1 INTRODUÇÃO
Tendo por fundamento o fato de que os crimes tipificados como “crimes contra os costumes” já não mais observavam e garantiam as necessidades reais da sociedade atual, fora criada a Lei nº 12.015/09 que alterou a nomenclatura dos crimes citados acima para “crimes contra a dignidade sexual”.
Certamente a referida lei não teve como única finalidade alterar a nomenclatura de tais crimes, pelo contrário, no intuito de adequá-lo às práticas previstas a realidade da sociedade brasileira nos dias atuais, acabou por trazer também a fusão entre os crimes até então distinto de estupro e atentado violento ao puder, assim, a partir de agosto de 2009, quaisquer atos libidinosos praticados contra a vontade de outrem mediante uso de violência ou grave ameaçaram serão caracterizados como crime de estupro, não importante se houve conjunção carnal ou se o sujeito passivo é a mulher, conforme se fazia necessário anteriormente.
Diante de tal alteração e a ampliação dos sujeitos ativos do crime de estupro, aspectos e possibilidades até então inimagináveis tornaram-se possíveis dentro do cenário jurídico brasileiro.
Uma das situações que despertam a curiosidade diante a possibilidade aberta pela nova redação do artigo 213 do Código Penal de 1940 é o artigo 128, parágrafo segundo do Código Penal de 1940 que dispõe acerca das situações em que o aborto não será punido. Dentre as previsões legais contidas nesse artigo, o inciso II corrobora acerca do aborto no caso de gravidez resultante de estupro, situação na qual o aborto é precedido de consentimento da gestante, ou quando incapaz, de seu representante legal.
Antes das alterações trazidas pela referida lei, conforme será abordado durante o transcorrer da presente monografia, somente a mulher poderia figurar como vítima do delito de estupro e por motivos um tanto quanto sentimentais, caso tal estupro ocasionasse a gravidez, a mulher, gestante, teria o direito de realizar o aborto sem que ela ou o médico respondessem pelo crime.
Entretanto, diante da possibilidade trazida pela Lei 12.015/09 de que a mulher figure como sujeito ativo do estupro e a falta de adequação ao artigo 128, inciso II ou qualquer outro dispositivo que trate do assunto, há uma grande questão a ser discutida: seria possível a realização do aborto “legal” nos casos em que a própria mulher, agora grávida, fosse a autora do crime? A legislação em nada se pronuncia a esse respeito.
Outra questão que deve ser discutida é a possibilidade de o homem, pai, vítima do aborto utilizar-se da redação do artigo 128, inciso II e requerer a realização do aborto legal. Por motivos óbvios, a redação trouxe a expressão mulher vez que somente essa poderia, naquela época, figurar como vítima, entretanto, nos dias atuais tal afirmação já não prospera de forma que resta a dúvida: seria correto obrigar o home, vítima de um crime, a ser tornar pai, sem que tenha agido de forma livre e consciente para a realização do ato, ou merece esse tratamento desigual àquela mulher que da mesma forma é vítima de um crime e possui o direito aa realização do aborto? A lei não se pronuncia a respeito.
Importante dizer que existem aspectos na seara civil que podem sofrer com a ausência de previsão legal, tais como a obrigação alimentar e a sucessão, entretanto, essa discussão não será amplamente explorada.
Dessa forma, o objetivo de tal monografia é inicialmente realizar uma análise acerca dos crimes de aborto e o estupro antes e depois da alteração ocasionada pela Lei nº 12.015/09. Adiante observar-se-á os reflexos oriundos de tal alteração legal e as lacunas legais que passaram a existir a partir de tal momento.
Conforme sabemos, uma das finalidades da ciência é buscar e acompanhar o desenvolvimento humano bem como suas necessidades, por tal motivo, o direito, como ciência, precisa estar em constante evolução, daí a importância do tema em análise. Por vezes a evolução ocorre sem que estejamos preparados ou aptos, ou ainda, sem que suas consequências sejam analisadas ou medidas.
Certamente a Lei nº 12.015/09 trouxe um grande avanço no que diz respeito aos crimes contra a dignidade sexual, entretanto, deixou lacunas que hora ou outra, pode ocasionar uma grande discussão entre doutrinadores e jurisprudência, ocasionando uma imensa insegurança jurídica.
2 ESTUPRO
A prática sexual forçada entre casais heterossexuais ou homossexuais sempre se fez presente na grande maioria das sociedades ao longo dos milênios.
O que difere a conduta típica ou a proteção destinada a tal conduta são os costumes da época, a religião que a sociedade observadas e algumas peculiaridades que serão apresentadas adiante.
Tendo em vista o foco do presente trabalho ser a gravidez oriunda do estupro tendo a mulher como sujeito ativos, tendo em vista as alterações trazidas pela Lei nº 12.015/09, faz-se necessário uma análise singela acerca do delito do estupro ao longo dos anos até a atualidade.
Destaca-se que momentaneamente será apresentada uma evolução histórica do delito do estupro ao longo dos anos até o dia 06 de Agosto de 2009, vez que a Lei citada acima de 07 de Agosto de 2009 trouxe alterações que serão apresentadas e discutidas posteriormente.
3. Aborto no Código Penal Brasileiro de 1940
Conforme já tratado anteriormente, o Código Penal vigente nos dias atuais é datado de 1940 e, desde aquela época, previa como ilícita a interrupção da gravidez e consequente morte do feto, seguida ou não de sua expulsão.
