O GENOCÍDIO NOS BÁLCÃS

18/04/2018 às 15:21
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O ARTIGO DESTACA ASPECTOS DO GRAVE CONFLITO OCORRIDO NA ANTIGA IUGOSLÁVIA.

O GENOCÍDIO NOS BÁLCÃS 

Rogério Tadeu Romano 

A região dos Bálcãs, habitada por povos de diversas etnias e religiões, foi unificada em 1918 sob o reino dos eslovenos, croatas e sérvios, que incluía a região da Bósnia Herzegovina. Mais tarde, essa entidade política veio a ser conhecida como Reino da Iugoslávia (o reino dos eslavos do sul), dominado totalmente pelos sérvios. Em 1941, o reino foi invadido pela Alemanha nazista, que controlou o país até 1945, quando o exército vermelho e as forças iugoslavas de resistência derrotaram os invasores e estabeleceram a República Federal Socialista da Iugoslávia, formada pela Croácia, Eslovênia, Macedônia, Bósnia e Herzegovina e Sérvia, sob a liderança do comunista Josip Broz Tito.  

No período em que os Bálcãs estiveram unidos em uma federação socialista, o país manteve coesão e as disputas nacionalistas permaneceram sob controle. A coesão começou a se desgastar na década de 1980, com o surgimento de partidos múltiplos, a morte do presidente Tito e a maior autonomia das províncias dentro da Federação. A Iugoslávia se dissolveu gradualmente. 

Historicamente, a Iugoslávia teve nos sérvios o grupo hegemônico que controlava grande parte da política da região. Outros grupos, como os eslovenos, croatas e bosníacos, exigiam maior representatividade na política e encaravam a hegemonia sérvia como opressão. A fragmentação da Iugoslávia acabou acontecendo como um efeito dominó quando os eslovenos declararam sua independência em junho de 1991.

Pelo lado religioso, a Bósnia e Herzegovina apresenta crenças diversas devido às muitas etnias de seus habitantes. A divisão religiosa do país é a seguinte: a maioria dos sérvios é cristão ortodoxo (cerca de 99%) e a maior parte dos bósnios são seguidores do islão (90%). Já os croatas seguem o catolicismo romano (88%). Uma curiosidades sobre a religiosidade do país é que, num pequeno povoado nomeado Međugorje, a população alega que ocorrem aparições da Virgem Maria e, com isso, a cidade atrai pessoas do mundo todo que querem conferir o fenômeno.

Economicamente, na época em que formava parte do território Iugoslavo, a  Bósnia e Herzegovina era considerada uma das regiões mais pobres. Seus meios de agricultura sempre foram dominados por setores privados e o meio rural demonstrou ineficiência na produção de alimentos. Por isso, a maior parte da comida do país vem de importações.

Seguindo uma tendência existente entre os países comunistas após o colapso da União Soviética, a Eslovênia e a Croácia garantiram a autonomia em 1991. Como consequência, as minorias de origem sérvia nesses países organizaram movimentos de resistência contrários à separação, o que culminou com a "Guerra dos Dez Dias" e a "Guerra Croata de Independência". 

Com os croatas lutando pela sua independência, os bosníacos fortaleceram seu movimento separatista. O separatismo bosníaco gerava tensão por causa dos diferentes interesses que existiam na Bósnia como resultado da diversidade étnica de um país onde 43,7% da população era bosníaca, 31,4% sérvia e 17,3% croata Os diferentes interesses existentes na região eram divididos em:

  • Bosníacos: queriam a independência da Bósnia-Herzegovina sob a liderança de bósnios muçulmanos;

  • Sérvios: queriam a anexação dos territórios habitados por sérvios para formar a Grande Sérvia;

  • Croatas: queriam a anexação dos territórios habitados por croatas com a Croácia.

Em fevereiro de 1992, a República Socialista da Bósnia e Herzegovina (habitada por bósnios muçulmanos e minorias de sérvios ortodoxos e croatas católicos) aprovou em plebiscito uma declaração de independência, ratificada mais tarde pela União Europeia e as Nações Unidas. Oficiais bósnios de origem sérvia, apoiados pelo governo sérvio de Slobodan Milosevic, ordenaram um ataque militar contra a província da Bósnia tendo por objetivo garantir a integridade de seu território.

Foi um verdadeiro conflito genocida. 

A cidade de Sarajevo, capital da Bósnia, estava completamente cercada pelos sérvio-bósnios, que também avançavam por outras partes do território bósnio.

A guerra ficou marcada pela tentativa sérvia de realizar a limpeza étnica da Bósnia a partir do extermínio da população bosníaca, como evidencia o relato de Gustavo Silva sobre um massacre realizado em um vilarejo nas proximidades de Srebrenica:
Centenas de homens foram capturados próximos aos vilarejos de Nova Kasaba. Eles foram levados ao estádio de futebol da cidade. Um avião americano espião registrou uma foto aérea do local, onde seiscentos homens estavam concentrados no gramado. Quando o mesmo avião sobrevoou a área novamente, dias depois, os homens não estavam mais lá, e as áreas ao redor do estádio pareciam diferentes: a vegetação havia sumido, e os sinais de escavações recentes eram evidentes. A conclusão: eram covas coletivas. 

