Cenário mundial e a biopirataria no Brasil

17/04/2018 às 10:42
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O artigo faz uma introdução sobre o conceito de biopirataria, analisa o cenário atual e as dificuldades no combate a essa prática criminosa que acaba por extrair riquezas e degradar o meio ambiente brasileiro.

Conceito biopirataria

A palavra biopirataria pode ser dividida em duas: bio, que tem origem no termo grego BIOS e significa vida. E a palavra pirataria, que remonta às atividades praticadas pelos piratas, que eram bandidos que cruzavam os mares com o intuito de roubar.[1]

A grande maioria dos especialistas que abordam a questão do tráfico seja de animais, animais exóticos, plantas ou sementes não tratam o tema como biopirataria. A biopirataria é vista apenas como um único ramo no qual é obtida uma vantagem ilícita para obtenção de uma patente por um produto estrangeiro adquirido de forma irregular. No entanto, sustentamos que essa classificação é apenas uma espécie do gênero biopirataria.

A conceituação, por outro lado, em torno da utilização dos recursos nos sistemas de propriedade privada e comum diferem em largos níveis. Com efeito, o sistema de propriedade social identifica a valoração intrínseca da biodiversidade, ao passo que nos sistemas de direitos de propriedade intelectual a avaliação ocorre por meio da exploração comercial. A produção humana é vista como uma co-produção diante da natureza e da sua criatividade. Todavia, os regimes de propriedade intelectual negam a criatividade da natureza, o que denota um verdadeiro disparate.[2]

Dessarte, por meio de uma interpretação nociva, a biodiversidade passa de um bem comum local para uma propriedade privada e fechada. O cercado dos bens comuns é, sem dúvida, o objetivo dos direitos de propriedade intelectual e encontra-se universalizado por meio dos tratados acerca dos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio, da Organização Mundial do Comércio (OMC), e de certas interpretações da Convenção sobre Biodiversidade.[3]

A biopirataria pode ser conceituada também como a exploração, manipulação, exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, em contrariedade às normas da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16.03.1998.[4]

Tem ínsita a idéia de contrabando de espécimes da flora e da fauna com apropriação de seus princípios ativos e monopolização desse conhecimento por meio do sistema de patentes, na esteira das leis de direito de propriedade intelectual do GATT e da Organização Mundial do Comércio - OMC. Aliás, é primordial que haja gestões junto à OMC para inclusão de critérios condicionantes da concessão de patentes, obtidas por meio de bioprospecção, baseada na legalidade do acesso ao patrimônio biológico.

Sobre a biopirataria, a emérita professora e promotora de Justiça do MPDFT, Juliana Santilli, também sócio-fundadora do Instituto Socioambiental - ISA comenta:

“A biopirataria é a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (ou a ambos) sem o respeito aos princípios da Conversão da Biodiversidade, isto é, sem autorização do país de origem e de suas comunidades locais e a repartição de benefícios. A Convenção da Biodiversidade estabelece que os benefícios gerados pela utilização dos recursos genéticos coletados nos países megadiversos devem ser compartilhados com estes e com as comunidades locais detentoras de conhecimentos associados a estes”.[5]

Para Luis Regis Prado:

“O biopirata é aquele que, negando-se a cumprir formalidades e desconhecendo e desrespeitando as fronteiras e a soberania das nações (as quais garantem o acesso legal à biodiversidade e também uma repartição justa de benefícios, conforme estabelecido na Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992), resolve agir por conta própria, invadindo santuários ecológicos em busca do novo ouro, quase sempre utilizando uma fachada para encobrir seu real intento. Com a atividade organizada e bem planejada dos biopiratas, o Brasil estaria perdendo riquezas incomensuráveis que poderiam, inclusive, num futuro muito próximo, frente às novas perspectivas industriais, garantir independência econômica ao nosso País”.[6]

Conforme a conceituação de biopirataria advinda do Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e Desenvolvimento - CIITED, temos:

“Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica). A biopirataria envolve, ainda, a não-repartição justa e eqüitativa, entre Estados, corporações e comunidades tradicionais, dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos”.[7]

Cenário mundial e a biopirataria no Brasil

Seguindo com o aprofundamento do estudo assumiremos que o tráfico é um dos elementos presentes na biopirataria e que a Lei dos crimes ambientais combate o tráfico apenas sem qualquer menção a biopirataria propriamente dita.