O aborto é tipificado no referido código entre os artigos 124 a 127, que juntos, dispõem da seguinte forma:
Aborto Provocado pela Gestante ou com Seu Consentimento
Art. 124 - Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aborto Provocado por Terceiro
Art. 125 - Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Entretanto, impossível dissertar acerca do aborto sem destacar a redação do artigo 128 do código em análise, vez que esse prevê duas exceções referentes ao crime de aborto denominadas aborto necessário nos casos em que houver risco à vida da gestante e aborto sentimento quando a gravidez for oriunda de crime de estupro, o que será a discussão da presente monografia.
Vejamos a redação dos referidos artigos:
Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
No que diz respeito à definição correta do que vem a ser o aborto, Greco (2011, p. 282) faz uma afirmação que pode ser entendida como critica: “Nosso Código Penal não define claramente o aborto, usando tão somente a expressão provocar aborto, ficando a cargo da doutrina e jurisprudência o esclarecimento dessa expressão”.
Imperioso destacar que mesmo diante da grande discussão até os dias atuais acerca do aborto em gravidez oriunda de estupro, a letra da lei não faz qualquer menção a necessidade de autorização judicial para tal prática, somente diz que o aborto em tais situações não será punido quando praticado por médico.
3.1 Conceito
O conceito do crime denominado aborto envolve outras circunstâncias, tais como a vida. Essa é um bem jurídico que alcança a maior proteção Estatal e, por tal motivo, recebe proteção nas formas intra e extrauterina.
O crime cometido contra a vida intrauterina é justamente o que está sendo analisado, qual seja, o aborto, já a vida extrauterina é protegida no momento em que são tipificados crimes como, por exemplo, o de homicídio, infanticídio e participação em suicídio.
A esse respeito, Pedroso (2008, p. 239) leciona que “pode-se definir o aborto como a interrupção dolosa (pois a culpa não é punível – cf. n. 8.5) de uma gravidez, com a consequente morte do nascituro”.
Considera-se aborto a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de processo de autólise; ou então pode sucedes que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno. A lei não faz distinção entre óculo fecundado (3 primeiras semanas de gestação). Embrião (3 primeiros meses) ou feto (a partir de 3 meses), pois em qualquer fase da gravidez estará configurado o delito de aborto, quer dizer, entre a concepção e o início do parto [...] (CAPEZ, 2011, p. 145).
Dessa forma, uma vez que a proteção se direciona a vida, mesmo que intrauterina, para que o crime de aborto seja caracteriza, faz necessário que haja uma gestação e que essa seja interrompida de forma desejada e voluntária pela gestante, ou por terceiro com ou sem a anuência dessa, causando a morte do feto, não há que se falar em aborto culposo ou aborto quando o feto ainda se encontrava no útero, entretanto, já não tinha vida.
Lecionando acerca do inicio de do término da proteção pelo tipo penal do aborto, Greco (2011, p. 283) dispõe da seguinte forma:
A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito a implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 (quatorze) dias após a fecundação.
Assim, enquanto não houver a nidação, não haverá possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei penal. Dessa forma, afastamos de nosso raciocínio inúmeras discussões relativas ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam consideradas abortivas, mas que não tem o condão de repercutir juridicamente, pelo fato de não permitirem, justamente, a implantação do óvulo já fecundado no útero materno.
Ainda a esse respeito, Greco (2011) esclarece que não será configurado o aborto nos casos em que se perceber a gravides ectópica, ou seja, o óvulo fecundado não chegar até o útero, todavia, se desenvolve, mesmo que parcialmente, fora dele, a exemplo da gravidez tubária.
Por fim, cabe esclarecer que a caracterização do aborto ocorre com o atentado à vida intrauterina, de forma que, uma vez iniciado o processo de parto, se houver qualquer tipo de ato objetivando a morte do bebê, estaremos diante do crime de homicídio ou infanticídio, a depender do caso concreto, não havendo que se falar em aborto (GRECO, 2011).
Em se tratando dos meios de execução do aborto, Capez (2011) acrescenta que se trata de um crime de ação livre, assim, a provocação desse pode ser realizada de diversas formas, seja através de ação ou omissão.
Nos casos de ação, o autor citado acima afirma que os meios executivos podem ser químicos, quando as substâncias não são propriamente abortivas, todavia atuam por via de intoxicação, a exemplo do arsênio, do fósforo, mercúrio, quinina, entre outros.
Há que se falar ainda nos meios psíquicos, caracterizados pela provocação do susto, terror, etc. por fim, os meios físicos como, por exemplo, a curetagem, aplicação de bolsas de água quente e fria no ventre ou ainda emprego de corrente galvânica ou farádica (meios elétricos).
Já em se tratando da omissão Capez (2011) afirma que o crime de aborto caracterizar-se-á pela conduta omissiva nos casos em que o sujeito ativo tem a posição de garantidor, a exemplo do médico, enfermeira, parteira que, percebendo uma situação que a normalidade, indicando o aborto espontâneo ou acidental, não tomam medidas disponíveis para evita-lo.
4 ALTERAÇÕES NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.015/09
4.1 Estupro
No que diz respeito aos crimes contra a dignidade sexual, que se encontravam no título “dos crimes conta os costumes”, o Código Penal de 1940 trazia consigo a redação dos artigos citados abaixo:
Art. 213 Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
Parágrafo único: se a ofendida é menor de catorze anos:
Pena: reclusão de quatro a dez anos.
Art. 214 Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso de conjunção carnal.
