Desmistificando as buscas domiciliares realizadas por militares em favelas do Rio de Janeiro em Ações da Garantia da Lei e da Ordem ou em Atividades de Polícia Judiciária Militar.

26/03/2018 às 17:32
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A busca domiciliar é um tema que sempre gera polêmica, uma vez que a casa é asilo inviolável do indivíduo. Por vezes, faz-se necessário, sempre com respaldo legal, violar um ou mais domicílios para apreender objetos ilícitos.

1 – Introdução

Antes de abordar a matéria referente à busca domiciliar, é importante relembrar que as favelas localizadas no Rio de Janeiro foram, durante décadas, relegadas ao abandono pelo Poder Público, principalmente no tocante à ausência de programas sociais básicos para satisfação mínima da dignidade humana, notadamente àquelas hierarquizadas por Maslow.

Segundo Ferreira, o crescimento mais acentuado de moradores, nas favelas no Rio de Janeiro, ocorreu, a partir da década de 80, devido aos altos índices de desemprego, ao crescimento da informalidade e à falta de política habitacional para a população de baixa renda.

Em decorrência do descaso governamental, relativamente às classes mais desfavorecidas, as favelas cariocas expandiram-se, de forma vertiginosa e desordenada, tornando-se alvo de facções criminosas que ali se instalaram e dominaram o tráfico de drogas, sedimentando um dos mais lucrativos negócios, vale dizer, o comércio ilegal de drogas.

Ressalte-se que o ingresso de drogas ilegais no Brasil ocorre pelos aeroportos, pelos portos, pelas rodovias e, principalmente, pelas nossas fronteiras com a Colômbia, Peru, Bolívia (cocaína) e com o Paraguai (maconha). Assinale-se que o Brasil possui uma fronteira seca de quase dezessete mil quilômetros, sendo que apenas 4% são monitoradas.

Desse modo, as principais facções criminosas do Brasil ligadas ao tráfico de drogas, algumas originárias do sistema penitenciário brasileiro, mantêm a hegemonia do comércio ilegal de drogas nas favelas, travando acirradas batalhas entre si e com os órgãos de segurança pública, utilizando forte aparato de armas de alto calibre, inclusive de guerra.

Os conflitos deflagrados pelas facções criminosas rivais de drogas com atuação na cidade do Rio de Janeiro alcançaram um nível insustentável, sem a devida resposta dos órgãos de segurança pública daquela capital. Adite-se que nem mesmo a utilização sistemática das Forças Armadas em ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), muitas das vezes empregada com um viés político, foi suficiente para solucionar a grave crise instalada no sistema de segurança. Assim sendo, a União, utilizando talvez sua última cartada, decretou intervenção federal na segurança pública da cidade outrora denominada maravilhosa.

Não se pode olvidar que o tráfico de drogas fomenta o tráfico de armas, fato facilmente perceptível pelas imagens que circulam nas mídias, revelando traficantes que ostentam considerável arsenal de armas de guerra e munições, muitas das vezes, superando o acervo bélico dos órgãos de segurança.

Um dado importante a ser salientado, como premissa para desenvolvimento de nosso estudo, diz respeito à geografia, à topografia e às construções das moradias das favelas cariocas.

Vale, nesse sentido, registrar a definição de favela feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE: “Aglomerado subnormal como sendo um conjunto de domicílios com no mínimo 51 unidades que ocupa, de maneira desordenada e densa, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e que não possui acesso a serviços públicos essenciais”.

Com efeito, a forma como foram e ainda são construídas casas e barracos em favelas, em becos e vielas, algumas com acesso intransponível, sem fiscalização e gabarito urbano, tornou inviável que seus moradores usufruam de um dos mais básicos serviços públicos, qual seja, o recebimento de correspondências e encomendas pelos correios.

Destaque-se assim que, para suprir tal deficiência, os moradores das comunidades, valendo-se de criatividade, estabeleceram serviços de correspondências comunitários alternativos. No complexo da Rocinha, por exemplo, existe um serviço da empresa “Carteiro Amigo”. Ocorre que, segundo relatos de moradores, tal serviço é deficitário, e as correspondências raramente chegam aos seus destinatários, sendo, em regra, entregues nas associações de moradores.

Registre-se, por oportuno, que não há mapeamento na maior parte das comunidades cariocas, o que dificulta e inviabiliza a localização precisa do domicílio para entrega de cartas, documentos e encomendas.

Nesse sentido, indaga-se: como cumprir um mandado de busca domiciliar, com a indicação precisa da casa em que será realizada a diligência, nos termos da lei, em comunidades localizadas no Rio de Janeiro?


