948 é explícito:
O desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade, e o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem.
Art. 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Na Constituição Federal de 1988 prevalecem os direitos humanos de acordo com o Artigo 4º, inciso II, do diploma legal, nas relações internacionais.
Segundo Neves:
[...] A exclusão jurídica de amplos grupos humanos apresenta-se exatamente como a dimensão negadora dos direitos humanos, que, paradoxalmente, fortifica a sua semântica e também as expectativas normativas correspondentes. E diferentemente da cidadania em sentido amplo, que aponta para a inclusão jurídica generalizada no âmbito de uma ordem estatal particular (NEVES, 2000, 134 e ss).
São direitos que vão materializar o direito a dignidade da pessoa humana no plano mundial.
Para tanto é necessário diferenciar o conceito de direitos humanos e direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais são também direitos humanos, contudo tais direitos foram normatizados pela Constituição do Estado Brasileiro, em âmbito interno, sendo essenciais para a sociedade.
Já os direitos humanos pertencem ao âmbito internacional.
Dessa maneira explícita José Joaquim Gomes Canotilho:
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaco-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (CANOTILHO, 1998, p.259).
Nesse mesmo contexto Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoca caráter supranacional (SARLET, 2005, p. 35-36).
A Declaração de 1948 instituiu a chamada concepção contemporânea, constituída pelas características de universalidade, indivisibilidade, interdependência, e inter-relacionados capaz de reunir os direitos civis, sociais, econômicos, culturais e difusos.
Nesse contexto explica Flavia Piovesan:
Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais (PIOVESAN, 2002, p. 187).
Tanto a Declaração como a Constituição Federal de 1988 versam sobre a proteção do ser humano, ambos os diplomas tem como princípio basilar a dignidade da pessoa humana, tanto no âmbito internacional como interno.
Contudo, a Declaração é uma resolução e não um tratado internacional, o que fica a ausência de normatividade que tece os tratados internacionais.
Com isso, foi formado dois tratados de pactos internacionais de direitos humanos em 1966, sendo o Pacto Internacional dos direitos civis e políticos e Pacto Internacional dos Direitos econômicos, sociais e culturais.
Os dois pactos e a Declaração Universal criaram a Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill Of Rights).
A partir de então, vários tratados internacionais começaram a surgir pautando sobre a prevenção da discriminação ou a tutela de interesses de grupos vulneráveis.
Á título de exemplo às pessoas com deficiência temos a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, com status de emenda constitucional.
PROTEÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA COMO QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS
Durante o processo histórico é visível uma sedimentação de negação de direitos basilares às pessoas com deficiência, uma condenação à ideia de que seriam pessoas inválidas que não poderiam contribuir em nada com a sociedade, fazendo com que, na prática, sofressem muitas desigualdades de oportunidades e falta de condições elementares para a existência de uma vida digna.
É dizer que a pessoa com deficiência deve usufruir dos direitos humanos reconhecidos a todos os outros indivíduos, pelo simples fato de ser pessoa, tão somente por fazer parte da coletividade humana. Não se trata de direitos humanos diferenciados por pertencer a certo grupo social ou minoria, mas da realização dos direitos tradicionais assegurados ao restante da população e já positivados, cuja materialização, depende de um processo histórico de luta e conquistas sociais (MADRUGA, 2013, p. 90).
Importante consignar que a realização dos direitos humanos das pessoas com deficiência deve ser materializada de forma ampla e universal,
[...] nesse contexto de proteção da pessoa com deficiência como questão de direitos humanos, é expressão maior a Convenção da ONU aprovada no ano de 2006, em Nova York. A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é a norma internacional mais importante a respeito dessa temática, e está em conformidade com a política de Organização das Nações Unidas de conferir tutela especial a grupos populacionais em situações de vulnerabilidade, decorrente de processos históricos de exclusão e discriminação.
De caráter vinculante, o tratado internacional reafirma princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no tocante às pessoas com deficiência. Por isso mesmo, a rigor não criou novos direitos, na medida em que focou em como os direitos já assegurados deveriam ser adaptados para o contexto da deficiência (FERRAZ; LEITE, 2015, p. 107).
O Brasil além de signatário de referida Convenção, incorporou esse tratado de direito internacional em 2008 com status de emenda à Constituição[1], e, em razão disso toda a legislação ordinária em vigor no país deve ser interpretada em obediência a esse regulamento internacional sob pena de inconstitucionalidade.
Foi a partir de então que, recaiu em ambito internacional os direitos humanos às pessoas com deficiência, que fazem parte da sociedade humana e merecem dignidade e igualdade.
REFERÊNCIAS
BUERGENTHAL, apud PIOVESAN, Flávia. A hierarquia dos tratados internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro sob a ótica do neoconstitucionalismo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 69, out 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6828>. Acesso em: março 2018.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5414. Acesso em: março 2018.
FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. Direito à diversidade. São Paulo: Atlas, 2015
NETO, Antonio Rulli apud ROSTELATO, Telma Aparecida. Portadores de deficiência e prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2009
MADRUGA, Sidney. Pessoa com deficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas. São Paulo: Saraiva, 2013
NEVES, Marcelo. A força simbólica dos direitos humanos. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/rede-4-outubro-2005-Marcelo%20Neves.pdf. Acesso em: Abril/2015
PIOVESAN, Flávia. Desafios e perspectiva dos direitos humanos: a inter-relação dos valores liberdade e igualdade. In: ANTONI, Danielle (org.). Os novos conceitos do novo direito internacional – cidadania, democracia e igualdade. São Paulo: América Juridica, 2002
PIOVESAN, Flávia. Pessoa com deficiência e os direitos humanos. In: FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão (coord.). Direito à diversidade. São Paulo: Atlas: 2015
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5414. Acesso em: março 2018.
NOTAS
[1] Por intermédio do Decreto Legislativo 186 de 9 de Julho, com fundamento no artigo 5º, § 3º da Constituição Federal.