Parágrafo único: se o ofendido é menor de catorze anos:
Pena: reclusão de três a nove anos.
Todavia, a partir da promulgação da Lei 12.015/09, os artigos transcritos anteriormente sofreram alterações, o artigo 214 passou a não mais existir e o artigo 213 tipifica o delito de estupro da seguinte forma:
Art. 213-Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O que se percebe é a junção entre o artigo que corroborava acerca do estupro e o que previa o atentado violento ao pudor, formando assim a nova tipificação do crime de estupro.
Tal fusão dos artigos ocasionou a possibilidade de a mulher figurar como sujeito ativo do crime de estupro, e o homem sujeito passivo, uma vez que, anteriormente só o homem poderia ser sujeito ativo e a mulher sujeito passivo. Caso o homem figurasse no polo passivo, ou a mulher o polo ativo, estaríamos diante do crime de atentado violento ao pudor.
A nova lei optou pela rubrica estupro, que diz respeito ao fato de ter o agente constrangido alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou com ele permitir que se pratique outro ato libidinoso. Ao que parece, o legislador se rendeu ao fato de que a mídia, bem como a população em geral, usualmente denominava “estupro” o que, na vigência da legislação anterior, seria concebido por atentado violento ao pudor, a exemplo do fato de um homem ser violentado sexualmente. Agora [...] não importa se o sujeito passivo é do sexo feminino, ou mesmo do sexo masculino que, se houver o constrangimento com a finalidade prevista no tipo penal do art. 213 do diploma repressivo, estaremos diante do crime de estupro (GRECO, 2011, p. 613).
Por sua vez, Delmanto (2010, p. 691) se posiciona da seguinte forma:
A Lei nº 12.015/09, de 7.8.2009, alterou a denominação do Título VI (Dos Crimes Conta os Costumes) para “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. Em que pese a intenção do legislador tenha sido das melhores, e representado algum avanço com relação à terminologia anterior, na verdade a colocação da “dignidade sexual” como bem jurídico tutelado não ajuda muito, pois a dignidade ou não de certo ato sexual é algo subjetivo e incerto, de forma que o que não é digno para um pode ser digno para outro, e vice-versa. Nesse sentido, Alberto Silva Franco e outros escrevem, com razão, que, “em matéria de sexualidade, enquanto componente inafastável do ser humano, não se cuida do sexo digno ou indigno, mas tão somente de sexo realizado com liberdade ou sexo posto em prática ou mediante violência ou coação, ou seja, com um nível mais ou menos de ofensa à autodeterminação sexual do parceiro. Destarte, toda lesão à liberdade sexual da pessoa humana encontra seu núcleo na falta de consensualidade. Fora daí, não há conduta sexual que deva ser objeto de consideração na área penal [...] melhor seria, portanto, que o Título VI fosse “Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual”. Talvez assim não tenha feito o legislador, diante da opção de manter, neste Título VI, os crimes de ato obsceno e de escrito ou objeto obsceno.
Conforme dito anteriormente, nos dias atuais o título onde se encontra os referidos artigos trata acerca da dignidade sexual, o que incentiva a uma maior aversão ao crime, anteriormente, a tipificação encontrava-se no título dos crimes contra os bons costumes, assim, havia uma maior preocupação com o meio social em que a vítima se encontrava do que propriamente com o crime, com a proteção à pessoa.
A exemplo do acima exposto tem-se o fato de que até o ano de 1995, caso o estuprador se casasse com a vítima, estaríamos diante da possibilidade de extinção da punibilidade, uma vez que a maior preocupação era com a desonra da mulher, visto que já não era virgem. Preocupação essa que já não faz mais sentido, tendo em vista a alteração de costumes da sociedade atual.
4.2 Conceito
O Código Penal Brasileiro de 1940 traz consigo, após as alterações trazidas pela Lei nº. 12.015/00, a seguinte definição para o crime de estupro:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Assim, podemos dizer que o conceito para o crime de estupro pode ser tido como a prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante emprego de violência o grave ameaça.
A esse respeito Greco (2011, p. 616) afirma que “a expressão conjunção carnal tem o significado de união, de encontro do pênis do homem com a vagina da mulher, ou vice versa”.
Por sua vez, Capez (2011) ressalva que o conceito de ato libidinoso é abrangente, uma vez que possui o condão de elencar quaisquer atividades de cunho sexual que tenham por objetivo a satisfação da libido. É proeminente destacar que não se incluem nesse conceito de crime de estupro as palavras, os escritos com conteúdo erótico, vez que a lei diz respeito ao ato, realização física.
Em se tratando especificamente acerca do ato libidinoso, Delmanto (2010, p. 692) leciona da seguinte forma:
Mantemos as críticas que fazíamos nas edições anteriores [...] à redação do revogado art. 214 (que incriminava, de forma autônoma, o atentado violento ao puder), por não ter o legislador inserido, quanto ao conceito de ato libidinoso, uma graduação e consequente apenação diferenciada dos diversos tipos de atos, punindo com as mesmas severas penas, por exemplo, um gravíssimo sexo anal e um toque em regiões íntimas. Restaria assim, nesse último caso, ao juiz: a. desclassificar o delito para a contravenção do art. 61 da LCP (importunação ofensiva ao pudor), se praticada em local público ou acessível ao público; b. desclassificar para a contravenção do art. 65 da LCP (perturbação da tranquilidade), se não cometida em local público ou a este acessível; ou c. considerar o fato penalmente atípico.
