A origem do sufrágio feminino no Brasil

13/04/2018 às 10:05
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o presente artigo discorre acerca do início do movimento sufragista no Brasil, com destaque para algumas mulheres extraordinárias à frente do seu tempo, em especial, a figura de Leolinda Daltro e Berta Lutz.

Se mantivermos um olhar anacrônico sobre o passado, talvez não  percebamos o quão foi difícil romper os padrões de submissão da mulher à época. Hoje, direitos que nos são  tão naturais foram conquistados com uma batalha nem sempre justa ou  vantajosa às mulheres.

A Revolução francesa,  promoveu o fim   do sistema patriarcal e do poder absoluto do soberano, promovendo uma sociedade de homens livres e iguais.As mulheres participaram ativamente da revolução francesa, porém não alcançaram os seus direitos civis e políticos.

Nem mesmo o iluminista francês Jean Jacques Rousseau, homem cujas ideias de liberdade e igualdade tinham um valor supremo, estendeu tais direitos às mulheres.

Entretanto, inspiradas pelos conceitos iluministas as mulheres passaram a exigir maior inclusão social e participação nos processos políticos.

Com a revolução industrial tais reivindicações se tornaram mais latentes, inclusive no tocante a melhores   condições de trabalho, já que as mulheres trabalhavam sob regime de opressão e exploração.

O século XIX, tem como característica movimentos reivindicatórios e revolucionários.  No brasil, nas primeiras décadas   do referido século, a imprensa feminina,  liderava um pequeno grupo de mulheres que diferente da maioria à época, tinham acesso à educação e por essa razão reivindicavam a emancipação moral e educacional pública para todas as mulheres, reivindicavam sobretudo, o direito de votar.

 Mais que isso! Buscava-se a igualdade   de direitos e o pleno exercício da cidadania e mesmo com todas as barreiras impostas à elas não   era mais aceitável naquele momento,  a exclusão da mulher na vida pública e nas importantes decisões na sociedade em que, apesar de sub julgadas, estavam inseridas. Sabiam elas que através da conquista do voto, muitos outros direitos restariam assegurados.

As reivindicações das mulheres eram sumamente   contestadas pelo fato da mulher à época, não ser considerada apta a ocupar o cenário político, ainda que não houvesse proibição legal que impedisse as mulheres de votarem e serem votadas, existia um impedimento social, pois a mulher ocupava uma posição de inferioridade em relação ao homem e tais reivindicações se faziam ilógicas.

O movimento sufragista no Brasil  foi fragmentado e contou com figuras de diferentes vertentes, cada qual a sua maneira comtribuiu para o empoderamento feminino.

Tinham em comum a busca pela igualdade da mulher e o seu reconhecimento como cidadã, objetivavam também o acesso a cargos públicos, que  poderiam ser ocupadossomente por quem estivesse em pleno gozo dos seus direitos políticos.

Ao longo da história,muitos são os casos em que as mulheres   buscavam o exercício do sufrágio, em 1885 a cirurgiã dentista Isabel de Souza Matos, requereu o seu alistamento eleitoral com base na Lei Saraiva nº 3.029 de 9/01/1881. A mais importante legislação eleitoral do Brasil, de redação de Rui Barbosa, declarava eleitores as pessoas portadoras de títulos científicos, entretanto   a dentista após longa demanda, não obteve êxito. 

Na luta pelo direito ao voto, temos   figuras como  Leolinda Daltro,  ousada e incansável na luta pela efetiva participação não só da mulher, mas das minorias. Mulher de muitas lutas e interesses, defendia a educação dos índios sem a interferência da igreja, tinha como propósito a educação da mulher. Leolinda   atuava na luta pela igualdade da mulher como um perfil semelhante as ¨ sufragettes ¨  inglesas. Foi perseguida pela mídia e por muitas vezes ridicularizada, mas permaneceu incansável na luta por seus ideais, chegando a fundar um partido numa época em que   as mulheres sequer poderiam votar.

