A IMUNIDADE DO ESTADO ESTRANGEIRO NAS AÇÕES CONTRA ELE AJUIZADAS

13/04/2018 às 20:39
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O ARTIGO DISCUTE QUESTÃO ATINENTE AO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ENVOLVENDO A IMUNIDADE JUDICIÁRIA.

A IMUNIDADE DO ESTADO ESTRANGEIRO NAS AÇÕES CONTRA ELE AJUIZADAS

Rogério Tadeu Romano

I - O ARTIGO 102, I, E, DA CF

Determina o artigo 102, I, da Constituição que o Supremo Tribunal Federal é originariamente competente para: 

e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; 

Compete a Corte Suprema julgar, originariamente, litígio entre Estado estrangeiro e a União Federal(ACC 646 - SP, relator ministro Celso de Mello; ACO 524 - SP, relator ministro Carlos Velloso; ACO 526 - SP, relator ministro Celso de Mello; RE 222. 368 - PE, relator ministro Celso de Mello; ACO 543 - SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, dentre outros. 

Tratando-se de litígio entre Estado estrangeiro e a União Federal, assiste, ao Supremo Tribunal Federal,competência originária para processá-lo e julgá-lo (ACO 709/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), inocorrendo, a esse respeito, notadamente em face da existência de explícita previsão constitucional (CF, art. 102, I, “e”), qualquer divergência de índole doutrinária em torno do órgão investido de jurisdição para, no plano internodirimir conflitosinterestatais (PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969”, tomo IV/24-25, item n. 11, 2ª ed./2ª tir., 1974, RT; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VI/3.084-3.086, item n. 105, 1992, Forense Universitária; WALTER CENEVIVA, “Direito Constitucional Brasileiro”, p. 195,                     item n. 4, 1989, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 4/104, 1992, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo III/171, 2ª ed., 2000, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/219, 1992, Saraiva, v.g.).

Poder-se-ia falar em imunidade da parte do estado estrangeiro.

II  - A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DECORRENTE DE NORMA COSTUMEIRA

Como ensinou Hildebrando Accioly(Manual de direito internacional público, 1996, pág. 117) a imunidade de jurisdição é entendida como “o privilégio reconhecido a certas pessoas estrangeiras, em virtude dos cargos ou funções que exercem, de escaparem à jurisdição, tanto civil quanto criminal, do Estado em que se encontram”. Tem como fundamento a necessidade de ser assegurado o respeito à independência do Estado a que essas pessoas pertencem.

As Convenções de Viena sobre relações diplomáticas (1961) e consulares (1963), promulgadas no Brasil pelos Decretos 56.435/1965 e 61.078/1967, estabelecem prerrogativas e imunidades às pessoas e bens ali indicados.

Quanto aos Estados, como pessoas jurídicas de Direito Público externo, a imunidade de jurisdição decorre de norma costumeira, sabendo-se que o costume é importante fonte do Direito nas relações internacionais.

O artigo 114 da Constituição, seja em sua redação originária, seja após a Emenda Constitucional 45/2004, estabelece que a competência da Justiça do Trabalho também abrange os entes de Direito Público externo, isto é, os entes de Direito Internacional Público.

III - A QUESTÃO DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DE ESTADO ESTRANGEIRO

Como se sabea imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros – quer se trate de imunidade à jurisdição cognitiva(imunidade ao processo de conhecimento), quer se cuide de imunidade à jurisdição executiva (imunidade de execução) – derivavaordinariamentede um princípio básico, o princípio da “comitas gentium”, consagrado pela prática consuetudinária internacional e assentado em premissas teóricas e em concepções políticas, que, fundadas na essencial igualdade entre as soberanias estatais, legitimavam o reconhecimento de que “par in parem non habet imperium vel judicium”, consoante enfatizado pelo magistério da doutrina (JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito Internacional Público”,    p. 213/217, itens ns. 99 e 100, 14ª ed., 2013, Saraiva; VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, “Curso de Direito Internacional Público”,         p. 527, item n. 1, 5ª ed., 2011, RT; CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, “Direito Constitucional Internacional”, p. 350/352, item n. 3,     2ª ed., 2000, Renovar; ALFRED VERDROSS, “Derecho Internacional Publico”, p. 171/172, 1972, Aguilar, Madrid; JACOB DOLINGER, “A Imunidade Estatal à Jurisdição Estrangeira”, “in” “A Nova Constituição e o Direito Internacional”, p. 195, 1987, Freitas Bastos; JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES, “Da Imunidade de Jurisdição do Estado Estrangeiro perante a Justiça Brasileira”, “in” “A Nova Constituição e o Direito Internacional”, p. 209/210, 1987, Freitas Bastos; AMILCAR DE CASTRO, “Direito Internacional Privado”, p. 465/467, item n. 295, 6ª ed., 2008, Forense, v.g.).