2 – Busca Domiciliar / Requisitos para Mandado Judicial / Presença e Ausência do morador

A Constituição Federal, no seu art. 5º, contempla o domicílio como um dos seus direitos fundamentais. Ocorre que o mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, XI), em situações excepcionais, permite a violação do domicílio em quatro hipóteses: flagrante delito, desastre, prestar socorro e, durante o dia, por determinação judicial.

Interessa-nos, neste tópico, discorrer, de forma sucinta, sobre o mandado judicial de busca domiciliar.

A legislação processual penal (CPP de 1941) e a legislação processual penal militar (CPPM de 1969) possuem redações semelhantes no que concerne aos requisitos que legitimam a busca domiciliar. Desse modo, pouco importa se o executor da busca é militar federal, estadual ou policial civil. A busca só será legal quando observados os preceitos legais.

Infelizmente ainda predomina, nos dias de hoje, no imaginário popular, a falsa crença de que as buscas domiciliares realizadas por militares federais ocorrem mediante arrombamento de porta da população mais carente das comunidades. Há um nítido preconceito que remonta aos anos da ditadura militar. Não se pode olvidar que, durante o considerável tempo em que as Forças Armadas estiveram no Complexo do Alemão e da Maré, com a presença maciça de militares no local, foi possível a realização de várias ações e serviços sociais, à época proibida pelo tráfico de drogas.

É fato, contudo, que alguns setores da sociedade, costumeiramente, levantam a bandeira de que as ações das FFAA na segurança pública implicarão necessariamente violações dos direitos humanos. Ressalte-se que não há nenhum observatório nacional, estadual ou ONG fiscalizando ou se manifestando sobre as atrocidades impostas pelos chamados “donos do morro”, pelas facções criminosas e pelas milícias contra a sociedade, notadamente os próprios moradores das comunidades.

O ingresso em domicílio para busca e apreensão tem como supedâneo legal a existência de fundadas razões para prender criminosos, apreender coisas obtidas por meio criminoso ou guardadas ilicitamente, apreender armas e munições e instrumentos utilizados na prática de crime e nas demais hipóteses descritas no art. 240 do CPP ou 172 do CPPM. As buscas domiciliares demandam ordem judicial e devem ser executadas durante o dia, ressalvadas as hipóteses de desastre, para acudir vítimas ou com o consentimento expresso do morador.

O mandado de busca domiciliar, consoante dicção legal, deve indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência. Essa exigência legal, se levada ao pé da letra, simplesmente inviabiliza, pelos motivos expostos, qualquer busca domiciliar em comunidade carioca.

Os agentes executores da busca domiciliar, militares ou civis, deverão, antes de ingressarem em uma casa, ler e mostrar ao morador o mandado judicial, intimando-o ou ao seu representante a franquear a entrada. Somente em caso de desobediência ou ausência do morador é que poderá haver uso de força com arrombamento da porta. Finalizada a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado de todo ocorrido, o qual deverá ser assinado por duas testemunhas presenciais.

Não se pode esquecer que os militares federais, seja em ações de GLO ou atuando como Polícia Judiciária Militar, sofrem controle externo de suas atividades pelo Ministério Público Militar, órgão integrante do Ministério Público da União, constituído por membros civis, conforme artigo 117, I, da LC 75/93.


3-Colisões de Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais elencados pela Constituição Federal (art. 5.º) têm como característica a relatividade, vale dizer, não há direito fundamental de caráter absoluto. Dessa forma, não é incomum que o intérprete, na apreciação de um juízo de realidade, depare-se com direitos fundamentais em colisão.

Vale lembrar que as técnicas tradicionais de interpretação não se revelam apropriadas para solução de direitos em conflitos e, dessa maneira, os operadores de direito têm-se valido da Teoria da Proporcionalidade para estabelecer, diante de um caso concreto, o direito que deve preponderar sobre o outro. Nesse passo, são analisados se o meio utilizado na tutela de determinado direito fundamental, em detrimento de outro direito, da mesma categoria, foi adequado para aquele fim (adequação); se o meio era insubstituível por outro menos gravoso (necessidade); e, por fim, se, naquela circunstância em concreto, o direito protegido preponderou sobre o direito violado (proporcionalidade em sentido estrito).

O art. 5º, XII, da Constituição Federal, positiva a inviolabilidade da correspondência como direito fundamental. Pontue-se, todavia, que o STF, no HC 70.814/1994, diante de um conflito entre o direito à inviolabilidade de correspondência e a segurança pública, assim decidiu:

A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, paragrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”. (grifo no original)

Em outro julgado, o STF validou, no Inquérito 2424/2007, um mandado judicial de busca e apreensão domiciliar, realizado em período noturno, sob o fundamento de que a busca seria ineficaz se fosse realizada durante o dia. Assim sendo, a maioria dos casos que envolvem conflitos de direitos fundamentais tem sido solucionada pelos tribunais com base na ponderação de valores.

