O Habeas Corpus e o princípio Lula

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O habeas corpus é um remédio constitucional, previsto na Constituição Federal de 1988, de larga aplicação em nossos tribunais. Como todo remédio, ele só pode ser utilizado em situações excepcionais, tais como alguém sofrer ou se sentir ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. Está capitulado no artigo 5º, inciso LXVIII da nossa Carta Magna. Sinteticamente, é um remédio que a Constituição prevê para prevenir ou anular a prisão arbitrária. Devido a sua importância, é um direito fundamental!

Os estudiosos do assunto afirmam que o instituto do habeas corpus (HC) surgiu na Carta Magna do Rei João sem Terra, porém tal fato é contestado pelo Desembargador Dante Busana, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sua obra “O Habeas Corpus no Brasil”. Segundo o ilustre Desembargador, “o habeas corpus, criação do direito comum, de há muito utilizado para sua tutela, acabou disciplinado pela lei do "Habeas Corpus Amendment Act", de 1679”. O que importa é que o habeas corpus está diretamente ligada à histórica luta pela efetivação dos direitos humanos.

No presente artigo falaremos sobre o HC baseado no princípio Lula.

Após o término da instrução processual no âmbito da Lava Jato, o ex-Presidente Lula foi condenado a 12 anos e um mês de reclusão, sendo que tal sentença acaba de ser confirmada no julgamento dos Embargos de Declaração. Por ocasião do julgamento da Apelação, os Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) resolveram aplicar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de prisão após o trânsito em julgado na segunda instância e determinaram a prisão do senhor Luis Inácio Lula da Silva após o esgotamento dos recursos no segundo grau.

O ex-Presidente Lula recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e teve a liminar negada. Não satisfeito, interpôs HC no STF. Nesse ínterim, o mérito do HC foi analisado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo que a mesma rechaçou todos os argumentos da defesa de Lula.

A defesa de Lula bateu às portas do STF, mesmo após ter dito à ex-Presidente Dilma que “nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”. Tal publicação saiu no site do Estadão, no dia 16 Março 2016 (http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/nos-temos-uma-suprema-corte-totalmente-acovardada-diz-lula-a-dilma-ouca/). (grifo nosso)

No andar da carruagem, mostrando que o cargueiro se ajeita no caminho, conforme típico ditado gaúcho, o STJ mostrou o seu valor. No julgamento do mérito do HC, os cinco Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram unânimes em demonstrar a legalidade do processo criminal, negando o habeas corpus preventivo por unanimidade e decidindo que Lula pode ser preso após segunda instância. Portanto, o STJ não se acovardou!

Interessante observar que não cabe HC no presente caso. Não há quaisquer irregularidades ou nulidades. O fato dos Desembargadores do TRF4 terem determinado a prisão de Lula após o esgotamento dos recursos no segundo grau, não transforma a prisão em ilegal, pois decorre de condenação confirmada em grau de recurso de apelação.

No julgamento do HC perante o STJ o relator Ministro Douglas Fischer também citou decisão do TRF4, que confirmou a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro, sobretudo pela gravidade dos crimes de colarinho branco. Segundo concluiu Félix Fischer, "frente a tais considerações não se vislumbra qualquer ilegalidade de que o paciente [Lula] venha a iniciar o cumprimento provisório da pena. Denego a ordem de habeas corpus". (https://g1.globo.com/politica/noticia/stj-julgamento-habeas-corpus-preventivo-lula.ghtml)

Um dos argumentos utilizados pelo STJ é que poderia haver supressão de instância se fosse concedido o HC naquele momento, eis que ainda não tinha havido o trânsito em julgado no âmbito do TRF4. O ministro Jorge Mussi também citou precedentes do STF e do próprio STJ que permitem a execução da pena após condenação em segunda instância. Segundo referido ministro, “o entendimento da Suprema Corte tem sido observado tanto pela primeira quanto pela segunda turma do tribunal. Não havendo que se falar, portanto, em necessidade de motivação da prisão após o esgotamento das instâncias ordinárias”.

Este é o cerne da questão. No ano de 2016, através de uma decisão colegiada, o STF decidiu sobre a possibilidade de prisão após o trânsito em julgado em segunda instância. É forçoso convir que os ministros vencidos querem mudar tal entendimento. Como já foi dito por certos juristas, infelizmente não temos no STF apenas um tribunal, mas onze ilhas totalmente desconectadas uma das outras. Ora, o que marca qualquer tribunal é a colegialidade. Se no meio de seus pares um ministro for vencido, o mesmo deve ter a humildade de aceitar o que a maioria decidiu. Entretanto, conforme já dito, isto não ocorre no Supremo Tribunal Federal. Os ministros que ficaram vencidos continuam aplicando suas teses, sem levar em conta os votos dos ministros vencedores.