Para se consumar a biopirataria é conditio sine quo non a aquisição irregular seja de uma semente, de folha, de animal ou fruto, ou a utilização para registro de patente de produto, do contrário não há a consumação do delito.

O Brasil sempre possuiu instrumentos reguladores protetivos ao meio ambiente, no entanto, a ineficácia do sistema e das atividades fiscalizadoras compromete o combate à biopirataria. A grande dificuldade é o legislador visualizar que o combate deve ser travado com a biopirataria de forma mais árdua, dura e firme, do contrário a banalização é inevitável.

Para o biopirata o couro de um jacaré não possui tanto valor quanto para o traficante, contudo, como já dissemos se trata de gênero e espécie, pois para a biopirataria existir o tráfico é elemento indissociável. Não é possível, por exemplo, extrair o veneno de uma aranha no Brasil para usar na Europa sem que haja o tráfico da espécie.

Pela vasta riqueza vegetal e animal, o Brasil é alvo constante de biopiratas. Ao contrário de outras formas de contrabando ou reprodução ilegal de conhecimentos sem autorização de seus proprietários ou detentores, a Biopirataria não é tipificada como ilícito criminal, mas apenas administrativo, com aplicação de multas que, excepcionalmente, são recolhidas pelo infrator.

Como se verá adiante, poucas figuras da Lei nº 9605/98 (Lei de crimes ambientais) podem ser invocadas para repressão e combate a biopiratas e, ainda assim, são consideradas como de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95 - Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências c/c Lei 10259/01 - Lei do Juizado Especial Federal), que se resolvem com a lavratura de um termo circunstanciado e liberação do autor do fato poucas horas depois.[8]

Segundo o relatório final da CPI do tráfico de animais silvestres, divulgado no mês de fevereiro de 2003, a ilicitude desse comércio movimenta cerca de US$ 10 bilhões por ano no mundo, dos quais US$ 500 milhões giram em torno do mercado de hipertensivos, cujo princípio ativo é obtido do veneno de serpentes brasileiras como a jararaca (um grama do veneno vale US$ 433,70).[9] Daí o interesse dessa nova modalidade de criminalidade organizada que se encontra no ranking das três atividades criminosas com maior movimento financeiro no mundo, ao lado do tráfico de drogas e comércio ilegal de armamento.

A extensão territorial do Brasil, que dificulta a fiscalização dos órgãos e agências governamentais, a facilidade de transporte (tubos de PVC, maletas, caixas térmicas, meias, cinturões) de insetos (aranhas, borboletas), ovos e pequenos animais (sapos, pássaros, cobras), o vasto número de pesquisadores na região amazônica, sem um efetivo controle ou cadastro de atividades, são fatores que ampliam a ofensividade da biopirataria.

Associado a esse universo de comodidades que o infrator encontra em solo brasileiro, a legislação pátria não desestimula a atividade irregular, pois suas sanções são brandas e tratam de idêntica forma o infrator que exerce o comércio ilegal interno de animais silvestres e aquele que exporta pequenos animais para pesquisas internacionais por laboratórios estrangeiros e patenteiam novas fórmulas medicinais, com exclusividade, prejuízo das comunidades locais e lucros exorbitantes.[10]

CONCLUSÃO

A Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica). A biopirataria envolve, ainda, a não repartição justa e equitativa, entre Estados, corporações e comunidades tradicionais, dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos. O conhecimento específico de que se trata neste escrito é coletivo, não se permitindo que seja concebido como mera mercadoria passível de comercialização como meros objetos outros.