Leolinda Daltro requereu seu alistamento eleitoral em 1891, porém teve seu pedido de   registro   cancelado, fez isso com base no texto constitucional de 1891 onde se dizia que   todos eram iguais perante a lei.

A constituição de 1891 marcou a transação de período monárquico para a república, institucionalizando   o regime federativo. Foram incorporados   à Constituição Brasileira os princípios fundamentais do regime político norte americano   onde se materializava   a escolha de uma República federativa.

Segundo o professor Erival   da Silva Oliveira, entende-se por Federação  ou Estado federal união de coletividades públicas dotadas de autonomia constitucional, ou seja autonomia federativa. (FEIJÓ, p. 2).

Bastante   descentralizadora, a Constituição de 1891 consagrou os poderes, Executivo, legislativo, Judiciário, teve como pontos principais a abolição das instituições monárquicas; o sistema de governo passou a ser presidencialista; as eleições passaram a ser pelo voto direito, porém não secreto.

Definiu-se a separação   entre   a igreja   e o Estado, já nessa Constituição consagrava-se   a liberdade de associação e de reunião sem armas, assegurava-se aos acusados o mais amplo direito de defesa, aboliu-se as penas galés, o banimento judicial e a morte; instituía-se através dela o habeas-corpus e a garantia de magistratura aos juízes federais (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos. (Constituição 1891, (CISNE, 2017, p. 1) .

 No texto da Constituição   de 1891   não se   fazia a   menção explícita   a proibição do voto feminino, por essa razão  Leolinda   Daltro requereu seu alistamento eleitoral que por óbvio, lhe fora negado, ela o fez com base no artigo   70 da referida Contituição  onde se dizia, são eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei. Por conta dessa recusa   e em protesto Leolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino, o primeiro partido pautado para a mobilização da luta da mulher pela conquista da igualdade feminina.

Na prática a   Constituição de 1891, foi promulgada de acordo com os interesses   das   oligarquias rurais, mulheres, pessoas analfabetas, soldados, clérigos, pessoas menores de 21 anos e pessoas abaixo da linha de pobreza eram proibidas de votar, o voto não era secreto o que facilitava aos barões e aos coronéis do café organizarem campanhas eleitorais de seus candidatos  (CEVA, 2016).  

Nesse cenário   a professora e ativista   seguia firme em seus projetos   relacionados a educação, cidadania e na luta por uma sociedade onde todos teriam direitos iguais.

Leolinda Daltro não era mulher de fácil intimidação, e mesmo sendo atacada pela imprensa, promovia marchas pelas ruas do Rio de Janeiro, comparecia a todos os eventos cívicos, lutava pelo sufrágio feminino, pela educação das minorias. Ativista que era, tinha como projeto   de vida   a educação dos índios   sem a interferência da igreja, já que o propósito da catequização dos índios era à  época o   ¨embranquecimento ¨ das raças.

 Quando se afastou   militância   ¨a mulher do diabo ¨ como   a imprensa a apelidara, havia plantado a semente da esperança em muitas outras mulheres e viveu para ver, no dia 24 de fevereiro de 1932 a concessão do  direito ao  voto  às  mulheres de todo o Brasil. 

                   Não! enquanto puder hei de lutar pela mulher! Principalmente agora que ela começa       a ter seus direitos   reconhecidos pelos homens. Fui a primeira eleitora que se qualificou. O feminismo que eu preguei e defendi com enorme sacrifícios, não pregava diretamente a conquista de postos de representação. Não tínhamos ambições pessoais. Queríamos, antes de tudo, dar à mulher um lugar melhor na sociedade, como elemento de progresso, libertando-a, tanto quanto possível, da escravidão e da situação de inferioridade em que viviam. Leolinda  de Figueiredo Daltro, 1910. (GRIGÓRIO, 2015)      

Outra figura de suma importância na luta pelo sufrágio feminino foi Berta Lutz, com ações voltadas para a inclusão da mulher no cenário político, através da consolidação leis, buscava assegurar o direito ao voto para as mulheres garantidos na legislação, com ideias feministas trazidos da Europa Berta Lutz influenciou centenas de mulheres a lutarem por seus direitos.

