ARBITRAGEM INTERNACIONAL

16/04/2018 às 13:00
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O ARTIGO DISCUTE A QUESTÃO DA ARBITRAGEM NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

ARBITRAGEM INTERNACIONAL

Rogério Tadeu Romano

A arbitragem internacional consiste na criação de um tribunal formado por árbitros de vários Estados, escolhidos pelos litigantes por sua notória especialidade na matéria envolvida e baseado no respeito ao direito, geralmente por meio de um compromisso arbitral em que as partes já estabeleceram as regras a serem seguidas e aceitam a decisão que vier a ser tomada. Tem com fundamento o consentimento das partes, o qual pode ser externado por um ato unilateral do Estado ou por meio de tratado internacional. Normalmente o tribunal arbitral é composto por três membros: dois deles de uma nacionalidade de cada uma das partes envolvidas na controvérsia, e um terceiro escolhido de comum acordo pelas partes, de nacionalidade diferente.

O acordo de vontades para a entrega de um litígio à decisão arbitral se traduz num compromisso.

A arbitragem tem um caráter de solução ad hoc, com poderes predeterminados estabelecidos pelos litigantes a um julgador ou a um colegiado, com a função de dirimir os litígios internacionais surgidos entre elas. Esse acordo predeterminado denomina-se compromisso e que pode ser definido como o ato jurídico internacional pela qual os Estados interessados submetem certo litígio a arbitragem internacional, obrigando-os a acatar o que for decidido pelos árbitros. Nele se estabelece o processo arbitral a ser seguido, se designam os árbitros com seus poderes respectivos, acrescentando-se ainda a obrigação formal de respeitar e dar fiel execução ao futuro laudo. Tal execução não é a execução jurídica, mas a execução prática. Não há execução de laudos arbitrais, tal qual a execução de uma sentença prolatada no direito interno brasileiro, como ensinou Valerio de Oliveira Mazzuoli(Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 930). Não ha tal execução pelo fato de não existir uma autoridade superior à vontade dos Estados no plano internacional.

A arbitragem normalmente se classifica em voluntária e obrigatória. A primeira ocorre quando as partes livremente decidem resolver suas contendas por meio de eleição de árbitros que formarão um tribunal arbitral ad hoc especialmente para o caso. A segunda, chama-se obrigatória e em lugar quando as partes estão obrigadas a recorrer à arbitragem, em virtude daquilo que elas próprias previamente consentiram por meio de acordo anteriormente firmado entre ambas. 

Os tratados que contêm os compromissos arbitrais, assim, podem ser de duas formas: a) tratados de arbitragem voluntaria(concluídos especialmente para a formação de um tribunal arbitral ad hoc; ou seja, concluído para ser aplicado naquele caso concreto; b) tratados de arbitragem obrigatória(concluídos previamente à formação do tribunal arbitral para as controvérsias que porventura poderão vir a surgir no futuro). Estes últimos exigem, como complemento, um compromisso arbitral, ao contrário dos primeiros, que já são o próprio compromisso arbitral, como explicaram Hildebrando Accioly e Nascimento e SIlva(Manual de direito internacional público, pág. 450). 

Sendo o compromisso arbitral um verdadeiro tratado internacional a capacidade para a sua negociação é dada pelo Direito Interno de cada país. No Brasil, a competência para a celebração de um ato é do Presidente da República, a teor do artigo 84, inciso VIII), mas ad referendum do Congresso Nacional, como se lê do artigo 49, inciso I, da Constituição Federal.

Mas é princípio geral do direito arbitral que a eleição dos árbitros deve ficar à escolha das partes. Contudo nada impede que essas mesmas partes elejam terceiros para escolher aqueles que serão árbitros.

As atribuições e os poderes devem constar expressamente do compromisso que as partes elegeram para nortear as suas atividades.

A cláusula arbitral deverá vir expressa e um tratado internacional, bilateral, com a finalidade de dirimir as dúvidas e os litígios porventura existentes em relação a interpretação desse tratado: poderá ainda vir expressa em tratados cuja única índole, que possam surgir entre as partes; e, por final, poderá ainda vir expressa em acordos bilaterais celebrados pelas partes com a finalidade de dirimir os conflitos que elas mesmas não conseguiram solucionar por outros meios.

A oposição da cláusula arbitral num tratado tem por finalidade obrigar os seus Estados-partes a recorrerem a arbitragem na solução de suas pendências internacionais, quer para resolverem qualquer divergência relativa à interpretação do acordo, quer para criar meios mais céleres de se executar o compromisso firmado, quer ainda para deixar expresso que todos os litígios porventura existentes entre as partes deverão ser submetidos a esse meio meio semi-judicial de solução de controvérsia internacional.

Mas os Estados não estão obrigados a se submeter a arbitragem.

É princípio fundamental da arbitragem a livre escolha dos árbitros, mas, em geral, a sua designação é feita no compromisso. Nada impede que as partes prefiram confiar a designação individual dos árbitros a uma ou mais pessoas por elas próprias escolhidas para esse fim(um ou mais chefes de Estado, o presidente de um Tribunal, uma associação científica etc).

Em geral, os autores, da mesma forma que numerosos governos, sustentam que só podem ser objeto de arbitragem os conflitos de ordem jurídica ou suscetíveis de serem formulados juridicamente, com ensinou Hildebrando Accioly(Manual de direito internacional público, 11ª edição, pág. 248). As Convenções de Haia, de 1899 e 1907, relativas a solução pacífica dos conflitos, adotaram esse mesmo ponto de vista, estabelecendo como condição, para a arbitragem, a existência de uma questão jurídica ou de uma questão cuja solução possa ser baseada no direito. Mas, nem sempre é possível distinguir precisamente as questões de ordem jurídica das questões políticas.