Dessa forma, sem adentrarmos na discussão da presente monografia que tem por outro foco que será apresentado adiante, já é possível a percepção acerca de uma possível falha legislativa em se tratando da ausência de graduação e penalidade em se tratando do ato libidinoso.
4.3 Objeto Jurídico
Acerca do objeto jurídico do delito de estupro, Greco (2011) afirma que pode ser o homem ou a mulher, pois ambos podem ser os sujeitos no qual a conduta será direcionada.
A doutrina a esse respeito tem a seguinte apreciação:
Em virtude da nova redação constante do título VI do Código Penal, podemos apontar como bens juridicamente protegidos pelo art. 213 tanto a liberdade quanto a dignidade sexual.
A lei, portanto, tutela o direito de liberdade que qualquer pessoa tem de dispor sobre o próprio corpo, no que diz respeito aos atos sexuais. O estupro, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, que se v humilhado com o ato sexual. (GRECO, 2011, p. 616)
Já em se tratando do bem juridicamente tutelado, pode-se dizer que esse se resume à liberdade e a dignidade sexual vez que a lei dispõe também acerca da liberdade que a pessoa possui em se tratando dos atos sexuais.
4.4 Sujeitos
Conforme já dito anteriormente, antes da entrada em vigor da Lei nº 12.015/09, somente a mulher poderia figurar como sujeito passivo no crime de estupro e obviamente só o homem poderia ser o sujeito ativo, quando estivéssemos diante de um ato onde a mulher tomasse a iniciativa, ela agisse, ela abusasse, ou o homem estivesse no polo passivo, mesmo que no ativo estivesse outro homem, estaríamos diante do atentado violento ao pudor.
O artigo 213 do Código Penal Brasileiro trazia seguinte redação:
Estupro
Art. 213 Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de6 (seis) a 10 (dez) anos (grifo nosso)
Entretanto, com a Lei em análise a redação passou a se dar nos seguintes termos:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (grifo nosso)
A esse respeito, Greco (2011, p. 616) traz as ideias centrais acerca do significado das expressões conjunção carnal e ato libidinoso presente na nova redação, vejamos:
A expressão conjunção carnal tem o significado de união, de encontro do pênis do homem com a vagina da mulher, ou vice versa. Assim, o sujeito ativo no estupro, quando a finalidade for a conjunção carnal, poderá ser tanto o homem quanto a mulher. No entanto, nesse caso, o sujeito passivo, obrigatoriamente, deverá ser do sexo oposto, pressupondo uma relação heterossexual.
No que diz respeito à prática de outro ato libidinoso, qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo, bem como sujeito passivo, tratando-se, nesta hipótese, de um delito comum.
Diante do exposto o entendimento resta claro no sentido de que fundamentadas nas alterações trazidas pela Lei 12.015/09, o homem e a mulher podem figurar como sujeitos ativos ou passivos no crime de estupro, inclusive, não há que se falar em diversidade de sexos para a configuração do delito.
5 O HOMEM COMO SUJEITO PASSIVO E AS CONSEQUÊNCIAS DO RESULTADO GRAVIDEZ.
5.1 A Mulher Como Sujeito Ativo do Crime de Estupro
Conforme já tratando anteriormente, após 07 de Agosto de 2009, com a entrada em vigor da Lei em análise, a possiblidade do homem figurar no polo passivo do crime de estupro se tornou real, o que permite então a possibilidade de uma gravidez oriunda de crime de estupro tendo a mulher como próprio sujeito ativo.
Dessa forma, entende-se que o homem pode ser estuprado por outro homem que venha a praticar com ele qualquer tipo de ato libidinoso ou ainda por uma mulher, que o force, de alguma forma, a praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com ela.
Muito embora a lei tenha trazido a possibilidade do homem figurar como sujeito passivo do crime de estupro, sua visualização não é fácil, torna-se difícil imaginar um homem sendo vítima de um crime de estupro tendo como sujeito ativo uma mulher, vez que o mesmo, via de regra, é fisicamente mais forte. Todavia, tal qual ocorre nos casos em que o homem é o sujeito ativo, a mulher poderá se valer da violência ou grave ameaça para obter êxito em sua conduta delituosa, sem falar no fato que o estupro pode ocorrer com vítimas vulneráveis, questão tratada no capítulo anterior.
Menos imaginável seria crer que o estupro poderia ocorrer através da conjunção carnal nos casos em que o homem não apresentar intenção, vez que esse não teria ereção impossibilitando assim a intromissão da verga na cavidade vagínica, para que do ato resultasse uma gravidez.
Entretanto, por mais inusitadas e surreais que pareçam quando apontamos a mulher como sujeito ativo e o homem como sujeito passivo do crime, as mesmas são plenamente possíveis depois do advento da lei 12.015/99. Razão pela qual passaremos à análise mais objetiva das mesmas.
5.2 Possibilidade de Configuração de Estupro de Vulnerável
Em conformidade com o analisado anteriormente, a tipificação do crime de estupro de vulnerável se dá no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro de 1940.
A conduta será caracterizada nos casos em que houver conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso com menos de quatorze anos, momento em que a pena de reclusão será de oito a quinze anos.
Destaca-se que incorrerá na mesma pena aqueles que praticarem as condutas descritas anteriormente com alguém que detenha algum tipo de enfermidade ou deficiência mental que o impeça de ter o discernimento necessário a prática do ato ou ainda esteja, por qualquer outro motivo, impedido de oferecer resistência.