Ocorre que a solução de conflitos envolvendo direitos fundamentais, por vezes, dependendo do cenário, afigura-se inquietante. Nesse sentido, por exemplo, como equacionar a inviolabilidade de domicílios situados em favelas cariocas em prol da segurança pública? Saliente-se, de início, que a casa, independentemente de sua localização (um prédio em Ipanema ou em comunidade no subúrbio), merece a mesma tutela. O nó górdio exsurge, entretanto, quando algumas residências, geralmente aquelas que não possuem, em regra, endereços precisos, são utilizadas, por determinação dos traficantes, para depósito de drogas ou para ocultação de armas, com ou sem, o consentimento do morador. Os referidos materiais ilícitos, em regra, são escondidos em moradias diversas da comunidade, com o objetivo de dificultar possíveis apreensões, durante ações policiais. Nessa perspectiva, impende indagar: esses tormentosos casos, porventura, não reclamam tratamentos diversos, com utilização de meio excepcional de prova, devido à singularidade e à especificidade da situação? Se a resposta for negativa, com respaldo na interpretação literal da lei, a maioria das buscas em favelas, onde drogas e armas são ocultadas, resultará ineficaz, violando, nesse passo, o princípio constitucional da eficiência.

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Enfatize-se que as armas utilizadas pelas facções criminosas, como ressaltado alhures, são modernas e possuem alto poder ofensivo, podendo, em situações de confronto, levar a óbito, em razão de seus avançados mecanismos de disparos, considerável número de cidadãos.

Fica assim a seguinte questão para reflexão. Qual o direito fundamental deve prevalecer? A inviolabilidade da moradia de alguns cidadãos, que se prestam (deliberada ou coercitivamente) a esconder armas para os traficantes de drogas em favelas cariocas; ou a segurança pública que, em tese, tutela a vida de toda sociedade, quando retira de circulação, via busca e apreensão, inúmeros armamentos de alta potencialidade lesiva?


4 – Mandado de busca domiciliar coletivo

O termo coletivo, utilizado para qualificar a busca domiciliar, é rechaçado por grande maioria da doutrina e da jurisprudência pátria, principalmente por ausência de amparo legal. Pelo seu sentido amplo, acredita-se que a busca domiciliar comunitária possibilitaria o ingresso em casas de um bairro inteiro ou até mesmo de uma cidade. Há, na realidade, certo preconceito com a referida terminologia. O fato é que, como já aventado, o legislador do CPP, em 1941, e o legislador do CPPM, 1969, não vislumbraram, à época, as vertiginosas e irregulares construções das favelas do Rio de Janeiro, verdadeiros aglomerados de casas, sem numerações, que impossibilitam, pela via normal, localização precisa, como exige a lei para expedição de mandado judicial.

Busca-se assim uma alternativa para legitimar a busca domiciliar múltipla, desde que seja realizada em área determinada (rua ou perímetro). Ora, um mandado de busca que envolva um prédio inteiro não deixa de ser coletivo. Não é uma questão de semântica que vai tornar legítimo, ou não, um mandado de busca domiciliar em mais de uma residência. O principal requisito legal, portanto, a ser considerado, em nosso pensar, consiste na existência de fundadas suspeitas de que o domicílio A, B, ou C, por exemplo, está ocultando pistolas e fuzis utilizados pelas facções criminosas. Importa sublinhar que esses dados devem ser levantados, de forma sólida, pelas atividades investigativas e de inteligência. É evidente que qualquer abuso por parte do agente público deve ser punido.


5 – Ingresso em domicílio decorrente de crime permanente. Desnecessidade de ordem judicial

Dentre as estratégias utilizadas pelos órgãos de segurança, pelas ações de militares em GLO ou no contexto atual de intervenção federal na segurança pública, destacam-se as necessárias incursões nas favelas do Rio de Janeiro para a apreensão de armas e drogas encobertas em residências.

Para o desiderato acima descrito, em geral, representa-se ao Judiciário competente no sentido de obtenção de mandado de busca domiciliar, com base no artigo 240, § 1.º do CPP, ou no artigo 172, alíneas “b” e “d”, do CPPM, conforme o caso.

Sucede que ocultar armas, munições ou objetos ilícitos em residência representa conduta, por parte do infrator, que se caracteriza como crime permanente. O crime permanente é aquele em que a conduta e o momento consumativo do crime se prolongam no tempo, de acordo com a vontade do agente. Os mais usuais crimes permanentes são o tráfico de drogas (guardar, ter em depósito ou portar), o sequestro, a ocultação no crime de receptação e o tráfico de armas (condutas descritas no Estatuto do Desarmamento). Estabelecida esta premissa, vale assinalar que, diante de um crime permanente, o agente estará sempre em flagrante delito.