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São características da arbitragem: a) acordo de vontade para a fixação do objeto do litígio e o peido de sua solução a um ou mais árbitros; b) a livre escolha destes; d) a obrigatoriedade da decisão.

A Convenção de Haia, de 1899, sobre a solução pacífica de controvérsias, determinou a criação, naquela cidade, de uma instituição particular, a qual possam recorrer as partes à arbitragem. Mas essa jurisdição não é obrigatória, pois as parte podem recorrer a outros juízes.

Quando o processo arbitral não se acha regulado no compromisso, os próprios árbitros poderão formulá-lo. A título subsidiário poderão invocar as disposições estipuladas a esse respeito pelas duas mencionadas Convenções de Haia(1899 e 1907).

Um dos elementos obrigatórios da decisão constitui um dos elementos característicos da arbitragem.

Mas há casos de nulidade da arbitragem:

a) quando o árbitro ou o tribunal arbitral excederem os seus poderes;

b) quando a sentença for o resultado de fraude ou da deslealdade do árbitro ou dos árbitros;

c) quando a sentença tiver sido pronunciada por árbitro ou árbitros em situação de incapacidade, de fato ou de direito;

d) quando uma das partes não tiver sido ouvida, ou tiver sido violado algum princípio fundamental do processo.

As Convenções de Haia de 1899 e 1907 permitiram a revisão se tal foi previsto no respectivo compromisso ou se se descobre algum fato novo que teria podido determinar a modificação da sentença.

A coisa julgada vale subjetivamente para as partes envolvidas.

A cogência do laudo arbitral existe, mas não à equiparação verdadeira de sentença judiciária internacional, proferida por tribunal com jurisdição permanente. A regra em relação à arbitragem é que o laudo arbitral resolve definitivamente a controvérsia, sendo o mesmo obrigatório e vinculante para as partes envolvidas no litígio. É certo, contudo, que o fiel cumprimento daquilo que ficou expresso no laudo arbitral dependerá da boa-fé das partes envolvidas, sob pena de incorrerem num ilícito internacional, podendo o Estado ser responsabilizado pelos prejuízos que fez sofrer ao outro de boa-fé. 

Contra o laudo arbitral não cabem recursos, sendo o mesmo definitivo(apesar de não executório) e obrigatório para as partes litigantes. Ensina-se que isso é assim porque uma vez proferido o laudo arbitral os árbitros se desincumbem do mister que assumiram ad hoc, deixando às partes a obrigação de bem e fielmente cumprir o que ali ficou decidido. As partes não ficam impedidas, no entanto, de recorrer novamente ao árbitro para que este aclare eventual obscuridade do laudo, o que recebe o nome de "pedido de interpretação", em direito das gentes. Tal pedido corresponde ao remedio recursal dos embargos de declaração no direito interno do Brasil, mas não é tecnicamente um recurso. Como ensinou Francisco Rezek(Direito internacional público, páginas 344 a 345), não havendo obscuridade ou nulidade do laudo; o mesmo passa a ser obrigatório para as partes, não cabendo a estas a faculdade de aceitá-lo ou não. Tal obrigatoriedade, como explicou Rezek, não provém da força cogente do laudo em si, mas do tratado internaiconal(chamado compromisso arbitral) anteriormente concluido pelas partes. 

O laudo arbitral apesar de definiivo não é executório, por faltar-lhe uma autoridade internacional incumbida de dar a ele executoriedade. Esse cumprimento depende unicamente da boa-fé e da honradez das partes litigantes que assumiram fielmente a obrigação de cumprir o que viesse a ser decidido. O não cumprimento do laudo acarreta a responsabilidade internacional do Estado. 

Várias vezes figurou o Brasil como árbitro entre outros países. Isto se deu nos seguintes casos: a) questão do Alabama, entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, resultantes de fatos ocorridos durante a guerra da secessão; b) as reclamações mútuas franco-americanas, por danos causados pelas autoridades civis ou militares dos Estados Unidos da América e da França, quer durante a guerra de secessão americana, quer durante a expedição do México, a guerra franco-prussiana, de 1870 e a Comuna de Paris; c) as reclamações de França, Itália, Grã-Bretanha, Alemanha etc contra o ChIle, por danos sofridos por nacionais dos países reclamantes como consequência de operações de guerra na Bolívia e no Peru.

Historicamente, o Brasil recorreu à arbitragem diversas vezes. Os casos que a isto o determinaram foram os seguintes: a) controvérsias entre o Brasil e a Grã-Bretanha a propósito da prisão, no Rio de Janeiro, de oficiais da fragata inglesa Forte; b) questão entre o Brasil e os Estados Unidos da América, relativa ao naufrágio da galera americana Canadá, nos recifes das Garças, nas costas do Estado do Rio Grande do Norte; c) a reclamação da Suécia e da Noruega por motivo de abalroamento da barca norueguesa Queen, pelo monitor brasileiro Pará, no porto de Assunção; d) reclamação apresentad pela Grã-Bretanha, em nome de Lord Cochrane, Conde de Dundonald, para pagamento de serviços prestados pelo pai do referido Lord(Almirante Cochrane), à causa da independência do Brasil; e) questão de limites entre o Brasil e a Argentina, referente ao território de Palmas; f) questão de limites entre o Brasil e a França, referente ao território do Amapá(na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa); g) a questão de limites entre o Brasil e a Grã-Bretanha, referente ao fronteira do Brasil com a Guiana Britânica; h) reclamações brasileiro-bolivianas atinentes a questão do Acre; i) reclamações brasileiro-peruanas, resultantes de fatos ocorridos no Alto Juruá e no Alto Purus.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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