Vê-se que em nenhum momento a tipificação do artigo faz referência a sexualidade dos sujeitos, dessa forma, estaremos diante de um estupro de vulnerável, onde o sujeito passivo seja do sexo masculino e tenha menos que quatorze anos, seja doente mental não tendo discernimento necessário para consentir a prática do ato, ou ainda, esteja, por qualquer motivo, incapacitado de oferecer resistência, caso em que torna-se de fácil visualização a possibilidade de estupro masculino onde a mulher é o sujeito ativo.
Portanto, a mulher que vier a praticar conjunção carnal com homem que estiver altamente embriagado ou drogado, e dessa forma não possa ou não consiga oferecer resistência, estará praticando o delito tipificado como estupro de vulnerável, independente da idade da vítima.
Dessa mesma forma, estará caracterizado o estupro de vulnerável caso o homem em que com ela realizado ato sexual apresente doença mental que o impossibilite de saber ou ter o necessário discernimento para validar seu consentimento para a prática do ato.
5.3 Possibilidade de Configuração do Aborto Sentimental
O Código Penal Brasileiro de 1940 dispõe que todo aquele que praticar em si ou em outro, com ou sem consentimento da gestante, estará cometendo um dos crimes previstos nos artigos 124, 125 e 126, quais sejam, o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, bem como o aberto sem o consentimento da gestante.
Todavia, é imperioso ressaltar que nem toda prática abortiva será considerada crime, desde que observado o disposto no artigo 128 do Código Penal Brasileiro de 1940. Vejamos abaixo a redação do artigo citado, capaz de caracterizar o aborto legal.
Art.128- Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II- se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Percebe-se de forma clara que o inciso I do artigo acima transcrito trata acerca dos casos em que a mãe, gestante, corre risco de morte, caso seja mantida a gestação. Nesse momento, em situações extremas, o legislador optou por manter a vida da mãe, frente à de seu filho, possibilitando o aborto.
O doutrinador Rogério Greco disserta acerca do assunto da seguinte forma: “Nestes casos, ambos os bens (vida da gestante e vida do feto) são juridicamente protegidos. Um deve padecer para que o outro subsista. A lei penal, portanto, escolheu a vida da gestante ao invés da vida do feto” (GRECO, 2009, p. 252).
Há ainda, conforme a redação do inciso II do artigo acima citado, a interrupção da gravidez que recebe no nome de aborto ético, sentimento ou humanitário. Tal situação se caracteriza quando há a interrupção de gestação oriunda de estupro.
A doutrina justifica a existência da previsão do aborto sentimental pela consternação psicológica e emocional a que a mãe estaria exposta em consequência de gerar uma criança fruto de crime, bem como pelas oscilações emocionais a que a criança estaria sujeita sabendo ser fruto de um ato criminoso violento.
Neste sentido, Greco citando Frederico Marques (2009, p. 253) sobre o tema afirma:
Nos termos em que o situou o Código Penal, no art. 128, n.II, trata-se de fato típico penalmente lícito. Afasta a lei a antijuridicidade da ação de provocar aborto, por entender que a gravidez, no caso, produz dano altamente afrontoso para a pessoa da mulher, o que significa que é estado de necessidade a ratioessendi da impunidade do fato típico.
Dessa mesma forma cabe citar Greco que dispõe nos seguintes termos:
Nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida. Segundo Binding, seria profundamente iníqua a terrível exigência do direito de que a mulher suporte o fruto de sua involuntária desonra (GRECO apud HUNGRIA, 2009, p. 253).
Barbosa e Silva (2010, p. 02) corroboram da seguinte forma:
O legislador, ao consentir o aborto sentimental, levou em consideração a dignidade da mulher que carrega em seu ventre fruto de um ato violento, possibilitando que esta não venha a dar a luz a uma criança concebida contra sua vontade, já que, poderá lhe acarretar sérios danos emocionais e psíquicos. Por mais que se proteja a vida, seria desumano, o Estado, mediante ameaça da pena criminal, obrigar a vítima a ter uma conduta pseudo-heróica. No entanto, não significa dizer que o fato da legislação permitir o aborto esteja relegando a vida intra-uterina a um segundo plano, mas sim, está o Estado utilizando-se de ponderação ao valorar os direitos fundamentais.
O escopo de tal autorização é impedir que a mulher acabasse por sustentar um sentimento de horror, ódio, repulsa à criança que está no seu ventre, visto que o mesmo é capaz de trazer a ela a lembrança clara de um momento de agonia, amargura, rebaixamento e humilhação vivido outrora, que de certo poderá causar diversos danos emocionais maiores que os físicos originados pelo estupro.
Sem dizer que a afetividade normalmente presente entre mãe e filho estaria dilacerada, sentimento esse que serve como base para as relações familiares.
Ocorre que tal questão é capaz de tomar proporções maiores quando analisada juntamente a redação da lei 12.015/09 que permite ser a mulher o sujeito ativo no crime de estupro e consequentemente o homem o sujeito passivo. A lei em análise apresenta omissão em se tratando dos casos em que a mulher, sujeito ativo do crime de estupro vier a engravidar em decorrência do mesmo.
Ressalta-se ainda que a nova lei não faz menção acerca da possibilidade de o homem, sujeito passivo do crime em questão requerer a realização do aborto sentimental motivado pelas alegações e justificativas hoje aceitas quando a mulher é o sujeito passivo.