Vejamos o que dispõe o artigo 244, § único, do CPPM: “Nas infrações permanentes, considera-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. O artigo art. 303, do CPP, apresenta redação similar.

Destarte, conforme autorizado pela Constituição Federal (artigo 5.º, XI), o flagrante delito é uma das situações em que é permitido o ingresso em um domicílio, sem ordem judicial, em qualquer período do dia.

É lícito, portanto, o ingresso, por agente público, em quaisquer domicílios, em comunidade ou não, que estejam sendo utilizados como depósitos de drogas ou armas, sem a necessidade de ordem judicial.

Em abono à nossa tese, destacamos os seguintes julgados:

STF 603616 / RO – RONDÔNIA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. GILMAR MENDES

Julgamento: 5/11/2015

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

ACÓRDÃO ELETRÔNICO

REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso.

STJ HC 244016 ES /2012

Relator(a) Ministro JORGE MUSSI (1138)

Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA

Data do Julgamento 16/10/2012

Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2012

DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME PERMANENTE. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. PRISÃO POR QUALQUER DO POVO.

Não é ilegal a prisão realizada por agentes públicos que não tenham competência para a realização do ato quando o preso foi encontrado em estado de flagrância. Os tipos penais previstos nos arts. 12 e 16 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) são crimes permanentes e, de acordo com o art. 303 do CPP, o estado de flagrância nesse tipo de crime persiste enquanto não cessada a permanência. Segundo o art. 301 do CPP, qualquer do povo pode prender quem quer que seja encontrado em situação de flagrante, razão pela qual a alegação de ilegalidade da prisão – pois realizada por agentes que não tinham competência para tanto – não se sustenta. HC 244.016-ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2012.

TJ-RS ACR 70040076788 RS/2014

(Apelação Crime Nº 70040076788, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 24/07/2014)

BUSCA E APREENSAO DE ARMA EM RESIDÊNCIA SEM MANDADO JUDICIAL. – A alegação no sentido de que a arma foi apreendida no interior da residência não é isenta de polemica relevante. Mesmo que assim, novamente ad argumentadum tantum, venha a ser entendido, consignamos, então, para fim de enfrentar a prefacial – antes de ingressar no exame mais aprofundado da prova e sua valoração – que o fato de os policiais terem ingressado na residência do acusado (versão defensiva), sem prévia autorização judicial, para efetuar a apreensão da arma, não tem o condão de tornar ilícita a prova. É que se torna desnecessário se fazia a expedição de mandado de busca. Precedentes da Corte e dos Tribunais Superiores.


6 – Conclusão

Pelo exposto, legitima-se, de forma excepcional, diante de dados concretos, com escólio no princípio da proporcionalidade, a concessão do mandado de busca coletivo, desde que delimitada a sua abrangência, principalmente quando direcionado para apreensão de armas. Com efeito, como sabido, com a chegada da polícia em uma comunidade carioca, as armas são deslocadas de uma casa para outra, tornando-se, dessa forma, quase sempre ineficaz a busca domiciliar concedida para determinado endereço.

Ademais, a segurança humana, no seu aspecto mais relevante (o direito a vida dos cidadãos), parece-nos que deve preponderar sobre a inviolabilidade do domicílio ou de qualquer outro direito fundamental. Não podemos esquecer que, quanto menor a quantidade de armas nas mãos de facções criminosas, menor serão os conflitos armados, e, consequentemente, os disparos de armas que, invariavelmente, atingirão pessoas inocentes.

De outro modo, havendo dados fidedignos de que certa(s) residência(s), localizada(s) em comunidades, ou não, vem(êm) sendo utilizada(s) para depósito de armas, munições ou drogas, os militares e os agentes de segurança estão respaldados pela lei para ingressarem na(s) casa(s), sem ordem judicial, para deterem) o(s) infrator(es) e apreenderem todo(s) material(ais) ilícito(s) armazenado(s).


Referências:

BRASIL. Código Penal Militar. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm>. Acesso em:

BRASIL. Código de Processo Penal Militar. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm>. Acesso em:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:

FERREIRA, Alvaro. Favelas no Rio de Janeiro: nascimento, expansão, remoção e, agora, exclusão através de muros. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, ISSN 1138-9796, Vol. XIV, nº 828, 25 de junio de 2009 <http://www.ub.es/geocrit/b3w-828.htm>. Acesso em:

FROIO, Nicole. Correios nas Favelas do Rio: Soluções Comunitárias Surgem da Negligência do Estado. RIOONWATCH, Relatos das favelas cariocas, <http://rioonwatch.org.br/?p=12987>, publicado em 15/01/2015. Acesso em:

ibge.sensodemocragrifo2010, primeiros resultados: aglomerados subnormais, RJ. 2011.

Sobre o autor
Luciano Moreira Gorrilhas

Procurador de Justiça Militar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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