Abordou Francisco Rezek(Direito internacional público, 2ª edição, pág. 175) que "se o Estado estrangeiro é o autor da demanda, transparece liminarmente seus propósitos de submeter-se à jurisdição local. Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal conheceu, em grau de recurso, de uma ação de usucapião ajuizada no foro de Brasília pelo reino dos Países Baixos contra um particular(Apelação Cível 9.691 - DF) intentada pela república árabe da Síria contra a república árabe do Egito, a propósito de um imóvel consular situado no Rio de Janeiro. Estre último feito não prosperou justamente porque o Egito - o pretendido réu - não quis submeter-se à jurisdição brasileira.

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No passado, em parecer, de 23 de novembro de 1923, Clóvis Beviláqua, consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, ponderava: " A nossa Constituição, sendo a organização político-jurídica de um povo, não traça regras obrigatórias para outros povos. Assim, quando determina que aos juízes e tribunais compete processar e julgar os pleitos de Estados estrangeiros e cidadãos brasileiros, pressupõe a aquiescência desses Estados em aceitar a jurisdição de nossos tribunais. Esta é a doutrina que o Brasil tem sustentado e não pode pretender que, em seu território, não tenha aplicação, quando para si a reclama em território sujeito a outra soberania"(Pareceres, 11, pág. 263).

É a fidelidade ao princípio par in parem non habet iudicium.

Tem-se ainda:

OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A DOUTRINA DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO RELATIVA OU LIMITADA.

Os Estados Unidos da América – parte ora agravante – já repudiaram a teoria clássica da imunidade absoluta naquelas questões em que o Estado estrangeiro intervém em domínio essencialmente privado. Os Estados Unidos da América –abandonando a posição dogmática que se refletia na doutrina consagrada por sua Corte Suprema em Schooner Exchange            v. McFaddon’ (1812) – fizeram prevalecerjá no início da década de 1950, em típica declaração unilateral de caráter diplomático, e com fundamento nas premissas expostas na ‘Tate Letter’, a conclusão de que ‘tal imunidade, em certos tipos de caso, não deverá continuar sendo concedida’. O Congresso americano, em tempos mais recentes, institucionalizou essa orientação que consagra a tese da imunidade relativa de jurisdição, fazendo-a prevalecer, no que concerne a questões de índole meramente privada, no ‘Foreign Sovereign Immunities Act’ (1976).”

(RTJ 161/643-644, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É por essa razão – já vigente o novo ordenamento constitucional brasileiro – que tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal           (RTJ 133/159 – RTJ 161/643-644 – RTJ 184/740-741) quanto a do              Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 8/39 – RSTJ 9/53 – RSTJ 13/45) consolidaram-se no sentido de reconhecer que,modernamente, não mais deve prevalecer, de modo incondicional, no que concerne a determinadas e específicas controvérsias – tais como aquelas de direito privado – o princípio da imunidade jurisdicional absoluta, circunstância esta que, em tais situações, legitima a plena submissão de qualquer Estado estrangeiro à jurisdição doméstica do Poder Judiciário nacional:

“IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – LITÍGIO ENTRE ESTADOESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO – EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NALEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DAIMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE OPODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSAPRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO.

- O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644).

- Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional.

O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇABRASILEIRA DE EXERCER JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOSCONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. 

- A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois – ainda que guardem estreitas relações entre si – traduzemrealidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais.

A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, emdecorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes.”

(RTJ 184/740-741, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Quanto à imunidade de execução tem-se:

“Imunidade de jurisdição. Execução fiscal movida pela União contra a República da Coréia.

É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estadoestrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de votos.

Precedentes: ACO 524-AgR, Velloso, DJ 9.5.2003;              ACO 522-AgR e 634-AgR, Ilmar Galvão, DJ 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR, Jobim, DJ 10.12.99; ACO 645, Gilmar Mendes,      DJ 17.3.2003.”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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