Ora, percebe-se claramente que a finalidade de tal aborto sentimental é impedir o sofrimento da mulher vítima do estupro, evitar que ela seja forçada a trazer em seu ventre uma criança que a fará lembrar a todo o momento a violência sofrida. Pois bem, seria então justo com o homem, pai, vítima de estupro, obrigá-lo a ter um filho não desejado, oriundo de um crime, e mais, não estaria também a criança exposta a abalos emocionais e psicológicos por saber se fruto de um estupro cometido por sua genitora.
Imaginemos que o referido homem seja casado, tenha filhos, uma moral ilibada, totalmente idônea e correta aos olhos da sociedade, mas por qualquer motivo lastimável, tenha sido abusado, estuprado e engravidado contra sua vontade a estupradora.
Barbosa e Silva (2010, p. 03) corroboram da seguinte forma:
O afeto não é um fruto da biologia, não é uma questão consanguínea, os laços de afeto segundo Maria Berenice Dias derivam da convivência familiar, não do sangue. Como o homem vítima de uma situação de estupro poderá desenvolver por seu filho, fruto da conduta criminosa da mãe, afeto, amor, carinho, sentimentos de extrema importância para o desenvolvimento de um ser?
É inquestionável o fato de que qualquer ser humano se sentiria humilhado, constrangido e desconfortável estando no polo passivo do crime de estupro, sendo obrigado a conviver com uma criança concebida através do ato criminoso de outrem.
Ainda que consideremos o sujeito passivo o homem, e que talvez não venha a ter muito contato com a criança, é inegável que, vez ou outra ele lembrará que em algum lugar existe um filho seu, alguém que pode estar precisando de sua ajuda, mas ao mesmo tempo, será forçado a lembrar da violência sofrida. Tais pensamentos têm o poder destruir gradativamente o ser humano, seja ele quem for, pertencente a qualquer sexo ou classe social.
Se analisado somente o lado paterno, do home, vítima, muitos se posicionariam no sentido de que homem, vítima e agora pai, seria detentor do direito de ingressar com uma ação judicial objetivando que a mãe realizasse o aborto, vez que os direitos conferidos a ela deveriam ser aplicados a ele também.
Todavia, ocorre que a literalidade do artigo 128, II, do Código Penal Brasileiro de 1940 institui a necessidade do consentimento da gestante para que o aborto seja realizado, ou seja, mesmo em se tratando de estupro no qual ela for vítima, não será obrigada a realizar o aborto.
Diante de tal necessidade, inexiste dentro do ordenamento jurídico brasileiro que hoje vigora a possibilidade de uma “obrigação de abortar”, assim sendo, seria inadmissível e ilegal a imposição do aborto a gestante, vez que o direito brasileiro protege primordialmente a vida, dessa forma, jamais poderia impor que alguém desse fim a ela.
[...] entendemos como impossível o pedido que possa ser levado a efeito judicialmente pela vítima, com a finalidade de compelir a autora do estupro ao aborto, sob o argumento de que não desejava a gravidez e, consequentemente, o fruto dessa relação sexual criminosa. Isso porque devemos preservar, in casu, o direito à vida do feto, já que não se confunde com o crime praticado pela sua mãe, ou mesmo com as pretensões morais da vítima (GRECO, 2011, p. 213)
Importante ressaltar ainda que desse ser observado nesse caso o princípio da legalidade, em especial a proibição de emprego de analogia para a criação de crimes, fundamentos ou agravar penas, dessa forma, não há que se falar em utilizar a analogia in malan partem, para prejudicar o agente (Barbosa e Silva, 2010).
Dessa forma, resta claro que a obrigação de um aborto a gestante sem seu consentimento, mesmo sendo ela a infratora, incidiria na utilização de uma pena não prevista no atual Código Penal Brasileiro de 1940, por tal motivo, sua ocorrência legal está rejeitada.
Resta então a seguinte dúvida: se a gestante, mesmo sendo ela a autora da infração, terá o direito de invocar o aborto dito sentimental previsto no artigo 128, II, Código Penal Brasileiro de 1940?
5.4 Possibilidade de a Mulher Autora do Crime Requerer o Aborto
Primeiramente, antes de afirmar ou não se há a possibilidade legal de a mulher, autora do crime de estupro buscar judicialmente autorização para a realização do aborto, cabe analisar o momento histórico em que o ato foi concretizado.
Antes de 2009, ano em que a Lei em análise entrou em vigor, a mulher jamais poderia figurar como sujeito ativo do crime de estupro vez que esse se configurava somente com a conjunção carnal, caracterizada pela intromissão do órgão sexual masculino no órgão sexual feminino, assim, mesmo nos casos em que houvesse a intromissão, mas por vontade única da mulher, estaria caracterizado outro ato libidinoso, conforme já analisado anteriormente.
Cabette (2009, p. 04), ao versar acerca da possiblidade da mulher, autora do crime de estupro ter a faculdade de realizar o aborto, discorre da seguinte forma
Entretanto, poder-se-ia acenar com a possibilidade de uma "interpretação progressiva" ou "extensiva" do permissivo legal e, quem sabe, de aplicação de analogia benéfica.
Tais teses devem ser rechaçadas, pois a "interpretação progressiva" ou mesmo "extensiva", que permitiria a adaptação do velho texto ao novo contexto urdido pela Lei 12.015/09 não parece encontrar abrigo na vontade legislativa. Também não há razão alguma de semelhança que justifique analogia da situação que envolve a mulher vítima de estupro com a da mulher estupradora. Além disso, há também razões de ordem ética e prática para vedar o beneplácito legal à mulher infratora.