Um fato deve ser trazido à tona: o próprio STF recentemente já decidiu que “contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal  remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional”. (HC 128256, Relator: Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 09/08/2016).

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Portanto, quando o habeas corpus é manejado ao arrepio de disposição constitucional que prevê recurso específico, in casu, Recurso Ordinário, o STF não conhece do remédio constitucional, mas concede a ordem de ofício, se houver ilegalidade. Isto se houver ilegalidade, o que definitivamente não ocorreu em relação ao ex-Presidente Lula.

Para ilustrar o momento em que vivemos, insta mencionar que alguns ministros do STF entende que o HC pode ser usado como supedâneo de Recurso Ordinário. Ora, o Código de Processo Penal foi revogado ou o STF pode decidir acima da lei? Se o próprio STF, que tem como missão criar precedentes para evitar divergências, como ele (STF) divergir tanto?

Dependendo do que o STF decidir, estaremos diante de um fato inusitado: o princípio Lula! É forçoso convir que tal princípio pode levar a um estado hobbesiano. Segundo Ligia Pavan Baptista, em seu artigo “Guerra e paz na teoria política de Thomas Hobbes”, Thomas Hobbes “considera o Estado de Natureza o próprio Estado de Guerra de todos contra todos”. Ora, se o TRF4 determina que todo condenado deve começar a cumprir a reprimenda na prisão, porque só o Lula não pode? Se pode para o Lula, porque então não estender tal benefício a todos os outros condenados que inclusive já estão cumprindo pena?

O ex-Presidente Lula e a Senadora Gleisi Helena Hoffmann, Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), em todos os locais que vão, alegam que Lula é perseguido pelo Poder Judiciário. Ora, após o prejulgamento realizado pelo STF tal alegação não mais prospera. Se ele é tão perseguido pelo Judiciário, como então explicar que seu pedido de habeas corpus seja julgado tão rápido pelo STF? Será que todo HC impetrado no STF tem a mesma rapidez na tramitação?

O fato de alguns ministros do STF quererem rever a prisão em segunda instância só traz um desserviço ao país. Em nenhum lugar do mundo uma Corte Constitucional, de forma casuística, fica revendo situações que possam causar grandes impactações na sociedade. Conforme mencionado pelo STJ na decisão que negou o HC de Lula, a aplicação da prisão em segunda instância está sendo realizada em todo o país. É um fato consumado! É um precedente do Supremo Tribunal Federal. Ora, qualquer precedente tomado por um tribunal de cúpula sedimenta a jurisprudência e faz com que todos os integrantes do Poder Judiciário tenha a mesma visão sobre os fatos analisados. Um precedente não pode ser alterado ao bel prazer. Precisa de tempo!

Ainda sobre o Lula, a Revista Isto É publicou que “algumas das declarações recentes do ex-presidente Lula parecem desconectadas dos fatos. Em sua última viagem ao Rio de Janeiro, ele atribuiu a culpa pela calamidade do Estado à Lava Jato. No mesmo discurso, o ex-presidente teve a petulância de defender a roubalheira, ao dizer que “o Rio não merece que governadores eleitos democraticamente estejam presos porque roubaram dinheiro público”. Como se não bastasse, Lula ainda disse que inventaram o que chamou de “doença da corrupção” somente para atrapalhar sua candidatura ao planalto em 2018”. (https://istoe.com.br/as-lorotas-do-menestrel/) (grifo nosso).

Voltando ao tema sobre a perseguição a Lula, supostamente praticada pelo Poder Judiciário, deve ser observado que em 22 de setembro de 2014, o site do jornal “O Globo” publicou a seguinte notícia: “pelo regimento, é para levar no máximo dois meses. Mas os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) demoram, em média, meio ano para publicar os seus acórdãos no Diário da Justiça após o julgamento do processo. No caso dos habeas corpus, que garantem a liberdade de uma pessoa, essa demora é de quase oito meses; e nas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) chega a um ano”. (https://oglobo.globo.com/brasil/tempo-medio-de-pedido-de-vista-dos-ministros-do-supremo-chega-37-anos-14005751). Não tem como o ex-Presidente Lula falar que é perseguido pelo Poder Judiciário. Seu habeas corpus no STF foi decidido “a jato”. (grifo nosso)

Sobre os autores
Luiz Francisco de Oliveira

Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Tocantins. Promotor Eleitoral da 25ª Zona Eleitoral (TRE/TO). Professor Universitário da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas (1997). É pós graduado em Direito em Administração Pública. Pós graduado em Direito Processual Civil. Pós graduado em Direito de Família. Exerceu o cargo de Advogado da União (AGU) na Procuradoria da União em Minas Gerais. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Ex-Membro Titular do Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial e Estabelecimentos Prisionais do Estado do Tocantins.

William Santos de Oliveira

Bacharel em Direito. Pós Graduando em Direito Eleitoral

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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