Não demorou para   que a filha do renomado cientista Adolfo Lutz se destacasse como líder do movimento do sufrágio non Brasil, criou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher em 1919. Seu foco era desenvolver atividades em torno das questões de interesse da mulher além de promover o acesso da mulher a educação.

Muito bem relacionada, contava com apoio de feministas do Estados Unidos e Europa, elaborou várias publicações importantes, dentre elas, o estatuto da mulher.  Berta Lutz lutava sobretudo para que a mulher conquistasse o direito ao voto.  

No ano de 1921, um projeto elaborado pelo senador Justo   Chermon trouxe grandes   expectativas para as sufragistas. O parlamentar propunha   a concessão do direito de voto às mulheres maiores de 21 anos. Contudo o projeto não foi convertido em lei e nem chegou a ser discutido (CEVA, 2016, p. 58).

Mesmo tendo se candidatado   ao cargo de deputada federal, Berta Lutz não foi eleita, ficando na suplência, porém   assumiu o mandato por conta da morte de Cândido Pessoa. No parlamento,  defendeu mudanças na legislação referente ao trabalho da mulher e do menor, a licença de 3 meses para gestante e a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas.

Bastante ativa na luta pelos direitos da mulher, Berta Lutz participou vários de encontros internacionais, sua maior façanha foi em 1945    na elaboração da Carta das Nações unidas, a inclusão da igualdade de gênero, a inclusão da palavra ¨gênero ¨ foi um trabalho desenvolvido por Berta Lutz na elaboração do preâmbulo da carta onde ela estabeleceu alianças diplomáticas e trabalhou em conjunto com outras delegações. Apesar de pouco difundido pela história este é, sem dúvida, o seu maior feito. Ao   lutar pela igualdade de direitos das mulheres da américa latina Berta Lutz, alcançou mulheres do mundo todo. Teve um papel atuante na elaboração da carta da ONU e   mesmo contanto com muitos apoiadores, Berta Lutz foi criticada e até mesmo ridicularizada durante esse evento e ainda assim, determinada e atuante Berta Lutz fez questão de incluir a palavra mulher no preâmbulo da Carta.

A carta das Nações Unidas foi   o primeiro documento internacional a contemplar a igualdade entre homens e mulheres com parte fundamental dos direitos humanos. É por isso, aliás, que a ONU tem hoje legitimidade para promover e proteger os direitos   das mulheres. O texto final do tratado, ratificado em 24 de outubro de 1945, consagra a ideia   de que os direitos humanos e as liberdades fundamentais dever ser assegurados a todos sem distinção de raça, sexo, língua, ou religião. Esse princípio é reiterado 4 vezes em diferentes seções. (SATOR, 2016) . Que as próximas gerações   saibam a importância da atuação da brilhante Berta Lutz    na luta pela cidadania da mulher.  

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             ¨ O lar é a base e a mulher estará sempre integrada ao lar.     Mas o lar não  se limita ao espaço de quatro paredes. O lar é também   a escola, a   fábrica, o escritório, O lar é principalmente o parlamento, onde as leis que regulam a família e a sociedade humana são elaboradas¨. Berta Lutz (CEVA, 2016, p. 69). 

O movimento do sufrágio feminino contou com o apoio de homens importantes como Juvenal Lamartine, candidato à presidência do Estado do Rio Grande do Sul, decidiu incluir em sua plataforma eleitoral a concessão de direitos políticos às mulheres do seus estado, influenciado por   Berta Lutz.

