A vida útil dos produtos e o direito a indenização à luz do CDC

04/04/2018 às 16:30

Resumo:


  • A lógica perversa atual impõe que o consumo é essencial para o crescimento econômico

  • O Código de Defesa do Consumidor estabelece prazos de garantia legal para produtos duráveis e não duráveis

  • A teoria da obsolescência programada visa programar a vida útil dos produtos para estimular o consumo

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise jurídica da estratégia criada pela indústria para fomentar o consumo, programando o tempo de vida útil de seus produtos para que durem menos do que a tecnologia permite.

Nos dias atuais, vive-se uma lógica perversa, cujo dogma impõe que se as pessoas não comprarem, a economia não vai crescer. Em uma sociedade extremamente capitalista onde possuir bens de última geração significa status e poder para se inserir em uma casta social.

Ao comprar um produto, o consumidor deve saber que, sobre a garantia legal, o Código de Defesa do Consumidor prevê: será de 30 (trinta) dias para os produtos não duráveis e 90 (noventa) dias para os duráveis.  Neste contexto, ainda, percebe-se a figura da garantia estendida, em que o fornecedor propõe ao consumidor o pagamento de uma taxa extra para que a garantia se estenda por um tempo preestabelecido, sempre respeitando, claro, os princípios da boa-fé e da informação.

Mas, o que é a teoria da vida útil/obsolescência programada? Foi uma estratégia criada pela indústria para fomentar o consumo, programando o tempo de vida útil de seus produtos para que durem menos do que a tecnologia permite. É nessa  teoria da vida útil do produto que doutrina e jurisprudência têm conseguido estender a garantia legal por vários anos, verificando a particularidade de cada produto.

Por exemplo, ao adquirir um televisor com o prazo de garantia de 1 (um) ano, não seria justo que, no segundo ano de uso, diante de um defeito, no qual o consumidor não deu causa, fique o fabricante isento de responsabilidade sobre o produto. Vale salientar que, no decorrer dos 2 anos, não houve “mau uso” ou “uso inadequado” do produto.

No caso em exame, verifica-se que o defeito já existia, tratando-se de um vício oculto.  Vício esse que só poderia ser descoberto ou evidenciado com a utilização do produto tempos mais tarde. Sobre isso, diz o Código do Consumidor no art. 26, § 3°, in verbis:

“§3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.”

Logo, a garantia vai começar a correr a partir do momento em que o vicio aparecer. E não 1 ano após a compra, como muitos pensam, justamente por se tratar de vício oculto aos olhos do consumidor.

Comunga deste pensamento, Claudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamin e o Professor Leonardo Roscoe Bessa que oportunamente comentou em sua obra “Vícios dos Produtos: paralelo entre o CDC e o Código Civil", in verbis:

“Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. O dispositivo possibilita que a garantia legal se estenda, conforme o caso, a três, quatro ou cinco anos. Isto é possível porque não há, de propósito, disposição, indicando o prazo máximo para o aparecimento do vício oculto, a exemplo da disciplina do CC/2002 (§1°, art. 445). O critério para a delimitação do prazo máximo de aparecimento do vício oculto passa a ser o da vida útil do bem”.

Percebe-se, então, que o código consumerista, ao prever o vício oculto, visa proteger o consumidor de que sejam colocados no mercado produtos de má qualidade. Infelizmente, o judiciário não tem corroborado com o consumidor nesses casos, vez que não há uniformidade nas decisões.

 Vale salientar que, no momento em que o judiciário admite inexistência da responsabilidade do fabricante, mesmo que o produto tenha sido usado corretamente dentro dos limites de sua vida útil, porém, fora do prazo da garantia, admite que inexiste o dever de qualidade nos produtos. Todavia, este dever decorre de um dos princípios fundamentais do direito do consumidor, a saber, o princípio da confiança, e seria importante sua consideração nas decisões judiciais.

Neste sentido, segundo Claudia Lima Marques: “O fornecedor só não será responsabilizado se ficar provado que o produto não tinha vícios no momento da entrega, que ocorreu mau uso ou caso fortuito posterior, lembrando que o ônus da prova aqui é do fornecedor, pois, não é demasiado alertar que nas relações de consumo ocorre a inversão do ônus probatório, conforme o disposto no art. 6°, VIII, do CDC.”.

A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Íris Helena Medeiros Nogueira, por sua vez, proferiu em um de seus votos em 2004:

“Tratando-se de bens de consumo de longa duração, cabe ao juiz decidir, diante do caso concreto e presumindo a regular vida útil do bem, cuidando de impedir que a regra se perpetue”.

E fica a dúvida: A garantia do produto seria ad eternum nas relações de consumo? Não. É preciso ponderar que todo produto tem uma certa durabilidade.

Ao comprar um veículo, por exemplo, espera-se que o motor deste tenha uma durabilidade razoável, ou quando o consumidor adquire uma geladeira ou um televisor, imagina que o aparelho funcione de 5 (cinco) a 8 (oito) anos. Ou ainda, não é razoável que se compre um computador para durar 1 (um) ano ou um carro esperando que o motor e o câmbio durem apenas 2 (anos), excepcionando, é claro, se a causa do defeito for o “mau uso” ou “caso fortuito posterior”.

Nestes casos, a garantia legal por defeitos do produto com vício oculto tem um limite temporal, qual seja, o da vida útil do produto, a ser verificado em cada caso pelo julgador, e não aquele estipulado pelo fornecedor, tampouco o do Código Civil aplicado analogicamente.

E mais, aparecendo o vício no fim da vida útil do produto, a garantia ainda existe, mas começa a esmorecer, porque se aproxima o fim natural de sua utilização, o produto já atingiu a sua durabilidade normal, o uso e o desgaste por determinado tempo decretam o fim da vida útil do bem, nas palavras de Marques “é a ‘morte’ prevista dos bens de consumo”.

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Diante do exposto, percebe-se, portanto, que o judiciário tem um papel decisivo no momento em que reprime o tempo de vida útil do produto através do arbitramento de indenizações, o que minimiza o descarte de milhares de produtos que se tornam inúteis apenas para mover a economia desenfreada.

Sobre a autora
Leyla Yurtsever

Advogada , articulista e Professora há mais de 18 anos sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever ADVOGADOS ASSOCIADOS. Possui graduação em Direito , fez o curso Preparatório no COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS (2001) ,LFG (2009) e ESCOLA DA MAGISTRATURA , especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa e em Direito Penal e Processo Penal pela Ufam, mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela - Universidad de Leon (2006) - Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa - fé - UCSF. Foi Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do núcleo de prática jurídica e professora . Palestrante convida da Escola Judicária Eleitoral- EJE/ AM, escritora colaboradora da revista consulex, pesquisadora. Fui coordenadora e professora do escritório Jurídico da UNIP e do NUCLEO DE ADVOCACIA VOLUNTÁRIA -NAV da uniniltonlins. FUI professora da Universidade Federal do Amazonas e Sub- Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da Uea e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissional no Comando geral da policia militar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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