AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL INTERROMPE PRESCRIÇÃO DE DANO INDIVIDUAL SOBRE MESMO DANO

16/04/2018 às 15:01
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O ARTIGO DISCUTE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO E EVENTUAL INTERRUPÇÃO COM RELAÇÃO A AÇÃO CIVIL INDIVIDUAL POR DANO AMBIENTAL.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL INTERROMPE PRESCRIÇÃO DE DANO INDIVIDUAL SOBRE MESMO DANO

Rogério Tadeu Romano

Com relação ao dano ambiental, deve-se mencionar a lição Paulo de Bessa ANTUNES (Manual de direito ambiental. São Paulo: Atlas, 5ª ed., 2013, p. 151-153), segundo o qual:

 “Dano ambiental é dano ao meio ambiente. Meio ambiente é conceito cultural. É a ação do ser humano que vai determinar que deve e o que não deve ser entendido como meio ambiente. O meio ambiente é um bem jurídico autônomo. O bem jurídico meio ambiente é tutelado pelo direito público e pelo direito privado.

 O meio ambiente é res communes omnium. Uma coisa comum a todos, que pode ser composta por bens pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado. A propriedade do bem jurídico meio ambiente, quando se tratar de coisa apropriável, pode ser pública ou privada. A fruição do bem jurídico meio ambiente é sempre de todos, da sociedade. Igualmente, o dever jurídico de proteger o meio ambiente é de toda a coletividade e pode ser exercido por um cidadão, pelas associações, pelo Ministério Público ou pelo Estado.

A jurisprudência tem se inclinado a reconhecer que a responsabilidade ambiental é fundada na teoria do risco integral.”

O dano ambiental não é apenas aquele causado ao meio ambiente, pois também o particular pode suportar danos pessoais advindos de, por exemplo, uma contaminação causada pelo despejo de detritos tóxicos de uma indústria. Nesse sentido, a doutrina afirma haver tanto um dano ambiental individual e um dano moral coletivo:

“ Conforme salientamos alhures, o Direito enxerga o dano ambiental sob dois aspectos distintos: a) dano ambiental coletivo (...) e b) dano ambiental individual ou dano ambiental pessoal, sofrido pelas pessoas e seus bens (...) como ocorre, por exemplo, com a contaminação de um curso de água por carreamento de produto químico nocivo. (...) No primeiro caso, ou seja, de ação civil pública veiculadora de pretensão reparatória do dano ambiental coletivo (...) se inscreve no rol das ações imprescritíveis. (...) No segundo caso, ou seja, no de dano reflexo ou infligido ao microbem e ambiental, aí sim, estarão definidas as regras de prescrição pelos ditames do Código Civil, pois tem titulares determinados. (Édis Milaré. Direito Ambiental. Doutrina - jurisprudência - glossário. 4ª ed. RT, págs. 962/964).

O Código Civil não cuida diretamente dos bens ambientais (...) o dano ambiental reparável é aquele sempre atrelado a prejuízos pessoais ou patrimoniais do titular do recurso ambiental afetado (...) e um dano reflexo, também denominado 'dano em ricochete', imposto a uma pessoa determinada que é titular do objeto material do dano. (...) Não há preocupação com a questão ambiental, pois a pessoa é a figura central, ocupando-se a responsabilidade civil de garantir proteção de sua saúde e de sua propriedade. (Annelise Monteiro Steigleder. Responsabilidade Civil Ambiental. As dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Ed. Livraria do Advogado. pág. 66).

Há o entendimento da jurisprudência do STJ de que, em sua dimensão coletiva, a pretensão de reparação do dano ambiental não é atingida pela prescrição, em função da essencialidade do meio ambiente. É o que se tem abaixo:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL - PEDIDO GENÉRICO - ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF E 7/STJ. 1.É da competência da Justiça Federal o processo e julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar a comunidade indígena Ashaninka-Kampa do rio Amônia. 2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se de competência territorial e funcional, eis que o dano ambiental não integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente espraiando-se por todo o território do Estado, dentro da esfera de competência do Juiz Federal. 3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena. 4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação. 8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. 9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ. 10. Inviável, no presente recurso especial modificar o entendimento adotado pela instância ordinária, no que tange aos valores arbitrados a título de indenização, por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1120117/AC, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009.

