IV – CONCLUSÃO
O tema da adoção de uma cláusula social nos tratados de comércio é sem dúvida extremamente complexo e multifacetado, com efeitos e conseqüências tanto benéficos como maléficos. A tese liberalista de que as diferenças salariais são produto do livre mercado é falha na medida que o teorema "mais liberalização igual a crescimento econômico igual a mais emprego e respeito às normas de trabalho" [14] não se verifica na prática, onde a idéia de que melhores condições de vida serão conseqüência do crescimento da renda que virá com o crescimento econômico é pura ilusão, pois o crescimento econômico será, como sempre foi, concentrado, não levando ao sonhado aumento da renda de todos. Também é ilusória a visão de que a adoção dos direitos trabalhistas internacionalmente reconhecidos levará a uma expressiva diminuição das taxas de desemprego dos países desenvolvidos. Ainda que os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento adotem estes padrões trabalhistas, o custo de mão-de-obra dentro de suas fronteiras ainda será consideravelmente mais barato que o da mão-de-obra encontrada nos países desenvolvidos, fazendo com que os conglomerados transnacionais continuem a gerar empregos naqueles países em detrimento dos desenvolvidos. No mais, a exeqüibilidade destes direitos pode levar a mais desemprego nos países desenvolvidos, uma vez que neles também se encontram violações a estes core standards, como se observa nos sweatshops, empresas sub contratadas onde se empregam especialmente imigrantes clandestinos. Dificilmente elas continuariam a funcionar no mesmo local se tivessem que respeitar as normas internacionais de trabalho.
A cláusula social, apesar de provavelmente causar algum desemprego nos países mais pobres e, também provavelmente, constituir uma máscara ao protecionismo dos países mais ricos, deve ser adotada por todos. Os direitos envolvidos são extremamente mínimos e seu descumprimento é de tal forma abominável – como o trabalho infantil – que já deveriam ter sido adotados. A sua aplicação nos países mais pobres beneficiará sua população que, além de ter acesso a melhores condições de vida, não perderá seu emprego, uma vez que para os conglomerados transnacionais – que são quem tem acesso à mobilidade necessária para transplantar sua produção de um local para outro de acordo com o cenário mais favorável – ainda enfrentará custos maiores nos países desenvolvidos, vendo-se melhor estabelecidos onde já estão. Também o argumento de que como os salários continuarão baixos é impossível atingir o desenvolvimento é falso. Como assinala Sen, "uma economia pobre pode ter menos dinheiro para despender em serviços de saúde e educação, mas também precisa gastar menos dinheiro para fornecer os mesmos serviços, que nos países ricos custariam muito mais. Preços e custos relativos são parâmetros importantes na determinação do quanto um país pode gastar" [15]. Assim, se o país tem menos dinheiro para gastar em educação por ter uma economia mais fraca, não há problema, pois os salários dos professores nele também serão mais baratos. Um exemplo desta possibilidade na prática são os programas de bolsa-escola, por meio dos quais se garante às famílias a renda que seria auferida pela criança, mantendo-a na escola. Com o aumento salarial, a ajuda governamental passa a ser desnecessária, podendo a família dispensar a renda arrecadada com o trabalho infantil.
Paralelamente, deve ser realizado um forte programa de combate ao trabalho informal, se possível no âmbito global por intermédio da OMC, caso contrário este tende a aumentar com o empresariado tentando escapar às novas regras trabalhistas. Ainda, seria necessário impedir que o aumento salarial a ser experimentado gere inflação, igualando o poder de compra do novo salário com o antigo e não permitindo o surgimento de melhorias para a população.
Outro ponto importante de ser analisado é a possível emergência de ações unilaterais por parte dos países desenvolvidos frente a uma resposta negativa dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A proposta do selo social, por exemplo, é facilmente aplicável unilateralmente, criando um péssimo marketing para os produtos que não o exibirem e, assim, forçando seus produtores a adotar as normas trabalhistas fundamentais. Ao aceitar discutí-la multilateralmente, os países contrários à cláusula social permitem o diálogo, acalmando o impulso unilateralista como a um leão faminto.
