O ESTADO LAICO E OS FERIADOS RELIGIOSOS
Durante muito tempo no Brasil o catolicismo foi a oficial e única religião imposta pelo Estado, mas foi após a Proclamação da República com o advento do Decreto nº 119-A de 07 de janeiro de 1890 que se iniciou a liberdade de culto, porém, ainda se mantinha a Igreja Católica como oficial, que inclusive continuava a receber subvenção (privilégios/auxílios do Estado).
Com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 foi consagrado o Estado Laico, sendo garantida a liberdade de crença e culto, constituindo assim a separação entre Estado e Igreja.
Para Rui Barbosa [1]: “De todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão nobre, e tão frutificativa, e tão civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do Evangelho, como a liberdade religiosa”.
Estado Laico é aquele que tem como característica do poder público a sua neutralidade perante a pluralidade de religiões, ou seja, o Estado não deve impor nenhuma religião como oficial do país, assim, exaurindo a subvenção a qualquer religião. Ademais, o Estado Laico não pode proibir qualquer religiosidade existente, pois, a liberdade de crença e de culto são garantias para todos os cidadãos, até para aqueles que não possuem uma crença, como aduz o autor José Afonso da Silva [2]:
“[...]a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença [...]”
Na vigente Constituição Federal de 1988, existem normas que corroboram para garantir a laicidade do Estado, assim sendo, não podemos deixar de mencionar o artigo 5º, incisos VI e VIII, que possui o status de direito fundamental:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...]
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...]
E principalmente o artigo 19 da carta magna, que estabeleceu o principio da laicidade (separação da Igreja e do Estado):
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; [...]
Após, essa pequena síntese do que é Estado Laico, muitas são as indagações quanto a um tema polêmico, qual seja, a (in)constitucionalidade dos feriados religiosos em um Estado Laico, no entanto, o presente artigo visa explicar o motivo de feriados religiosos no calendário brasileiro, e não, dar apologia a nenhuma religião e muito menos discutir a polêmica mencionada.
No país, dentre os feriados civis comemorados no ano, estão os feriados nacionais religiosos como: Dia da Padroeira do Brasil, Sexta-Feira da Paixão, Finados e Natal.
Na vigente Constituição Federal, a mesma não é elucidativa sobre de qual órgão é a competência para a criação de feriados religiosos, decorrendo discussão entre os entes.
Contudo, declara feriado nacional o Dia da Padroeira do Brasil a Lei Federal de nº 6.802/80, conforme seu artigo 1º: “[...]Art. 1º É declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.[...]”.
Por outro lado, a única lei que versa sobre feriados religiosos é a Lei Federal 9.093/95, que declara que tais feriados são decretados por Lei Municipal, e limita o número de quatro feriados religiosos somados a Sexta-Feira da Paixão:
“[...] Art. 1º São feriados civis:
I - os declarados em lei federal;[...]
Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.[...]”
Por fim, a Lei nº 10.607/02 disciplina sobre as datas de feriados oficiais no país, sendo reconhecidos dois feriados religiosos a nível nacional, vide seu artigo 1º: “[...]Art. 1o São feriados nacionais os dias 1o de janeiro, 21 de abril, 1o de maio, 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro.[...]”
A explicação desses feriados religiosos no calendário brasileiro é a consequencia de costumes e tradição de um povo que desde o Brasil Império até 1890, ou seja, por mais de 400 anos tinha a Igreja Católica como religião oficial.
Os costumes no mundo jurídico são utilizados como fontes formais do Direito, motivo pelo qual, são sempre observadas na elaboração de leis.
As comemorações de feriados sejam civis ou religiosos sempre trazem consigo acontecimentos históricos culturais ou sociais relevantes para a sociedade atual como, por exemplo, o feriado do dia 07 de setembro que se comemora a Independência do Brasil, um fato histórico que marcou mudanças para o país à época ou o feriado do dia 25 de dezembro que comemora o nascimento de Jesus.
Conforme posicionamento de Rafael Vitola Brodbeck
“Em poucas palavras, a existência de feriados católicos: 1) não ofende o princípio do Estado laico; 2) prestigia a manifesta maioria católica, e tal prestígio é legítimo e democrático; 3) não fere os sentimentos gerais dos que não professam a Fé Católica, respeitando, assim, a tolerância a todos os cultos que não atentem à paz, à ordem, à moralidade etc”.
Esses dias religiosos comemorativos não são uma afronta ao Estado Laico, pois, não há lei alguma que obrigue um cidadão de comemorar o dia professando Fé que não faz parte de sua crença, o que faz respeitar a tolerância a liberdade religiosa. A afronta ao Estado Laico seria, por exemplo, obrigar um cidadão que professa religião diversa da Católica, a ir a Igreja para participar da procissão em comemoração a Sexta Feira da Paixão.
Posto isto, a existência de feriados religiosos no Brasil nada mais é do que consolidação de fatos históricos que agregaram na história de um povo, gerando costumes e tradição em suas datas.
REFERÊNCIAS
[1] SOUZA, Charlyane Silva de (2015). A liberdade religiosa no Estado laico. Jus Navigandi. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47749/a-liberdade-religiosa-no-estado-laico. Acesso em: Abril/2018.
[2] SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O DIREITO DE RELIGIÃO NO BRASIL. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm. Acesso em: Abril/2018.
[3] BRODBECK, Rafael Vitola (2004). Apreciação da constitucionalidade dos feriados religiosos católicos em face do princípio do Estado laico na Carta Política do Brasil. Jus Navigandi, Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5551/apreciacao-da-constitucionalidade-dos-feriados-religiosos-catolicos-em-face-do-principio-do-estado-laico-na-carta-politica-do-brasil. Acesso em: Abril/2018.