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Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.346.478/SC, julgado em 11 de junho de 2013, DJe de 265 de agosto de 2013, entendeu que, em hipótese de reparação de direitos e interesses individuais, mesmo que causados por danos ambientais – isto é, de um dano ambiental individual –, é aplicável o prazo prescricional previsto no Código Civil. Assim a prescrição seria trienal, a teor do artigo 206, parágrafo terceiro, inciso V, do Código Civil de 2002.

O dano ambiental, aliás, pode ser classificado em difuso, coletivo e individual homogêneo este, na verdade, trata-se de um direito ambiental particular ou dano por intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete, enquadrando-se naquela classificação por razões processuais, aplicando-se ao CDC e a LACP.

Também em um recurso envolvendo dano ambiental individual, este Superior Tribunal de Justiça utilizou o entendimento segundo o qual a data inicial do período prescritivo é a data da efetiva ciência do dano ambiental sofrido pelo particular. Abaixo está a ementa do mencionado julgamento: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO DO SOLO E DO LENÇOL FREÁTICO POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES. 1. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e o paradigma, o que não ocorreu no caso. 2. Inviável a incidência da Súmula nº 7/STJ a obstaculizar o conhecimento do recurso, visto que se trata, na espécie, tão somente de firmar posição sobre tese jurídica, isto é, qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional. Precedentes. 3. Não há como se presumir que, pelo simples fato de haver uma notificação pública da existência de um dano ecológico, a população tenha manifesto conhecimento de quais são os efeitos nocivos à saúde em decorrência da contaminação. 4. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte não provido, para dar prosseguimento ao processo. (REsp 1346489/RS, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 26/08/2013).

No caso específico de ação individual por dano ambiental e ação na defesa de interesses difusos, o STJ, no julgamento do REsp 1.641.167 assim concluiu: o ajuizamento de ação versando interesse difuso tem o condão de interromper o prazo prescricional para a apresentação de demanda judicial que verse interesse individual homogêneo.

A doutrina assim se põe na matéria:

“Finalmente, um último tema que merece ser analisado diz respeito à fluência do prazo prescricional para as pretensões individuais na pendência de ação coletiva que trata desses interesses. (...) O problema, então, está em saber se essa solução pode ser aceita segundo o direito atual. Parece que sim, ao menos em parte. Recorde-se que, no sistema atual, proposta a ação coletiva sobre interesses individuais homogêneos, os autores de ações individuais já ajuizadas devem ser comunicados para que possam exercer o pedido de suspensão de suas demandas, a fim de se beneficiar da sentença coletiva (art. 104, do CDC). Já quanto àqueles que não propuseram ainda sua ação individual, a ação coletiva resulta em coisa julgada, apenas no caso de procedência, não prejudicando o indivíduo no caso de improcedência da demanda coletiva (art. 103, III, e § 2º, do CDC). Desse modo, em relação aos titulares de direito individual que não propuseram ação própria para demandar seus interesses, pode-se reconhecer um regime especial de “suspensão de pretensão”. Afinal, sua pretensão está sendo exercida na ação coletiva, pelo legitimado extraordinário, de modo que, em caso de sucesso desta demanda, a pretensão individual estará satisfeita; em caso, porém, de insucesso, não há prejuízo ao indivíduo, que pode buscar por via própria a satisfação de seu interesse. Essa “condicionalidade” a que está sujeita a pretensão individual faz com que, ao menos até o julgamento (final) da ação coletiva, tal pretensão se mantenha em estado latente, no aguardo da manifestação judicial. Apenas se recusada a tutela no plano coletivo, é que haverá novamente o interesse do indivíduo em buscar, por demanda própria, a satisfação de sua pretensão. Isso implica a necessária suspensão do prazo prescricional, para estes interesses, na pendência da ação coletiva”. ARENHART, Sérgio Cruz. O regime da prescrição em ações coletivas. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 1, n. 3, 05 abr. 2010).

A legislação prevê interferência entre os tipos de pretensões defendidas em juízo com base nos mesmos fatos.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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