Não há dúvida que o Brasil deu importantes passos com a criação de normas protetoras do meio ambiente, buscando sempre soluções mais adequadas e eficazes na prevenção e reparação dos danos ambientais. As ações que visam apurar a responsabilidade e constituir a condenação têm além da finalidade precípua de obter a reparação/ recuperação do dano ambiental a de servir como exemplo e certeza de punibilidade. Esta, talvez, seja sua maior importância, pois não há reparação ou recuperação comparável a inocorrência do dano pela ação preventiva.

O meio ambiente considerado um bem de uso comum do povo é uma inovação, pois o Poder Público não é o dono do meio ambiente, mas sim um gestor, pois administra bens que não são de sua propriedade e, consequentemente, deve satisfações ao povo acerca de sua administração e utilização do bem constitucionalmente protegido.

A pessoa natural, quando sujeito ativo de um crime ambiental, é o tipo de criminoso aceito pela sociedade, pois pratica o delito por ambição ou de acordo com costumes legais. No entanto, sendo o agente uma pessoa jurídica, surgem controvérsias na doutrina e na jurisprudência brasileiras, embora haja embasamento legal para essa responsabilização penal, tanto de ordem constitucional quanto infraconstitucional.

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Tal repressão advém da urgência da tutela requerida pelo meio ambiente, bem de uso comum do povo cuja preservação está intrinsecamente ligada ao direito à vida. Não cabe aos juristas a imposição de obstáculos à aplicação da Lei de Crimes Ambientais uma vez que foi ela criada por quem tem legitimidade para tanto, o legislador, e encontra-se em profunda sintonia com a Constituição Federal.

Assim sendo, é possível responsabilizar pessoas jurídicas por crimes ambientais. Há também, além dos fundamentos legais, fundamentos jurídico filosóficos, sociais e econômicos para a concessão de tutela penal para o meio ambiente, especificamente para responsabilização criminal de entes coletivos.

O crescimento desmedido que ocorre em um mundo ainda analisado de forma fragmentada e interindividualista implicou o esquecimento de que o planeta é um sistema, o que importa dizer que nada funciona sozinho. A Terra é um conjunto em que todos os elementos devem estar em harmonia. Assim, não é possível admitir a destruição o meio ambiente por interesses econômicos, pois, quanto mais lesado ele for, maior será a repercussão negativa disto na economia e, antes, na própria capacidade de sobrevivência humana, portanto, é de extrema urgência a proteção penal deste bem de uso comum do povo.

Como se viu, a biopirataria tema ainda novel no cenário jurídico nacional, encontra ampla gama de pesquisa e consequente sucesso de debates, ante não só a sua importância como matéria atinente ao Direito Ambiental, tão crucial que é, mas também em decorrência das inúmeras ramificações hipotéticas e teóricas que do seu vasto âmago advêm.

Todavia, não obstante a incipiência teórica do assunto cabe ao Estado reprimir sem demora as práticas ilícitas que circundam a biodiversidade, e, nesse diapasão, ao lado dos principais órgãos repressores à biopirataria, tais como o IBAMA e a Polícia Federal, a Polícia Judiciária dos estados também detém importante papel no cenário de repressão criminal, mormente por meio das tipificações consubstanciadas na Lei Federal nº 9.605/98.


[1] SANTILLI, Juliana. Op. cit., p.79.

[2]     SANTILLI, Juliana. Op. cit., p.81.

[3]     PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias. Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.158.

[4]     FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p.36.

[5] SANTILLI, Juliana. Op.cit., p.79.

[6] PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.54.

[7]     PACHECO, Antonio Celso. Instituto Brasileiro de Lei de Comércio Internacional (CIITED). Disponível em: <http://www.pontojurídico.com.br> Acesso em: 10 abr 2013.

[8]     BRASIL. Lei nº 9.099/95: dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências e Lei 10.259/01, Lei do Juizado Especial Federal. Disponível em: <http://www.dji.com. br/constituicao_federal/cf225.htm> Acesso em: 7 mar 2013.

[9]     PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p.67.

[10] PACHECO, Antonio Celso. Instituto Brasileiro de Lei de Comércio Internacional (CIITED). Op. cit., p.3.

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