A cláusula social deve ser adotada por meio da OMC, e não da OIT, e contar com seus mecanismos de defesa. Deixar a imposição da cláusula social a uma organização sem mecanismos efetivos para tal é fazer com que os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento a adotem e os países desenvolvidos não, fazendo com que os primeiros percam a vantagem salarial comparativa que antes tinham e que as empresas transnacionais voltem a seus países de origem, onde a contratação de mão-de-obra não-qualificada é realizável pelo mesmo preço, quando não é mais barata, e se encontra mais perto dos grandes centros mundiais de consumo. Como aponta Liliana Jubilut, "a aproximação do comércio internacional, por meio da OMC, e dos direitos humanos, trará benefícios para ambos. Enquanto estes ganharão mais um fórum para serem debatidos, bem como um sistema de proteção mais aperfeiçoado e dotado de maior força no cenário internacional, a OMC passará a ter sua atividade relacionada com aspectos morais e éticos, o que reforçará a aceitação de suas regras. Além disto, ela terá a oportunidade de corrigir alguns efeitos negativos criados pela sua atuação, e com isto aperfeiçoar o seu sistema de ação" [16]. Isso tudo sem contar na abertura da OMC à multifuncionalidade, criando um poderoso precedente para negociações futuras de assuntos não diretamente relacionados ao comércio internacional, mas que interessem aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, vasta maioria na OMC, e que necessitem da efetividade do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC para serem devidamente aplicados contra seus opositores, possivelmente países desenvolvidos.
A adoção da cláusula social pode ser uma maneira dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento virarem o feitiço contra o feiticeiro.
V – BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
1 Lafer, Celso, A OMC e a Regulamentação do Comércio Internacional, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998.
2Amaral Júnior, Alberto do, O Mercosul e a Integração Americana in Amaral Júnior, Alberto do (coord.), A OMC e o Comércio Internacional, São Paulo, Aduaneiras, 2002.
3 Pastore, José, A Evolução do Trabalho Humano: Leituras em Relações do Trabalho, São Paulo, LTr, 2001.
4 Lafer, Celso, A OMC e a Regulamentação do Comércio Internacional, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998.
5Trade and Labour Standards: A Difficult Issue For Many WTO Member Governments, www.wto.org.
6 Rocha, Dalton Caldeira, Cláusula Social in Barral, Welber (org.), O Brasil e a OMC : os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais, Florianópolis, Diploma Legal, 2000.
7 Bortoli, Roberto Covolo, Globalização, Novas Tecnologias e seus Impactos no Direito do Trabalho, São Paulo, 2002.
8 Amaral Júnior, Alberto do, O Mercosul e a Integração Americana in Amaral Júnior, Alberto do (coord.), A OMC e o Comércio Internacional, São Paulo, Aduaneiras, 2002.
9 Sen, Amartya, Desenvolvimento Como Liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
10 Wolfe, Marshall, Abordagens do Desenvolvimento: de Quem e Para Quê? in Revista de la CEPAL, Nações Unidas, Santiago do Chile, 1976.
11 Furtado, Celso, Em Busca de Novo Modelo: Reflexões sobre a Crise Contemporânea, São Paulo, Paz e Terra, 2002.
12 Sen, Amartya, Hunger and Public Action, 1989.
13 Krasner, Stephen D., Transforming International Regimes: What The Third World Wants and Why, International Studies Quarterly, Vol. 25, No. 1, Março de 1981.
14 Jakobsen, Kjeld Aagaard, Movimento Sindical, Integração Econômica e Acordos de Comércio in VIGEVANI, Tullo, Globalização e Integração Regional: atitudes sindicais e impactos sociais, São Paulo, LTr, 1998.
15 Sen, Amartya, Desenvolvimento Como Liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
16 Jubilut, Liliana Lyra, Os Direitos Humanos Como Paradigma do Comércio no Direito Internacional in Amaral Júnior, Alberto do, Direito do Comércio Internacional, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002.