Cabe lembrar que o desígnio da legislação era proteger a mulher vítima, que não teria condições emocionais para suportar uma gravidez oriunda de estupro e não aquela que o ocasiona.
A esse respeito, Greco (2011, p. 642) discorre da seguinte forma:
Entendemos que a resposta só pode ser negativa. Isso porque o mencionado inciso II do art. 128 do Código Penal diz respeito somente a gravidez da vítima e não a da autora da própria infração penal [...] ao contrário, entendemos que aquela que praticou a violência ou grave ameaça, para que pudesse ser possuída sexualmente pela vítima, não poderá ser beneficiada com o dispositivo legal, sob pena de serem invertidos os valores que ditaram a regra permissiva.
Diante do exposto, chega-se a conclusão de que não é permitido à mulher, sujeito ativo do crime estupro utilizar-se da previsão do artigo 128, II do Código Penal Brasileiro de 1940 e requerer a realização do aborto, vez que a mesma não poderá se beneficiar da própria torpeza.
Cabette (2009, p. 04) é bem claro a esse respeito:
Inclusive sob o prisma ético não seria jamais compreensível que se admitisse ceder a tutela da vida humana intrauterina em prol do simples desejo da criminosa que violou a dignidade e a liberdade sexual de outrem e agora pretende violar também a vida humana para satisfazer seu capricho de não arcar com o ônus de zelar pela futura criança.
Não sendo possível que o pai exija que o aborto seja realizado vez que se prioriza a vida do feto, da mesma forma não há que se falar em permissão para a mãe, estupradora, realizar o aborto, vez que essa não preenche os requisitos pelos quais a lei foi criada, sejam eles, entre outros, a não obrigação em manter uma gravidez que a lembre a todo o momento a situação difícil pela qual passou a gestante.
5.5 Implicações Civis que Recaem Sobre o Homem/Pai Vítima
Tendo por base o posicionamento de que não é possível que a mãe, sujeito ativo no crime de estupro, seja obrigada a aborta bem como requerer autorização judicial para tal ato torna-se necessário a análise acerca das implicações que o nascimento de uma criança oriunda de estupro, acarretaria ao pai/vítima.
Maria Helena Diniz (2007, p. 439-440) discorre sobre o tema da seguinte forma:
Conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, art. 2.º, 1.609, par. ún., 1.779 e 1.798; CP, arts. 124 a 127, 128, I e II; Leis n. 8.974/95 (ora revogada), art. 13; n. 8.069/90, arts. 7.º a 10, 208, VI, 228 e parágrafo único, 229 e parágrafo único; n. 11.105/2005, arts. 6.º, III, 24 e 25), como o direito a alimentos (RT, 650/220), à vida (CF, art. 5.º, caput), a uma adequada assistência pré-natal, a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, de receber herança, ser contemplado por doação, ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo tornar a afirmar que, na vida intrauterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material e alcançando os direitos patrimoniais e os obrigacionais que permaneciam em estado potencial somente com o nascimento com vida.
O problema em questão seria então os efeitos jurídicos da paternidade para o homem vítima de estupro que resultou a gravidez.
Há que se analisar se no presente caso, poderá a criança ingressar com uma ação investigatória de paternidade, se o pai teria obrigação alimentar para com tal criança, se a mesma terá o direito de usar o sobrenome paterno e por fim, se participará da sucessão, entre outros.
Tendo por fundamento a impossibilidade da realização do aborto, não restam dúvidas acerca dos direitos de tal criança vez que o ordenamento jurídico vigente, através da Constituição da República Federativa do Brasil/88 e do Código Civil de 2002, garante direitos iguais a todos e quaisquer filhos bem como atestam sobre os deveres da paternidade sem condicionar os mesmos.
Vejamos o que diz a Carta Magna de 1988:
Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
No mesmo sentido, o Código Civil Brasileiro de 2002 garante:
Art. 16 - Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Certamente tal assunto é capaz de gerar grande polêmica, não havendo consenso na doutrina acerca da tal questão, eis que, como visto, o direito civil garante a criança os direitos ao nome, à assistência por parte dos pais bem como o direito à sucessão, não fazendo distinção entre os filhos. Assim afirma o Código Civil:
Art. 1.596 - Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Jesus, (2011, p. 02) corrobora da seguinte forma:
Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma antinomia principiológica na qual o vetor da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF) se relativiza ou para proteger o nascituro e o nascido vivo para garantir-lhes todos os direitos acima enunciados ou inclinando-se a proteger o homem vítima de estupro, deixando de obrigá-lo a se responsabilizar pelo referido nascituro ou pelo nascido vivo.
Seria então, em tais situações, indispensável observar a razoabilidade e proporcionalidade, agindo o julgador com bom senso.
Nessa linha de raciocínio, a discussão é muito mais de ordem zetética do que dogmática, posto que ambos os bens jurídicos tutelados fundamentam-se nos direitos naturais e positivos envolvidos, o que torna impossível a eleição de apenas uma tese, tida por verdadeira, sob o ponto de vista ontológico. Dessa maneira, não há discurso que possa convencer a todos que venham interagir com o tema em questão a adotar esta ou aquela posição (JESUS, 2011, p. 02).
Ainda a esse respeito, Jesus (2011) acredita que no presente caso não há vontade ou ato procriacional por parte do pai, vítima, dessa forma não há que se presumir a afetividade e aplicar a ele obrigações patriarcais.