O controle sérvio-bónio na guerra durou até meados de 1994, quando a Sérvia foi forçada pelas potências ocidentais a retirar seu apoio às tropas de Radovan Karadzic e Ratko Mladic (general dos exércitos sérvio-bósnios). Além disso, a entrada de tropas estrangeiras no exército bósnio, principalmente iranianas, e o apoio financeiro dos países muçulmanos contribuíram para que a Bósnia revertesse o quadro negativo do início da guerra.

No dia 14 de dezembro de 1995, em Paris, foi assinado um acordo geral de Paz. Negociações de paz foram conduzidas em Dayton, Ohio.No dia 21 de dezembro foram assinados acordos que definiam os limites da soberania sérvia. Os crimes de guerra foram julgados pelo Tribunal Internacional Penal da Antiga Iugoslávia, que condenou 45 sérvios, 12 croatas e 4 bósnios.

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A guerra foi descrita como o evento mais devastador da história da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, tendo resultado na morte de cerca de 100 mil pessoas. 

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia condenou o ex-chefe militar sérvio bósnio Ratko Mladic a prisão perpétua por genocídio e crimes contra a Humanidade.

Mladic, apelidado de "carniceiro dos Balcãs", foi declarado culpado de 10 das 11 acusações de que era alvo - duas de genocídio, quatro de crimes de guerra e cinco de crimes contra a humanidade - cometidos durante a guerra da Bósnia (1992-1995), entre os quais o massacre de Srebrenica e o cerco da capital Sarajevo.

António Guterres, Secretário-Geral da ONU elogiou o trabalho da corte, considerada pioneira por responsabilizar e julgar indivíduos por crimes de guerra. Para o dirigente máximo das Nações Unidas, organismo garantiu que a história não fosse esquecida. Noventa pessoas foram condenadas por violações como genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade.

“O Tribunal conduziu mais de 10 mil dias de julgamentos e ouviu depoimentos de quase 5 mil pessoas”, lembrou Guterres. Para o chefe da ONU, o legado da instituição, criada em 1993, vai além do número de sentenciados, pois a corte “deu voz às vítimas”.

“Pessoas que haviam vivido uma violência atroz e perdas trágicas, incluindo mulheres e meninas, receberam a oportunidade de contar suas histórias na corte, de registrar suas experiências e de ver os perpetrados dos crimes contra elas serem responsabilizados. Isso, por si só, contribuiu para o processo de cicatrização.”

O último veredito foi emitido pelo Tribunal em novembro, condenando o ex-chefe militar sérvio-bósnio Ratko Mladic, de 72 anos, à prisão perpétua por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. O ex-líder Radovan Karadzic foi condenado, em 2016, a 40 anos de prisão, também por genocídio e crimes contra a humanidade, ocorridos na Bósnia e Herzegovina entre 1992 e 1995.

Outro acusado foi o presidente sérvio Slobodan Milosevic, que conduziu sua própria defesa ao longo de cinco anos de julgamento — o caso terminou sem uma resolução, pois Milosevic morreu em 2006, antes de o Tribunal chegar a uma conclusão. Ao longo de 24 anos, a corte indiciou 161 pessoas, das quais 90 foram condenadas. Cinquenta e seis já cumpriram a pena.

“Havia passado quase meio século após os Tribunais de Crimes de Guerra de Nuremberg e de Tóquio. A Convenção de 48 sobre Genocídio entrou em vigor em 1951, mas ainda não havia sido estabelecido nenhum tribunal internacional que reconhecesse a responsabilidade criminal individual por esse tipo de crime”, lembrou Guterres.

Lembre-se essa Convenção 48.

Em 9 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por unanimidade a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Ela obriga os países da comunidade de nações a punir o genocídio. Um mês depois, 100 dos 188 membros haviam ratificado a convenção. Hoje o número chega a 140.

Já a intenção de eliminar grupos étnicos, religiosos, nacionais ou raciais deve ser punida. Também condições desumanas de vida, graves violações físicas ou psicológicas, o impedimento de nascimento de crianças ou seu sequestro se enquadram no conceito de genocídio, enquanto a perseguição a oposicionistas políticos foi deixada de fora por exigência da União Soviética.

Até aí não havia possibilidade no direito internacional de punir assassinatos em massa ordenados pelo Estado. Uma falha que havia se evidenciado no Tribunal de Nurembergue, quando dez dos 22 nazistas acusados de graves crimes de guerra foram libertados ou receberam penas leves.

A convenção contra o genocídio deve muito aos esforços do advogado judeu polonês Raphael Lemkin, que criou o termo genocídio após analisar casos como o Holocausto.

A convenção da ONU não impediu, porém, novos massacres étnicos, como no caso dos muçulmanos bósnios mortos pela Sérvia nos anos 1990 ou a morte de mais de 800 mil pessoas em Ruanda, no conflito entre hutus e tutsis. Sem falar nos crimes cometidos durante as guerras da Coreia, do Camboja, no Oriente Médio, na Chechênia ou no Timor Leste.

Será a Convenção das Nações Unidas apenas um instrumento que ficou no papel? O perito em questões de direito internacional Andreas Paulus, da Universidade Ludwig-Maximilian, de Munique, acha que não. Ele lembra que uma legislação pune crimes, mas não impede que eles aconteçam.

Fica esse terrível conflito como exemplo para a humanidade de sorte a que lembre-se, para sempre, esse genocídio aqui narrado e o que representou a fragmentação de um país. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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