O médico Cézar Gama ainda em 1890 defendeu o sufrágio universal, em 1891 outro constituinte, Almeida Nogueira, lembrou que no corpo da Constituição não havia a proibição do voto feminino. Em 1981, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto de Constituição, de autoria de Saldanha Filho, que conferia o voto à mulher, porém devido à forte oposição, o projeto não se consumou.

E assim o Brasil deixou de ser o primeiro país do mundo a conceder o direito ao voto à mulher, em 1893 a Nova Zelândia teria a primazia da concessão do voto feminino. O constituinte e defensor da cidadania da mulher brasileira, Cesar Gama em seu discurso afirmou: ¨Bastará que qualquer país importante da Europa  confira-lhes os direitos políticos e nós os imitaremos. Temos um fraco pela imitação¨. (RIBEIRO, 2012).

Outros importantes homens da história foram contrários a concessão do voto feminino. Assis Brasil o grande jurista era um antifeminista assumido e foi contrário a concessão do voto à mulher. Mesmo sendo contrário á concessão do voto à mulher, Assis Brasil apontou que,  uma vez fosse concedido o voto à mulher bastaria apenas a inclusão no texto legal, não sendo necessário qualquer outra mudança .

 Em 1928 já governador, Juvenal Lamartine obtém uma alteração na legislação e confere o direito ao voto às mulheres no seu Estado. Tal direito foi concedido às mulheres do Rio Grande do Norte por conta da lei estadual nº 660 no seu artigo 77 ao dispor que: ¨No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votadas, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por essa lei.  

A primeira eleitora do Brasil foi a professora Celina Guimarães Vieira, que o conseguiu a partir de um parecer favorável concedido pela justiça local em 25 de novembro de 1927. Mais uma mulher à frente do seu tempo. Celina mesmo após ter conquistado o direito ao voto enviou um telegrama de apelo ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres da nação fossem abarcadas por tal direito.

¨ Peço em nome mulher brasileira seja aprovado projeto institui voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal¨. Saudações Celina Guimarães Viana. Professora Escola Normal Mossoró. (CEVA, 2016, p. 73).

Outra figura de suma importância na luta pelo sufrágio feminino foi a advogada Natércia da Silveira, lutou em prol do movimento do sufrágio feminino e por divergências com Berta Lutz se afastou da Liga da Emancipação Intelectual da Mulher, fundando  em 1931 a Aliança Nacional de Mulheres, que chegou a contar com 3 mil sócias, a grande maioria pertencente a classe operária. A Aliança Nacional de Mulheres foi bastante atuante até o ano 1937 quando Getúlio Vargas decretou o estado novo.

Cada qual contribuiu a sua maneira, para a conquista do voto feminino e muito mais, cada uma dessas fantásticas mulheres contribuíram para a conscientização de que a igualdade entre homens em mulheres era possível,e cada qual com sua prestimosa contribuição, fez com que   mulheres brasileiras se mobilizassem para a inclusão das mulheres como eleitoras. Foram essas, as primeiras mulheres a iniciarem no Brasil, a luta  pela igualdade de gênero, que até o presente momento, alcançou resultados ínfimos ante a uma cultura patriarcal  e machista.

Ressalto aqui a importância do legado e da atuação corajosa dessas extraordinárias mulheres rumo ao empoderamento feminino !   


 Suffragettes: são conhecidas por serem as primeiras mulheres ativistas femininas do séulo XX. Lutavam pelos ideias de Liberdade e igualdade e principalmente pelo sufrágio, direito de votar em eleições .disponível em https://pt.pandoralivre.com.br

Sobre a autora
Marisa Magalhaes

Especialista em direito eleitoral e processual eleitoral formada pela Escola Paulista de Magistratura e Escola Judiciária Eleitoral Paulista. Elaboração de perícias judiciais e pareceres na área jurídico-empresarial. Membro da Federação Brasileira de Bancos. Membro do Conselho Nacional dos Peritos Judicial,mediação em compra, venda, fusão e incorporação de empresas ativas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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