Por sua vez, Rogério Greco (2011, p. 642 - 643) em posicionamento contrário ao entendimento de Damásio Evangelista de Jesus, citado acima, discorre da seguinte forma:
Teria o fruto dessa concepção indesejada e criminosa direito a pensão de alimentos ou mesmo fazer parte da sucessão hereditária da vítima, recebendo sua cota-parte juntamente com os demais herdeiros, após o falecimento daquele que foi violentado sexualmente? A resposta só pode ser positiva. Isso porque a criança, que se tornou herdeira, não pode sofrer as consequências dos atos criminosos praticados pela sua mãe, devendo o Estado não somente protege-la como também assegurar-lhe todos os seus direitos, incluindo, aqui, o de participar na sucessão hereditária de seu genitor, mesmo que tenha sido ele vítima de um crime de estupro.
As fundamentações daqueles que defendem que o pai vítima não deve ser obrigado a arcar com as obrigações civis decorrentes da paternidade são intensas e num primeiro momento sedutores, eis que de fato o homem foi vítima de situação da qual não tinha como se esquivar e advindo o resultado gravidez arcará com as responsabilidades de uma paternidade indesejada, ou até repudiada.
Todavia, a corrente que defende que o pai vítima deve sim arcar com as consequências cíveis da paternidade se fundam no argumento de que os direitos questionados se tratam de garantias constitucionais as quais a criança tem direito independentemente do modo em que foi gerada, garantindo à mesma o direito à vida uma vez que a possibilidade de aborto para o caso, não está elencada dentre as descriminantes previstas no Código Penal Brasileiro, e uma vez tendo o direito à vida, terá todos os direitos inerentes a ela garantidos pela Carta Magna em vigência.
Conforme percebeu-se há uma grande discussão doutrinária a respeito do tema, cabendo ao juiz, de acordo com a casuística e os outros fundamentos necessários para seu convencimento, julgar e decidir como aplicar a norma, até que o poder Legislativo venha por fim a este problema editando nova norma, ou que o Supremo Tribunal Federal venha se manifestar quanto ao tema em questão.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista todo o conteúdo analisado durante o transcorrer do presente trabalho, torna-se fácil afirmar que existem grandes lacunas na legislação vigente atualmente que dispõe acerca do crime de estupro se levarmos em consideração as profundas mudanças trazidas pela mesma.
Diante de tais omissões, a monografia em tela teve por escopo realizar um paralelo entre a Lei nº 12.015/09 e o crime de aborto, bem como suas ramificações dentro de tal assunto.
A referida lei possibilitou que o homem se tornasse vítima do crime de estupro, entretanto, deixou de se manifestar acerca da possiblidade de o homem, pai, vítima requerer a realização do que chamamos de aborto sentimental, tendo por motivos os mesmos que possibilitam a realização quando a vítima é do sexo feminino.
Sabe-se que tal situação não é rotineira, não ocorre com frequência nos dias atuais, entretanto, trata-se de uma realidade perfeitamente possível com a chegada da Lei nº 12.015/09, todavia, devido a ausência de manifestação por parte do legislador, somente à partir a ocorrência significativa, e a chegada ao judiciário de um número maior de casos concretos é que o legislador provavelmente se manifestará, cabendo ao magistrado bem como os doutrinadores, se manifestar a depender do caso concreto, objetivando um posicionamento uníssono, o que ainda não é possível atualmente.
Discutiu-se ainda a possibilidade de a mãe, autora do crime venha buscar por vias legais a realização do aborto sob a alegação de não pretender a gravidez, argumentando que essa é originária de ato criminoso.
Diferentemente da situação trazida outrora, nesse caso a doutrina se posiciona de forma pacífica no sentido de que não é possível a realização do aborto tendo em vista a disparidade dos bens confrontados bem como o fato de que não seria possível permitir que a autora do crime se beneficie de sua própria torpeza.
A questão é que a sociedade brasileira como um todo, muda em uma velocidade inacreditável, os valores que a sociedade atual preserva são muito distintos daqueles observados no ano de 1940, quando fora criado o Código Penal Brasileiro, por tal motivo, as leis precisam passar por constantes mudanças, no intuito de adequar a previsão às necessidades da sociedade atual, a exemplo do que ocorreu com a Lei 12.015/09.
Essas adequações imprescindíveis para que a lei acompanhe seu tempo, muitas vezes, são tomadas como medidas de urgência vez que se esperou muito para observar as mudanças sociais ou por que infelizmente nossos projetos de lei tramitam por anos a fio à espera de votação sem prazo mínimo determinado para que ocorra a votação de um projeto, ou ainda, temos leis e julgamentos resultantes de clamor público.
Por um motivo ou outro, o que se sabe é que por diversas vezes algumas leis passam a vigorar no cenário nacional com grandes lacunas, disparidades quando analisadas frente ao ordenamento jurídico vigente e até com a realidade social para a qual foi elaborada, como o caso da lei em análise.
Diante desses acontecimentos, na grande maioria das vezes o judiciário, sem amparo e segurança, precisa se posicionar ao observar o caso concreto, e acaba por resolver questões parecidas, de forma distinta vez que não existe concordância entre juristas e magistrados. Na situação em estudo, antes que o judiciário receba ações e não saiba como se posicionar. É necessário que haja súmulas ou até mesmo nova Lei que regulamente ou venha complementar as questões aqui analisadas.
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